Um lugar perigoso

Dom Fernando Arêas Rifan*

            Na sociedade, há um lugar privilegiado, especialmente seguro, refúgio para todos os seus membros: a família, “santuário da vida”, “igreja doméstica”. Na família, há uma pessoa especial, a mãe, geradora da vida, objeto especial do nosso amor, pois é aquela da qual nascemos. E na mãe, há um lugar “sagrado”, o útero materno, sacrário onde a vida é gerada. Assim, no santuário da vida, a família, está esse sacrário da vida, o útero materno, lugar como que sagrado, protegido e seguro. O próprio Deus, quando enviou o seu Filho ao mundo para habitar entre nós, o aconchegou em um útero materno, o da Santíssima Virgem Maria, no qual o Verbo se fez carne e começou a ser um de nós. Por isso dizemos a Maria Santíssima: “bendito é o fruto do vosso ventre”, repetindo a saudação de Isabel (Lc 1, 42).
            Chamava o Papa São Pio X de monstruosa e detestável iniquidade, própria do tempo em que vivemos, a pretensão do homem se colocar no lugar de Deus. Foi a tentação dos nossos primeiros pais. E vejamos os absurdos consequentes dessa pretensão. Probo ex absurdo!
            No caso do aborto provocado, quando uma vida humana em gestação é assassinada, sob qualquer pretexto, é no útero materno que tal crime acontece, portanto no lugar mais sagrado do mundo, e, deveria ser, no lugar mais protegido por todas as leis do mundo.
            Se uma criança já está fora do útero materno, após seu nascimento, não importando o tempo de sua gestação, até bem antes dos nove meses normais, ela é protegida por lei, em qualquer país civilizado, e seu assassinato é por todos considerado um crime hediondo. Todos condenam o infanticídio, seja por que pretexto for. Eu já tive que realizar batismo de urgência em berçários de hospitais e pude ver os cuidados e proteção com que cercam os bebês recém-nascidos, com toda assepsia exigida, para que não sejam contaminados e corram risco de vida.
            Mas se a criança ainda está no útero materno, a proteção não é tão segura e ela não é tão protegida pela lei, dos homens, é claro, variável segundo a determinação dos homens que fazem as leis ou as interpretam. Eles assim, colocando-se no lugar de Deus, pretendem determinar até quando e onde a vida deve ser protegida ou não, até quando vale a pena ser vivida ou não.
            Se uma criança, produto de um estupro, nasceu, mata-la é infanticídio. Mas no útero materno, em certos países, pode. Se um bebê “anencéfalo” nasceu, está nos braços da mãe ou no berçário, ainda que dure poucas horas, dias, ou mais como já aconteceu, mata-lo seria crime hediondo. Mas, se ainda está no útero materno, pode ser morto, sem problemas. Daí se chega ao absurdo, em países onde o aborto é permitido até aos nove meses, de, a criança estando para nascer, mas não é desejada, o médico perfurar o seu crâneo e mata-la antes de retira-la, pois assim ele é protegido pela lei, caso contrário, alguns minutos depois, ele seria um criminoso.
            Assim, o útero materno, ao invés de ser um lugar seguro, tornou-se, por vontade dos homens, um lugar perigoso e arriscado. Fora dele se estaria seguro. Nele, corre-se o risco de ser assassinado sem maiores problemas. É a lógica dos homens, que pensam ser Deus.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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