Sobre o Espírito Santo

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Santo Atanásio (295 – 373) – Carta a Serapião, defendendo a divindade do Espírito Santo, contra o macedonismo, que negava esta verdade:

“A carta de tua Caridade me foi entregue no deserto. E embora fosse cruel a perseguição deflagrada contra nós, pelos que nos querem desgraçar, consolou-nos com tua carta ‘o Pai das misericórdias e Deus de toda Consolação’ (2Cor 1,3). Trazendo-me à lembrança tua Caridade e meus sinceros amigos, parecia-me que estáveis todos juntos a mim. Alegrei-me, sim, vivamente com a recepção de tua carta. Mas ao ler o conteúdo senti-me de novo esmorecer pela notícia dos que deliberam dedicar-se a lutar contra a verdade.

Com efeito, prezado amigo, tu me escrevias afligido também por esses que, apesar de separados dos arianos quanto à blasfêmia contra o Filho de Deus, fomentam pensamentos hostis contra o Espírito Santo, pretendendo-o não apenas criatura mas até um dos espíritos servis, distinto dos anjos tão-somente por grau. Ora, isto é simples oposição simulada aos arianos, e na verdade contradiz à santa fé. Da mesma forma que os arianos, negando o Filho, negam o Pai, esses também, desacreditando o Espírito Santo, desacreditam o Filho. São duas facções que se repartem a insurreição contra a verdade para desembocarem na mesma blasfêmia contra a Trindade, atacando uns o Filho, outros o Espírito.

Considerando isto e refletindo muito, senti-me deprimido, pois de novo conseguiu o diabo zombar dos que contrariam sua loucura. Tinha decidido calar-me em tais circunstâncias; entretanto, coagido por tua Reverência e por causa do desprezo, da audácia satânica dessa gente, redigi a presente carta, do modo que pude, esperando que a completes no que talvez falte, com tua sabedoria, e se realize assim a refutação da ímpia heresia.

Quanto aos arianos, inicialmente, tem-se que essa opinião não é estranha a eles. Pois uma vez que negaram o Verbo de Deus, é natural que vociferem também contra seu Espírito. Por isto não será preciso dirigir-lhes refutações em acréscimo às feitas precedentemente.

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Quanto aos que erram sobre o Espírito, convirá proceder de certo “modo” – como diriam eles mesmos – no propósito de responder-lhes. Poderíamos espantar-nos de seu disparate: não querem que o Filho de Deus seja uma criatura – e nisto pensam corretamente – mas então como suportam ouvir que o Espírito do Filho é uma criatura? Se, em razão da unidade do Verbo com o Pai, não querem que o Filho seja uma das coisas chegadas à existência, mas pensam, com razão, ser ele o artífice das obras (divinas), por que então ao Espírito Santo, que possui com o Filho a mesma unidade que este com o Pai, chamam criaturas? Por que não reconheceram que, se não separando do Pai o Filho, salvaguardam a unidade de Deus, separando do Verbo o Espírito já não salvaguardam mais a única divindade da Trindade, mas a dividem, inserindo-lhe uma natureza estranha, de outra espécie, e acarretando assim igualdade com as coisas criadas? Além disto, tal concepção não apresenta a Trindade como uma realidade única, mas como constituída de duas diversas naturezas, se difere, conforme pensam a substância do Espírito. Que ideia de Deus há de ser esta, formada de Criador e criatura? Ou bem já não há Tríade, mas Díade com uma criatura, ou se há Tríade, como de fato há, por que põem entre as criaturas, que vêm abaixo da Tríade, o Espírito da Tríade? Tal seria, mas uma vez, dividir a Trindade.

Funesta a respeito do Espírito Santo, sua doutrina também não é boa a respeito do Filho, pois se aqui fosse correta, sê-lo-ia igualmente a respeito do Espírito, que procede do Pai e que, sendo próprio do Filho, vem dado por este a seus discípulos e a todos os que creem nele. Dessa forma desgarrados, não poderão enfim ter uma fé sadia a respeito do Pai, porque os que resistem ao Espírito – como dizia o grande mártir Estevão – negam o Filho, e negando o Filho já não têm o Pai.

Por que todo esse desvario? Em que lugar das Escrituras acharam a designação de anjo dada ao Espírito? Não é preciso que repita agora o que já disse alhures. Ele foi chamado Consolador, Espírito de filiação, Espírito de Deus, Espírito de Cristo. Em parte alguma, anjo, arcanjo, espírito ministrante – como o são os anjos; ao contrário, é ele ministrado por Gabriel, que disse a Maria: “o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35). Se as Escrituras não chamam o Espírito um anjo, que excusa invocam aqueles tais para dizerem tal temeridade? Mesmo Valentim, que lhes inspirou a nefasta ideia, dava distintamente a um o nome de Paráclito e a outros o de anjos, ainda se atribuindo a todos a mesma “idade”.

O sentido das palavras divinas refuta absolutamente a linguagem herética dos que desatinam contra o Espírito. Eles porém, sempre hostilizaram a verdade, tiram – conforme dizes – não mais das Escrituras, onde nada achariam, mas de seu próprio coração, o que dizendo: se o Espírito não é criatura, nem um dentre os anjos, mas procede do Pai, é então filho, e neste caso ele e o Verbo são irmãos. Mas se é irmão, como o Verbo é unigênito? E como não são iguais, pois um é designado após o Pai e outro após o Filho? Se o Espírito provém do Pai, como não é também engendrado, e Filho, mas simplesmente “Espírito Santo”? Enfim, se é o Espírito do Filho, ter-se-á que o Pai é avô do Espírito…

São os gracejos que se permitem os infames, presunçosos no perscrutar as profundezas de Deus, a quem ninguém conhece senão o Espírito de Deus, vilipendiado por eles. Seria preciso não responder a eles, mas sim, conforme o preceito do Apóstolo (Tt 3,10), depois de os ter admoestado com palavras, como as que já escrevemos, recusá-los simplesmente como hereges; ou dirigir-lhes perguntas dignas das que nos põem, exigindo da mesma forma as respostas…

Deus não é como o homem para ousarmos pesquisar coisas humanas a seu respeito.

Aquele que não é santificado por outro, nem apenas participante da santificação, mas de cuja santidade participam as criaturas e se tornam santificadas, como seria um dentre as criaturas, da mesma forma que os que ele participam? Para firmá-lo seria preciso dizer que também o Filho, por meio de quem todas as coisas foram feitas, é uma dessas coisas feitas.

O Espírito é chamado vivificante, pois a Escritura diz: “Aquele que ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos, vivificará também vossos corpos mortais por meio de seu Espírito, que habita em vós” (Rm 8,11). O Senhor é a vida em si e “o autor da vida”, conforme Pedro (At 3,15); ora, o mesmo Senhor dizia: “a água que eu darei ao fiel se tornará nele uma fonte de água, que jorra para a vida eterna”, e “ele dizia isto do Espírito, que deveriam receber os que creem nele” (Jo 7,39). As criatura são vivificadas pelo Espírito; como então se aparentam a Ele, que não tem a vida por participação, mas é fonte de participação e vivifica as criaturas? Como poderia ser do número das criaturas, vivificadas nele pelo Verbo?

É também por meio do Espírito que nós participamos de Deus. Por isto diz s. Paulo: “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá; pois o templo de Deus, que sois, é santo” (1Cor 3,16s). Se o Espírito fosse criatura, nós não teríamos, por meio dele, participação de Deus, estaríamos sempre associados à criatura, sempre estranhos à natureza divina, não participando dela em nada. Mas, se somos ditos participantes do Cristo e participantes de Deus, tem-se que a unção, o sigilo, que está em nós, não é de natureza criada, é da natureza do Filho, o qual, por meio do Espírito que nele está, nos une ao Pai. Foi o que João ensinou, já o dissemos, ao escrever: “Sabemos que permanecemos em Deus e ele permanece em nós, pois nos deu de seu Espírito” (1Jo 4,13). Ora se pela participação do Espírito nós nos tornamos participantes da natureza divina insensato será dizer que o Espírito pertence à natureza criada e não à de Deus” (P.G. 26,529-532, 557, 565s 583, 585; S.C. 15).

São Basílio Magno (330-369):

“Sobre o Espírito Santo, examinemos quais são as nossas noções comuns, tanto as que sobre ele nos são colhidas da Escritura, como as que recebemos da tradição não escrita dos Padres.

Antes de tudo perguntamos: – Quem, ao ouvir os nomes do Espírito Santo, não sente elevar-se a alma e erguer-se o pensamento até à natureza suprema? Pois é dito o Espírito de Deus, Espírito da verdade, que procede do Pai, Espírito reto, Espírito régio.

Santo Espírito é sua apelação própria e peculiar, a qual indica o que há de mais incorpóreo e puro de toda composição e matéria. Eis por que o Senhor, ensinando a mulher que pensava adorar a Deus em determinado local, como se o Incorpóreo fosse redutível ao lugar, dizia-lhe: “Deus é Espírito” (Jo 4,24). Não aconteça pois que, ao ouvir falar do Espírito, imagine alguém uma natureza circunscrita, sujeita a mudanças e alterações, semelhante às criatura. Não. Subindo em pensamento para o mais alto, há de pensar na essência inteligente e de infinito poder de grandeza sem limites, insusceptível de medida por tempos e séculos, pródiga de seus próprios bens. É para ele que se volta tudo que tem carência de santidade. É para ele que tendem todos os seres que vivem segundo a virtude e dele recebem o hálito de vida, o auxílio necessário ao fim que a sua natureza lhes traçou. Ele aperfeiçoa todas as coisas, sem de nada precisar. Vivendo sem desgaste, é vivificante. Não cresce ou evolui, pois é por si imediatamente pleno e completo, estável em si mesmo, e em toda a parte presente.

Origem da santificação, luz que só a inteligência pode perceber e dá a toda potência racional como que o lume necessário à investigação da verdade. Inacessível por natureza, mas atingível por graça. Enchendo tudo por sua virtude, mas só participável pelos santos, aos quais não se dá por uma só medida, mas distribui a força conforme a proporção da fé. Simples na essência, múltiplo nas potências. Está todo em cada um e todo em toda parte. Distribuído sem nada sofrer, é participado sem perder a integridade. Como um raio de sol, cujo benefício desce ao que do mesmo usufrui como se fora esse o único, e ainda ilumina a terra e o mar e se mistura ao ar, assim também desce o Espírito a cada um dos que são capazes de recebê-lo, como a um único, mas infunde a todos a graça suficiente e integral. E é segundo a medida de cada coisa, e não segundo a medida de seu poder, que dele fruem todos os seres que dele participam.

A união do Espírito com a alma não é aproximação local (como te poderias avizinhar corporalmente do Incorpóreo?), mas o afastamento das paixões que se comunicaram à alma por sua amizade com a carne, e a afastaram de Deus. Aproximar-se do Paráclito é purificar-se da deformidade contraída pela maldade, à beleza nativa, como que devolvendo à imagem régia, depois de purificá-la, sua forma antiga. E ele, como o sol, achando o olhar purificado, mostrar-se-á em si mesmo a imagem do Invisível. Então, na bem-aventurada visão dessa imagem, verás a inefável beleza do Arquétipo.

Por ele se dá a ascensão dos corações, por ele os fracos são conduzidos, por ele se consuma a perfeição dos fortes. Iluminando os que estão puros de toda mancha, torna-os espirituais pela comunhão que têm consigo. E assim como os corpos transparentes, quando recebem um raio de luz, se tornam também luminosos, passando a emitir novo esplendor, assim as almas portadoras do Espírito, rebrilhando do Espírito, tornando-se por sua vez espirituais, podem lançar a outras os seus próprios raios. Daí, a presciência do futuro, o entendimento dos mistérios, a visão do oculto, a variedade dos carismas, a vida celeste, o convívio dos coros angélicos, a infinita alegria, a perseverança em Deus, a semelhança com Deus, o ultrapassamento de todo desejo, a divinização.

São estas, em resumo e em poucas palavras, as noções comuns que temos do Espírito Santo e que a partir de suas próprias expressões, aprendemos a pensar sobre sua grandeza e dignidade, bem como sobre as operações que realiza.

Não há senão um só Deus Pai, um só Filho Unigênito, um só Espírito Santo. Nós enunciamos separadamente cada uma das hipóstases (“pessoas”) e, quando precisamos enumerá-las em conjunto não o fazemos de maneira que possa induzir a uma concepção politeísta…

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Dizemo-lo ainda “Espírito de Cristo”, em razão de estar unido intimamente e naturalmente a Cristo. Assim, “se alguém não possui o Espírito de Cristo não é de Cristo” (Rm 8,9). Eis por que só o Espírito glorifica dignamente o Senhor: “Ele me glorificará”, disse Jesus (Jo 14,16), não como a criatura, mas como o Espírito da verdade, que faz resplandecer em si mesmo a Verdade, e como Espírito de sabedoria que revela, em sua majestade, o Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Como Paráclito, exprime em si a bondade do Paráclito que o enviou e em sua própria dignidade mostra a grandeza daquele de quem procede. Há, pois, uma glória natural – como a luz, glória do sol – e um glória extrínseca, livremente prestada aos seres que a merecem. Esta última é aliás de dois tipos: o Filho glorifica seu Pai e o servo seu patrão, conforme diz o profeta (Ml 1,6). Uma, glória servil, prestada (a Deus) pela criatura; outra, dir-se-ia familiar, prestada pelo Espírito. Assim, o Senhor dizia de si mesmo: “Eu te glorifiquei sobre a terra, completando a obra que me confiaste” (Jo 17,4). E da mesma forma disse o Paráclito: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer” (Jo 16,14). O Filho é glorificado pelo Pai, que declara: “Eu o glorifiquei e o glorificarei ainda” (Jo 12,28). Da mesma forma o Espírito é glorificado pelo fato de estar em comunhão com o Pai e o Filho, e também conforme este testemunho do Unigênito: “Todo pecado e blasfêmia vos será perdoado, mas a blasfêmia contra o Espírito não o será” (Mt 12,31).

Quando, sob o influxo de uma iluminação, fixamos os olhos na beleza da Imagem do Deus invisível (Cl 1,15) e por ela nos elevamos à contemplação do Arquétipo, lá está o Espírito de conhecimento, inseparavelmente presente, oferecendo em si o poder de ver a Imagem aos que amam a contemplação da Verdade. Ele não a faz manifestar-se como de fora, mas a mostra em si: “ninguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11,27) e também “ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão no Espírito Santo” (1Cor 12,3). Note-se que não se diz: pelo Espírito, mas no Espírito. “Deus é Espírito e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4,24), como ainda está escrito: “em tua luz veremos a luz” (Sl 35,10). Por outras palavras: na iluminação do Espírito veremos “a verdadeira luz que ilumina todo homem que vem ao mundo” (Jo 1,9). É em si mesmo que o Espírito mostra a glória do Filho único e é em si mesmo que concede aos verdadeiros adoradores o conhecimento de Deus.

O caminho do conhecimento de Deus vai portanto do Espírito, que é um, ao Filho que é um, ao Pai, que é um e, em sentido inverso, a bondade essencial, a santidade natural, a dignidade régia provêm do Pai, pelo Unigênito, até o Espírito. É assim que confessamos as hipóstases (Pessoas) sem ferir a doutrina da monarquia” (P.G. 108s; 148ss.; S.C. 17 bis).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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