Tratado sobre as boas e más intenções

Existem dois provérbios muito famosos que se difundiram por diferentes culturas, mas cujo significado é sempre o mesmo. Em alguns países se diz: “A Estrada do Inferno é pavimentada por boas intenções” e em outros, simplesmente: “De boas intenções o Inferno está cheio”. Naturalmente que existem aqueles que afirmam : “Quem somos nós para julgar as intenções do coração!!”. E não deixam de ter razão! O problema é que tal expressão geralmente é muito usada para justificar o erro, quando não para explicitamente apoiá-lo. De fato, só Deus pode fazer um julgamento sobre nossos atos e intenções subjetivos. Portanto o mais apropriado seria dizermos: “Não sei com que intenção tal pessoa fez ou disse isso”, pois ao dizermos que ela agiu bem intencionada estamos também emitindo um julgamento que muito bem pode ser um julgamento errôneo ou injusto.

Mas voltando ao provérbio em questão, só para termos uma ideia de como ele é verdadeiro, tomaremos por objeto de análise os 10 Mandamentos da Lei de Deus e veremos como em nome “das boas intenções” esses Mandamentos tem sido continuamente transgredidos e escarnecidos.

No primeiro Mandamento da Lei, Deus ordena categoricamente que devemos amá-lo sobre todas as coisas e que não devemos ter outros deuses em sua presença. Ora, mas se lá na Epístola de São João está escrito que Deus é Amor e São Paulo em uma das suas cartas, diz-nos que o amor não é egoísta, então rapidamente nossa mente e coração, que pelo pecado se tornaram facilmente inclinados para o mal, começam logo a construir uma outra imagem de Deus bem diferente do Deus do Decálogo. Imaginamos então que não é bem assim: ” Deus não pode ser tão rigoroso, claro que o homem é livre para ter o deus que quiser e Deus respeita essas escolhas porque o homem tem uma capacidade de amar muito ampla e manifesta o seu amor de diversas maneiras. Aí já começamos a dizer que os ídolos dos pagãos são apenas uma outra manifestação cultural, mas que no fundo representam o mesmo Deus que adoramos. Daí começamos a dizer que todas as religiões tem o mesmo valor (…) e assim começamos a pavimentar a estrada do inferno.

No segundo Mandamento, Deus ordena-nos que respeitemos com suma reverência o Seu Santíssimo Nome, bem como a dignidade do seu Ser e sua ação no mundo. E hoje ao vermos o nome de Deus ser vilipendiado em peças teatrais sacrílegas, em filmes e novelas blasfemas, quantos de nós não apenas nos permitimos assistir tais obras como também elogiá-las? Se alguém protesta, há quem diga que este não passa de um radical que quer violar a liberdade de expressão. Há sempre quem diz que a intenção do autor foi a melhor possível, tentam justificar tais iniciativas alegando motivos de arte, cultura, história. E os próprios autores dessas obras sacrílegas ainda têm o cinismo de vir a público declarar que não tinham a menor intenção de ofender a fé ou religião de ninguém (…) e assim se vai pavimentando a estrada do inferno.

No terceiro Mandamento, Deus nos ordena a guardar os Domingos e Festas Santas, dedicando esses dias ao seu culto e louvor. A Igreja em sua sabedoria milenar e divina ordena que a melhor forma de cumprir esse preceito é participando do santo sacrifício da missa aos domingos e dias santos. Mas nem precisamos fazer aqui uma lista das desculpas mais comuns usadas por aqueles que abusando de sua liberdade de cristãos, sempre arranjam um modo de burlar esse Mandamento. A verdade é que o Domingo para a maioria dos cristãos se transformou em Dia da Praia, Dia da Pelada, Dia do Cinema, Dia do Namoro, Dia do Clube (…), enfim dia de tudo e de todos, menos o Dia do Senhor (…) a intenção? Apenas se divertir, afinal ninguém é de ferro! E assim mais um trecho da estrada do inferno vai sendo pavimentado!

O quarto Mandamento prescreve a obediência e o respeito por nosso pais. Entre tantos exemplos de como esse preceito vem sendo transgredido em “nome das boas intenções”, citaremos apenas o exemplo dos filhos que durante a velhice de seus pais, os isolam em casas de repouso, asilos ou outras “facilidades”, alegando que ali eles terão “maior liberdade”, “mais privacidade” e pessoas especializadas para dedicar-lhes cuidados apropriados. Na sociedade materialista e consumista em que vivemos, a maioria das pessoas concorda que tal atitude é sempre movida pelas “boas intenções” e não pelo egoísmo e pelo comodismo. Para agravar ainda mais essa situação, agora há também aqueles que advogam em favor do direito à morte com dignidade pela “eutanásia”. Isso pra não falar nos famosos “Mercy Killers”, ou seja; aqueles que matam os próprios pais doentes, “por amor”, “pra não vê-los sofrer de uma doença degenerativa” (…) e é assim que mais uma avenida é pavimentada para o inferno.

O quinto Mandamento é muito claro ao ordenar “Não matar”. Mas o que dizermos então das desculpas mais estapafúrdias que se usam para justificar a morte de um bebê ainda no útero materno pelo aborto? Imagine que existem até grupos que se autodenominam “Católicos”, advogando o direito que cada mulher tem de decidir se cumpre ou não esse Mandamento!! Pasmem!!! Na Conferência do Cairo sobre População uma das maiores discussões foi exatamente no sentido de fazer constar na Carta dos Direitos Humanos, o “Direito ao Aborto” como sendo um dos direitos humanos!!! Deus não faz concessões ao prescrever o quinto Mandamento, mas os homens “bem-intencionados” encontraram incontáveis justificativas para abrrogar a Sua Lei. Mata-se por misericórdia, mata-se pra evitar o sofrimento, mata-se até por amor!!! Imagine se no inferno haverá lugar para os assassinos que mataram por motivos passionais!!! Para os advogados das “boas-intenções”, esses com certeza devem estar gozando da luz do paraíso, afinal mataram por amor e não por ódio!!

O sexto Mandamento nos ordena não pecar contra a castidade, mas de uns tempos pra cá sexo virou sinônimo de amor. E aqui não estamos falando do ato sexual lícito dos esposos, mas sim de toda a sorte de depravação sexual. Tudo é justificado em “nome do amor”: homossexualismo, fornicação, pedofilia (…) e muitas outras aberrações. Com todas essas “boas intenções”, o inferno vai se povoando a uma velocidade incrível, pois segundo o que Nossa Senhora revelou aos pastorzinhos de Fátima ao mostrar-lhes o Inferno, um dos pecados que mais tem levado pessoas para o fogo eterno, é justamente o pecado contra a Castidade.

No sétimo Mandamento, Deus nos proíbe prejudicar o próximo nos seus haveres e assim prescreve o Mandamento: “não roubar”. Por incrível que pareça, esse é um dos mandamentos que mais encontra justificativas para a transgressão com base nas “boas intenções”. Rouba-se porque está com fome, rouba-se porque o vizinho possui mais bens do que o outro, o que sem dúvida é uma injustiça!! Rouba-se por causa do desemprego (…) enfim, motivos é o que não falta. Se fôssemos fazer um levantamento em todas as penitenciária dos mundo, veríamos que todos os ladrões possuem excelentes justificativas para seus delitos e facilmente chegaríamos à conclusão que todos agiram com as melhores intenções, pois não tinham como objetivo prejudicar o próximo, mas sim saciar uma necessidade pessoal e urgente.

No oitavo Mandamento, Deus nos proíbe diretamente dar testemunho falso contra alguém e por extensão proíbe-nos qualquer lesão à fama do próximo por detração ou calúnia. Quantas vezes ouvimos pessoas dizerem que não agiram por mal depois de terem praticamente destruído a reputação do próximo. Os meios de comunicação são mestres nessa arte! Os jornalistas alegam que estão apenas cumprindo seu “dever profissional”, que não havia a intenção pessoal de prejudicar esse ou aquele indivíduo, mas apenas de se conseguir “um furo de reportagem”, ser bem sucedido profissionalmente (…) Mas será que tem que ser sempre às custas da reputação alheia? Pois é exatamente assim que se pavimenta um longo trecho da estrada para o inferno (…) com esse tipo de boa intenção!!

No nono Mandamento, Deus proíbe explicitamente o adultério e Jesus é mais rigoroso ainda quando diz que se um homem abandona sua mulher e se casa com uma outra, comete adultério e se a mulher que foi abandonada pelo adúltero se casar com outro, igualmente se torna adúltera. Infelizmente parece que esse mandamento foi apagado das mentes cristãs depois que a maioria dos países legalizou o divórcio. Hoje o motivo mais comum para o adultério é justamente “o amor”. Um homem abandona sua esposa e vice-versa, não porque tinha a “intenção” deliberada de prejudicar sua família, mas simplesmente porque se “apaixonou” por uma outra pessoa!!! Como podemos ver, rompe-se com o compromisso matrimonial, desestrutura-se a unidade familiar e a sociedade, abandona-se os filhos e causa-se imensos sofrimentos ao cônjuge com a melhor das boas intenções (…) tudo por amor!!!

Finalmente chegamos ao décimo Mandamento, onde Deus expressamente nos proíbe cobiçar as coisas alheias, incluindo a explícita ou implícita intenção de adquiri-los por meios ilícitos. Novamente aqui encontramos as mesmas justificativas usadas para o roubo… tudo com a melhor das intenções!! Como dizer que o ladrão, um indivíduo que sequer nos conhece pessoalmente, pode nutrir algum ódio no coração contra nós? Como dizer que ele nos roubou de propósito, apenas por sentimentos de vingança? E quando se trata de latrocínio, como dizer que ele tinha a intenção premeditada de matar a vítima se sequer a conhecia? Certamente se fôssemos usar o critério das “boas intenções” em todos os julgamentos, não existiriam presídios na face da terra e nem tampouco o Inferno existiria, como ousam supor os infernovacantistas! Infelizmente, ainda que esses tenham apenas a “boa intenção” de exaltar a Misericórdia Divina, a Justiça Divina também é infalível e possui o mesmo peso da Sua Misericórdia. Eis porque o inferno existe e de boas intenções, certamente está superlotado.

Por: Una Vox

Fonte: Lista “Reflexões”

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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