Uma infância de perseguição preparou pastor da Igreja em Belarus

Entrevista com o
arcebispo Tadeusz Kondrusiewicz

 MINSK, domingo, 5 de
dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Crescer em uma situação de discriminação devido
à sua fé católica só robusteceu o amor pela Igreja e preparou o arcebispo
Tadeusz Kondrusiewicz para seu ministério entre os cristãos perseguidos.

Nesta entrevista, o
arcebispo de Minsk-Mogilev falou sobre a história da sua vocação e os desafios
de trabalhar em um ambiente comunista.

Nascido em Odelsk, perto de
Grodno (Bielorrússia, a moderna Belarus) em 1946, foi ordenado sacerdote em
1981. Em 1989, foi consagrado bispo.

Dom Kondrusiewicz está a
cargo da arquidiocese de Minsk-Mogilev desde 2007.

O senhor cresceu em
Belarus, sub um regime ateu. Como foi viver como um católico em um sistema como
esse?

Dom Kondrusiewicz: Bem, foi
uma época difícil, especialmente para os católicos. Lembro-me que na escola,
nas vezes que o professor me pedia para me sentar na frente da sala, meus
colegas estavam sempre me incomodando, acusando-me de ir à Igreja, de ser fiel,
de orar e celebrar as festas religiosas. Não foi fácil.

Sabiam que o senhor era
cristão, que era católico?

Dom Kondrusiewicz: Sim,
sim. Em nossa aldeia, quase todos eram católicos. Eu era coroinha.

O padre era muito ativo,
jogava futebol conosco e nos ajudava na organização. Todos podiam ver que eu
estava sempre com o padre.

É por isso que o
discriminavam? Como isso acontecia?

Dom Kondrusiewicz: Bem,
quando eu era jovem, foi difícil ouvir essas acusações.

Ao mesmo tempo, isso me
preparou para o meu futuro papel como sacerdote durante a era soviética – um
tempo de perseguição. Foi muito duro. Você tem que acreditar e tem de servir a
Igreja, apesar das dificuldades.

E seus pais? Que
sacrifícios tiveram de fazer, como crentes?

Dom Kondrusiewicz: Ah,
muitas vezes foram convocados pela escola!

Normalmente os pais eram
chamados pela escola quando seu filho ou filha fazia algo errado, o que é
normal, mas meus pais eram chamados porque eu era um crente, porque tinha
comentado com alguém, com algum colega, sobre a Igreja, sobre o fato de ser
coroinha.

Eu era considerado como um
agente da Igreja e sempre convocavam os meus pais para advertir-lhes de que eu
não estava bem devido às minhas crenças. Meus pais foram à escola várias vezes
e, finalmente, decidiram não voltar, dizendo-me que não voltariam: “Se
você fizer algo errado, sim, você vai ser punido, mas por estas coisas nós não
vamos, pois somos católicos.”

Durante a época
soviética, seu pai sofreu, por exemplo, como resultado de sua própria fé?

Dom Kondrusiewicz: Não
tivemos um sacerdote na aldeia ou na nossa paróquia por um longo tempo, e todos
sofreram.

Meu pai era muito ativo.
Viajou muito à Lituânia, à Letônia, onde havia mais sacerdotes ou paróquias vizinhas,
à procura de um padre para celebrar a Missa durante as festas importantes. Foi
solicitado para encontrar um sacerdote para a nossa paróquia, porque ele sabia
aonde ir. Ele era muito prático. Era um homem simples que trabalhava na
agricultura e os funcionários não podiam castigá-lo. Ele já estava nos campos.

Havia uma igreja na sua
aldeia? Como se celebrava a Missa?

Dom Kondrusiewicz: Tínhamos
uma igreja. A igreja estava aberta, mas durante cinco ou seis anos, nós não
tivemos nenhum sacerdote. O antigo sacerdote, já idoso, morreu e não tivemos
uma substituição.

Graças à forte fé de meus
avós, dos meus pais e depois a minha, nossa fé sobreviveu e assim foi com os
outros também. O costume era que no domingo – apesar de não ter Missa – íamos à
igreja.

O que faziam lá?

Dom Kondrusiewicz: Nós
rezávamos o terço, as ladainhas e as estações da via-sacra… Eu cresci nesse
ambiente, acostumando-me com o fato de que no domingo deveria estar na Igreja.

Como era a vida de
oração em casa?

Dom Kondrusiewicz:
Rezávamos juntos todos os dias, pela manhã, com os nossos pais. Tornou-se um
hábito.

Depois, nossos pais e avós
nos ensinavam o catecismo. Era um formato muito simples, de pergunta e
resposta, e isso acontecia todas as tardes, todos os dias. Foi muito bom. Foi a
minha formação.

Hoje eu pergunto a pais e
filhos abertamente: “Vocês estão rezando juntos? Vão juntos à igreja?
Praticam e recebem os sacramentos e seus filhos são testemunhas disso?”. É
uma pergunta difícil de fazer.

Sua perseguição pela fé
não terminou no Ensino Fundamental. Também lhe custou um ano de faculdade. Foi
o departamento de física e matemática da universidade? O que aconteceu?

Dom Kondrusiewicz: Eu
comecei os cursos de matemática e física. Eu gosto muito dessas matérias.

Depois, escreveram alguns
papéis, alguns documentos sobre mim. “Como ele pretende ser um professor
da juventude?” Então eu já sabia que não terminaria meus cursos.

Encontraram muitas
desculpas, acusações para me culpar por alguma coisa, não sei. Eu gostava da
universidade, dos professores e do reitor, e não queria que tivessem uma
situação difícil. Peguei meus documentos e trabalhei durante um ano. Depois fui
a Leningrado – hoje São Petersburgo – e me matriculei na Universidade
Politécnica.

E conseguiu completar
seus estudos?

Dom Kondrusiewicz: Sim. A
situação em Leningrado era diferente. Depois, como bispo, também percebi isso.

Em Leningrado, há
tolerância religiosa. E havia tolerância inclusive na época soviética. Meu primeiro
passo ao me matricular no Instituto Politécnico poderia ter sido o último.
Levei todos os meus documentos comigo. Não os enviei pelo correio.

Quando eu cheguei à Escola
Politécnica, fui pegar meus documentos na jaqueta e os apresentei a uma senhora.
Ela olhou para mim e me pediu para estender a minha mão. Eu não entendi o
pedido. Eu fiz o que ela pediu e ela colocou uma coisa na minha mão, dizendo-me
para não mostrar para ninguém. Era a cruz do meu bolso. Eu não sei o que
aconteceu, mas de alguma forma eu a havia misturado com os meus documentos e
ela saiu junto com eles. Ela poderia ter me mandado embora de imediato.

O senhor teve uma
vocação relativamente tardia. Entrou no seminário aos 30 anos. Quando o senhor
sentiu sua vocação?

Dom Kondrusiewicz: Os
tempos eram difíceis e o número de sacerdotes na Bielorrússia foi diminuindo.
Conheci muitos padres e comecei a pensar e rezar.

Uma vez, voltei para casa,
a Grodno. Peguei o meu livro de orações e fui à igreja. Aliás, eu pensei que o
livro de orações era o meu, mas não era. Todos os livros pareciam iguais,
porque eles vinham da Polônia. Era o livro de orações da minha mãe.

Abri o livro e encontrei um
pequeno ícone e a oração de uma mãe pela vocação sacerdotal do seu filho. Minha
mãe nunca me falou sobre isso. Ela nunca mencionou uma palavra, mas eu
compreendi que ela estava rezando.

Meu pai me dizia, às vezes,
que eu não me casaria, que talvez me tornaria sacerdote, mas minha mãe nunca
disse nada. Então descobri que ela sempre orou pela minha vocação.

Também rezei e um dia, em
Vilna, na Capela de Nossa Senhora da Misericórdia, tomei a decisão. Mais tarde,
eu seria padre coadjutor da mesma capela.

Como o senhor viveu como
sacerdote naquela época (do comunismo)?

Dom Kondrusiewicz: Era
preciso ser muito cuidadoso com o que se dizia e até mesmo com o que se
pensava, mas por vários anos servi como sacerdote na Lituânia. Havia uma
situação diferente da de Belarus e da Rússia. Havia uma maior liberdade.

Tivemos também muitos
outros sacerdotes em cidades como Vilna, onde eu estava. Havia dez sacerdotes.
Não estava tão mal. Agora há menos padres.

Eram permitidos os serviços
litúrgicos na igreja, mas proporcionar cuidados pastorais nos hospitais era
difícil, não autorizavam as visitas. Nem os médicos costumavam autorizar isso.
Então nós chamávamos os pacientes para que saíssem ao exterior e os
confessávamos em nosso carro. Isso só era possível se o paciente conseguia
andar. Para aqueles que não conseguiam, nós íamos vê-los como visitantes.
Tínhamos tudo no bolso. Ouvíamos as confissões de todos. Não era conveniente,
mas tínhamos de servi-los.

Mais tarde, quando o
senhor esteve na Rússia como bispo, teve de abençoar a pedra fundamental de uma
igreja, embora a igreja houvesse desaparecido. O senhor poderia nos falar um pouco
sobre isso?

Dom Kondrusiewicz: É uma
história muito interessante e comovente. Aconteceu em uma cidade chamada Marx.
A igreja havia sido destruída e recebemos autorização para construir uma nova.

Eu fui porque ia abençoar a
pedra fundamental da nova igreja. Apresentaram-me um tijolo simples, pedindo-me
para abençoá-lo para que o usassem como a pedra fundamental. Eu aceitei o
pedido, mas fiquei surpreso, porque era um tijolo velho, vermelho, liso,
normal. Normalmente, todo mundo procura pedras de Roma e de Fátima, para
usá-las como pedras fundamentais.

Então me contaram a
história. Quando destruíram a igreja, as pessoas levaram os tijolos para casa.
Aquele tijolo vermelho concreto se tornou o símbolo da igreja destruída e,
durante anos, as pessoas acenderam velas e colocaram cruzes e flores ao seu
lado. O templo queria ter uma continuação, entre a antiga igreja e a nova
igreja em construção.

Outro incidente ocorreu em Grodno. O governo quis
fechar uma igreja. No entanto, quando os funcionários entraram na igreja,
encontraram as pessoas deitadas no chão da igreja, formando uma cruz.

Os funcionários não puderam
fechar a igreja. Durante 28 anos, não havia nenhum padre naquela igreja – eu
fui o primeiro sacerdote nomeado para aquela igreja, em 28 anos. Durante muito
tempo, as pessoas estiveram pedindo um sacerdote permanente para essa igreja,
mas os funcionários sempre rejeitavam a proposta. Ouvi frases como “É mais
provável que cresça grama na palma da minha mão do que vocês consigam uma
autorização para ter um padre na paróquia”.

Agora nós temos uma
catedral e um bispo. As pessoas sempre tiveram uma forte fé em Deus.

Outro incidente ocorreu em Belarus. Um padre
estava atendendo várias paróquias e era Quaresma. O padre não chegou. As
pessoas se perguntavam o que fazer. Uma mulher disse: “Nós confessaremos
os nossos pecados em nome de Jesus”.

Ela pegou uma cruz e
levou-a ao lugar onde normalmente se ouviam as confissões.

Todos fizeram uma confissão
à cruz e acreditaram que era aceitável, porque haviam esperado por horas e,
neste caso, a confissão era válida. Você pode encontrar muitas histórias
semelhantes, que mostram seu amor pela Igreja e a força da sua fé.

O comunismo caiu. O que
o senhor diria agora que foi, em retrospectiva, o maior dano que o comunismo
causou no coração das pessoas?

Dom Kondrusiewicz: Setenta
anos de comunismo, caracterizados pela perseguição, causaram muitos danos no
coração e na alma das pessoas.

Por um lado, agora somos
testemunhas do processo de secularização, que também chegou a nós. Os efeitos
são muito mais prejudiciais. Estamos buscando uma resposta para enfrentar este
processo de secularização. O que faremos?

Em outras épocas, havia a
proibição externa, imposta à Igreja e à fé cristã. Agora, porém, as pessoas
rejeitam a fé por conta própria. Isso é mais perigoso.

O senhor é o arcebispo
católico de Mogilev-Minsk. Quanto da população é católica?

Dom Kondrusiewicz: A
Bielorrússia (Belarus) tem cerca de 10 milhões de habitantes e 15% deles são
católicos, ou seja, cerca de um milhão e meio de pessoas. Temos 4 dioceses, 2
seminários, com 450 paróquias e 440 sacerdotes. Cerca de 270 são nativos ou
sacerdotes locais. Nós ainda precisamos de sacerdotes, religiosos e temos uma
grande necessidade de construir igrejas.

A cidade de Minsk, antes de
1917, não era tão grande como é agora. A cidade tem hoje dois milhões de
habitantes. Em 1917, era uma cidade pequena e havia 17 igrejas católicas; agora
temos apenas 4 igrejas católicas e duas capelas, para 300 mil católicos. Antes
era muito difícil conseguir a autorização para construir novas igrejas e para
garantir um terreno. Agora, porém, a situação mudou.

Neste momento, tenho seis
terrenos para construir novas igrejas e um outro para construir uma cúria. No
ano passado, recebi permissão para outras quatro e construir mais não seria um
problema. O problema é o financiamento.

Havia uma igreja, que
antes era uma sala de cinema. Quantas Missas são celebradas lá?

Dom Kondrusiewicz: Ela se
chamava Igreja de São Simão e Santa Helena, mas todo mundo a chama de
“Igreja Vermelha”. Celebramos 15 Missas aos domingos e, às vezes, há
três Missas ao mesmo tempo.

De qualquer forma,
precisamos dessas pequenas igrejas. Agora eu recebi uma autorização para
construir igrejas – e não grandes igrejas, que custam milhões, mas pequenas,
que custam cerca de 300 a
400 mil euros em cada bairro ou região da cidade.

O que a Igreja de
Belarus pode oferecer à Igreja universal?

Dom Kondrusiewicz: Nossa
experiência de perseguição nos permitiu preservar a fé para transmiti-la às
gerações mais jovens.

As pessoas hoje aderem aos
ideais do secularismo, do relativismo moral ou dessa filosofia do
pós-modernismo, que não reconhece a verdade absoluta – tudo é relativo.

Quando o Santo Padre pediu
que recebêssemos a Eucaristia de joelhos, não tivemos nenhum problema com essa
norma, pois sempre a recebíamos de joelhos.

Assim é o poder da fé?

Dom Kondrusiewicz: Sim, o
poder da fé.

Também não rejeitaram as
tradições da Igreja Católica, como as antigas tradições de oração, o terço, a
via sacra, as ladainhas, as procissões eucarísticas.

No ano passado, para a
celebração de Corpus Christi, cerca de 10 mil pessoas participaram da
procissão nas principais ruas de Minsk. A cerimônia toda durou três horas e
meia, do início ao fim. Isso não acontece em outros países.

Este é um reflexo do amor
que as pessoas de Belarus têm a Deus; e muitos ainda se lembram dos velhos
tempos, quando havia apenas um sacerdote em Minsk.

*

Esta entrevista foi
realizada por Mark Riedemann para “Deus chora na terra”, um programa
semanal rádio-televisivo produzido pela “Catholic Radio and Television
Network”, em colaboração com a organização católica “Ajuda à Igreja
que Sofre”.

Para mais informações:
www.WhereGodWeeps.org

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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