Teologia dos Movimentos Católicos

Comunhão e Libertação

CNBB 04.1997

1. Histórico
O nascimento do movimento, em Milão no ano de 1954, coincide com o surgimento da presença cristã nas escolas secundárias, denominado ‘Juventude Estudantil’, em parte ligado à Ação Católica. Seu grande inspirador e ainda hoje seu coordenador é o Pe. Luigi Giussani, então professor do Liceu Berchet, que desejava ajudar os jovens a manifestar-se decisivamente cristãos em seu ambiente e unir-se entre si para crescer na fé e praticar a caridade.
Cultura, fé e caridade foram as diretrizes maiores da Juventude Estudantil por 10 anos. Pelo ano de 1964, o Movimento passa por uma crise, acontecendo êxodo da instituição, que culmina em 1969, quando é reformulado com o nome de ‘Comunhão e Libertação’.

2. Linhas Doutrinais
Essência do anúncio cristão
O Movimento sublinha ser essencialmente o cristianismo não uma teoria, filosofia ou projeto de vida, nem uma praxe, no sentido de normas e ritos, aos quais o homem se conforma mediante um esforço moral. O cristianismo é essencialmente acontecimento, o acontecimento de Deus que irrompe na história na pessoa de Jesus Cristo para salvar o homem e a realidade. Este acontecimento e, conseqüentemente, a pessoa de Jesus Cristo, é a única possibilidade de verdadeira vida e de libertação adequada do homem. Sem Cristo, o homem é incapaz de superar a contradição entre a necessidade profunda de libertação, isto é, de relação nova, harmônica consigo mesmo, com os outros homens e as coisas, e as insuficiências e limites de suas realizações concretas. O homem tem necessidade de alguém ‘diferente’, capaz de mudá-lo no ser. Este alguém é Cristo na sua morte e ressurreição. Ele toma posse definitiva de toda a realidade e a transforma. Portanto, só a comunhão com Cristo é princípio de verdadeira liberdade e harmonia com toda a realidade.
Tarefa do homem é a fé. Com ela, abre´se, acolhe e dá crédito ao acontecimento misericordioso de Deus, que vem ao seu encontro em Jesus Cristo. Por meio do ato de fé, o acontecimento de Deus encontra, objetivamente, a liberdade do homem e o transforma num ser novo. Mas tal atitude é impossível sem conversão e contrição profundas. Admitir lucidamente que a salvação e a libertação vem do Outro e que a essência da própria vida consiste nessa relação de dependência estrutural do Outro, é fruto de um evento e dom gratuitos, que exigem esvaziamento radical de si e afastamento de toda presunção.
O homem não é o protagonista da sua vida. Sua vida não é constituída e construída por planos e empreendimentos da sua humanidade, inexoravelmente manchados pela ambigüidade, mas a base de sua identidade está em ser amado, tenaz e fielmente, por Deus em Cristo.

A realidade Igreja
Se Jesus Cristo é a única resposta autêntica e exaustiva, o homem só pode encontrar resposta na Igreja. A Igreja é o âmbito no qual, por vontade positiva do Senhor, o evento salvífico e libertador reacontece continuamente ao longo da história. O homem encontra Cristo dentro do sinal´Igreja. Por isso é necessário que a realidade Igreja se ramifique e multiplique sua presença. As comunidades da ‘Comunhão e Libertação’ têm este objetivo exclusivo: tornar´se ambientes nos quais a Igreja vive. Em particular, o Movimento orientou sua atenção na importância das comunidades cristãs ambientais, onde o indivíduo está inserido. A escola e o trabalho são 2 ambientes, onde a CL intensificou sua atividade.
Como Cristo é a resposta definitiva à necessidade de libertação do homem e o encontro com Ele acontece normalmente na Igreja, o aporte específico dos cristãos será o de reconstruir e dilatar as genuínas realidades eclesiais. Esta missão não é concebida como um dever a mais, mas como uma exigência vital, para oferecer aos outros a oportunidade de participar do evento da Comunhão libertadora, da qual se fez experiência. A tensão à missão está em proporção exata com a verdade da ‘comunhão’ com Cristo e sua Igreja.
A Igreja tem o direito e o dever de contestar ao mundo a presunção de querer construir com as próprias mãos, através de análises e mudanças estruturais, uma resposta global e exaustiva às interrogações profundas do homem.
A CL evidencia duas condições para uma autêntica presença da Igreja. A primeira é a unidade dos cristãos, que deriva do reconhecimento de uma identidade comum: o estar em comunhão com Cristo. Esta unidade tem no batismo sua raiz, alimenta-se e exprime-se na participação comum aos sacramentos, e tende a gerar uma estrutura comunitária global. A unidade é condição essencial para que a Igreja seja Igreja, isto é, sacramento de comunhão com Cristo. A segunda condição é a ligação com a autoridade, isto é, com o bispo. A esta referência tudo deve ser, interior e geneticamente subordinado, e eventualmente sacrificado. Por meio da autoridade brota a energia do mistério.

O processo educativo
A CL repele uma educação ‘neutra’, fundada na pressuposição de que o Estado tenha condições de produzir autonomamente a verdade. Tal tese mascara a tentativa ideológica de eliminar a identidade cultural para consentir ao Estado o monopólio da cultura e de sua transmissão, que cria no educando a indiferença, o ceticismo, o ‘qualunquismo’, pressupostos ideais para o desenvolvimento de personalidades fanáticas ou carolas. CL considera que a educação introduz o jovem na experiência da realidade total, como desenvolvimento de todas as estruturas de um indivíduo até sua realização integral, e ao mesmo tempo afirmação de todas as possibilidade de conexão ativa dessas estruturas com toda a realidade.
A educação deve implicar em tudo o que contribui para evocar e ouvir o desejo de Deus (=sentido religioso), que existe em cada homem. Para alcançar esta meta é indispensável oferecer ao jovem uma hipótese explicativa unitária, que o liberte da desassociação desgastante, na qual inevitavelmente virá a encontrar´se diante da disparidade e da contrariedade de propostas e soluções da sociedade, e em particular da escola.
‘Só uma época de discípulos, pode dar uma época de gênios, porque somente quem é antes capaz de escutar e compreender, alimenta em si uma maturidade pessoal que o torna capaz de julgar e de afrontar até ‘eventualmente’ abandonar o que alimentou’. Se isto é verdadeiro para a vida em geral, em particular é verdadeiro para a vida cristã, um evento iniciado há 2000 anos e conservado vivo pela transmissão ininterrupta da Igreja, ideado por Cristo para esta finalidade. Por isso, o jovem é convidado a confrontar-se com esse patrimônio tradicional de forma atenta e leal. Não num confronto dialético e discursivo, mas no plano da experiência.
Na referência responsável e cordial a essa autoridade reside a garantia de estar objetivamente enxertados na vida da Igreja. Mas também, em cada comunidade, é indispensável que existam pólos de referência autorizados. Na CL essas autoridades têm um caráter histórico baseado em duplo título: enquanto são fruto do reconhecimento concorde da comunidade, tendo como critério a qualidade e relevância de seus testemunho de fé e de vida, e enquanto à duração de seu mandato é ligada à permanência da vitalidade do testemunho. A autoridade, para não se tornar despótica e opressora, deve procurar compreender, respeitar e valorizar os carismas de cada um, isto é, o projeto que o Senhor tem sobre ele.
A pessoa usa mal da sua liberdade, seja quando aceita tudo passivamente, seja quando defronte a uma proposta que, para ser avaliada, deve ser acolhida integralmente, faz um trabalho de pré´seleção, fruto do capricho e da correção.

Avaliação
Aspectos positivos
A CL tem apresentado o anúncio cristão aos jovens na sua essencialidade, em seus elementos fundamentais, aberto e flexível em relação às possíveis traduções. Privilegia também o indicativo dogmático sobre o imperativo moral. Outro aspecto: o anuncio cristão deve ser verificado experiencialmente, como proposta cristã a responder à necessidade profunda de felicidade e de vida.
O anúncio cristão é possível dentro da Igreja, sacramento do encontro com Deus. Outros caminhos? A CL não os nega. Apresenta o normal.
O evento libertador de Deus, em Cristo, já é uma realidade, ainda que não completa.

Aspectos negativos
Na impostação doutrinal da CL parece haver pouco espaço ao Espírito Santo, uma certa impermeabilidade ideológica e o uso reduzido da Sagrada Escritura.
O movimento é também acusado de integrismo, apresentando os modelos interpretativos e operativos do empenho histórico, sem levar devidamente em conta a consistência específica e irredutível do fato humano.
Também há os que observam que a praxe pastoral se move não em referência decisiva ao bispo e ao plano de pastoral, mas às indicações, textos e planos dos lideres do movimento, parecendo que a única proposta formativa é a do Movimento.
Escrevia Urs von Balthasar, amigo do Pe. Giussani: ‘Existe também, depois da humilhação do triunfalismo hierárquico, um triunfalismo mais sutil da ideologia da comunidade ou do grupo A humildade dos pequenos grupos é hoje o mais necessário à Igreja, mas também o mais ameaçado: duma parte por causa da tentação do mundanismo, doutra por causa da tentação de uma autonomia fechada’.
Quer-se substancialmente opor à crise de identidade do projeto leigo uma identidade forte (talvez integrista) do associativismo católico. A identidade católica seria produtora da sociedade civil, sem mediação de um projeto.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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