Duas mulheres heroicas – EB

 Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 389 – Ano 1994 – Pág. 462

 

Em síntese: Vão, a seguir,
apresentadas duas figuras femininas – Elisabetta Canori Mora e
Pauline-Elisabeth Leseur -, que, por sua fidelidade a Deus e à sua vida
conjugal, conseguiram, depois de falecidas, impressionar os respectivos maridos
incrédulos, levando-os a sincera e profunda conversão. – São testemunhas do
valor de uma vida reta e perseverante em meio às dificuldades cotidianas; na
Comunhão dos Santos o comportamento de um autêntico cristão ganha extraordinária
fecundidade espiritual.

ELISABETTA CANORI MORA (1774-1825)

Aos 24/04/1994, o Santo
Padre beatificou (declarou “Bem-aventurada”, passo imediatamente anterior à
Canonização) duas mulheres heroicas: uma delas – Gianna Beretta Molla – faleceu
em 1962 por não querer matar a criança que estava em seu seio grávido, ainda
que, por causa disto, tivesse que sacrificar a própria vida; a sua figura já
foi apresentada  em PR 374/1993, pp. 311-317. A outra mulher heroica é
Elisabetta Canori Mora, que se distinguiu por sua fidelidade incondicional ao
compromisso matrimonial, embora seu marido a traísse; após a sua morte (1834),
o viúvo se converteu e tornou-se frade franciscano conventual.

Esta Segunda figura feminina
merece destaque em nossas páginas.

Elisabetta nasceu na cidade
de Roma em 1774, de família aristocrática. Foi educada no Colégio das Irmãs
Agostinianas de Cascia (1785-1788). Com 22 anos de idade, casou-se com
Cristoforo Mora, filho de um dos melhores médicos de Roma em seu tempo. Não
decorrera um ano desde o enlace matrimonial e Elisabetta descobriu que seu
marido entretinha uma relação extra-conjugal; era dado ao jogo, às especulações
financeiras e maçom declarado. Por isto pouco se importava coma esposa e as
filhas, que nasceram do convívio com Elisabetta.

A esposa tudo fez para
reconduzir o marido ao bom caminho. Pôs de lado até mesmo seu garbo, dando-lhe
quatro filhas (das quais duas morreram em tenra idade), sem jamais lhe lançar
em rosto o seu comportamento desleal ou lhe censurar a voluntária imaturidade.
A fim de garantir a educação das meninas, Elisabetta assumiu trabalhos duros e
humildes. Certa vez foi intimada a pagar as dívidas do marido, a fim de evitar
que fosse preso; não se revoltou, mas vendeu o mobiliário de sua case e se
transferiu de uma residência confortável para um pequeno apartamento.

Nos anos mais difíceis e
sofridos da sua vida, Elisabetta encontrou forças na oração e nos conselhos sábios
que lhe deram o Pe. Pizza, jesuíta, e o Pe. Fernando San Luigi, Religioso
trinitário, tido como um dos mais experimentados diretores espirituais do seu
tempo.

Em 1808 Elisabetta entrou para
a Ordem Terceira Trinitária¹; encarregou-se então do atendimento aos mais
necessitados – doentes, pobres, casais em crise (…)  fazia-o com plena
generosidade, continuando a doação que havia anteriormente prestado às suas
filhas. A sua modesta residência tornou-se em breve um lugar de oração e
acolhimento. Finalmente morreu em 1825, deixando eloqüente testemunho de
fidelidade conjugal e de amor ao próximo.

Após a morte da esposa, o
marido sentiu-se tocado pelo depoimento de vida de Elisabetta e converteu-se de
suas conduta devassa a um comportamento de bom cristão, chegando a tornar-se
frade franciscano conventual em 1834.

Após o devido exame dos
documentos relativos a Elisabetta, o S. Padre houve por bem apresentar essa heróica
mulher ao povo de Deus como modelo para tantas outras esposas infelizes em seu
casamento. Pelo sacramento do matrimônio os nubentes se comprometem a promover
não apenas o bem temporal do (a) respectivo (a) consorte, mas também a santificação
do (a) Mesmo (a); foi o que Elisabetta procurou fazer, por mais árdua que fosse
a tarefa ou mesmo sabendo-se traída por seu marido. E ela conseguiu o que
almejara, pois a consideração de tanta firmeza e magnanimidade acabou
convencendo o viúvo de que devia mudar de vida e reparar suas faltas; Elisabetta
lhe obtivera a maior das graças, que era a da conversão.

Caso semelhante se deu em
nosso século, como se dirá abaixo.

PAULINE-ELISABETH LESEUR
(1866-1914)

Eis outra grande figura
feminina.

Pauline-Elisabeth nasceu em
Paris aos 16/10/1866; recebeu da família uma sólida educação cristã e e valioso
patrimônio cultural, que utilizou durante toda a vida na qualidade de
escritora. Casou-se com Félix Leseur, materialista e colaborador de jornais
anticlericais, que tudo fez para extinguir a fé da esposa; coagiu-a a ler obras
de autores racionalistas, como Les Origines du Christianisme e La Vie de Jésus de Ernest Renan.
Elisabeth, porém, percebeu a fragilidade das hipóteses de Renan e quis
controlar a validade dos seus argumentos, dedicando-se intensamente ao estudo
da Religião, do Evangelho e de S. Tomás de Aquino. Este aprofundamento só
contribuiu para tornar mais convicta a sua vida cristã, levando-a a exercer o
apostolado entre os intelectuais e incrédulos, como também a praticar obras de caridade.
Muito se empenhou pela conversão de seu marido, sem o conseguir, até o momento
de sua morte ocorrida em Paris aos 03/05/1914.

Tendo perdido a esposa, o viúvo
descobriu o Diário deixado por ela:  Journal
et Pensées pour chaque Jour (Jornal e Pensamentos para cada dia). A leitura
destas notas impressionou Félix Leseur, que resolveu mudar de vida; uma vez
convertido, fez-se frade dominicano e tornou-se grande propagandista das obras
de sua esposa: além do journal… publicado em Paris (1917), editou Lettres sur
la Souffrance
(Cartas a respeito do Sofrimento), Paris 1918; La Vie Spirituelle (A
Vida Espiritual) Paris 1918; Lettres à des Incroyants (Cartas e Incrédulos)
Paris 1922.

Eis outro grande vulto
feminino, que atesta quanto pode ser forte a mulher fiel a Deus e ao seu
compromisso conjugal. Elisabeth deixou escrita famosa sentença, que revela o
segredo do seu êxito apostólico: “Uma 
alma que se eleva, eleva o mundo inteiro”.¹ Elevando-se em Deus no silêncio,
na paciência e ano amor perseverante, ela conseguiu elevar seu marido e, com
ele, muitos e muitos irmãos, pois na comunhão dos Santos o cristão se torna
espiritualmente fecundo, sem mesmo poder avaliar o alcance de sua vida fiel e
tenaz (Deus, porém, o vê).

Sem dúvida, seria possível
arrolar muitas outras Elisabetta e Elisabeth, cuja história heróica e fecunda só
Deus conhece. Possam as mulheres cristãs de nossos dias reconfortar-se com tais
testemunhos e crer sempre mais no elevado preço da vida fiel a Deus e a Cristo
na Santa Igreja!

 

¹ Nas Ordens Religiosas
medievais, a Ordem Primeira è a dos frades; a Ordem Segunda é a das freiras, e
a Ordem Terceira é a dos leigos e leigas, que, vivendo da espiritualidade
respectiva, permanecem no mundo.

¹ Esta frase mereceu ser
citada pelo S. Padre João Paulo II na sua Exortação Apostólica sobre
Reconciliação e Penitência nº. 16:

 “Reconhecer (…) uma solidariedade humana
tão misteriosa e imperceptível quanto real e concreta (…) uma faceta daquela
solidariedade que, a nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico
mistério da Comunhão dos Santos, graças à qual se pode dizer que “cada alma que
se eleva, eleva o mundo”.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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