Sínodo sobre a Nova Evangelização Lineamenta

Em outubro de 2012 será realizada a 13ª. assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, em Roma. O Sínodo dos Bispos, instituído pelo Papa Paulo VI em 1965 para ser uma expressão da corresponsabilidade do colégio episcopal, com o Papa, pela vida e a missão da Igreja. É um organismo da Igreja, e não da Cúria Romana, tendo em Roma uma Secretaria Geral estável e um Conselho Permanente formado de cerca de 15 bispos de várias partes do mundo. A cada 3 anos, em média, o Sínodo tem suas assembléias gerais ordinárias, convocadas pelo Papa, das quais participam representantes das Conferências Episcopais de todo o mundo, além de outros bispos, em função do ofício que desempenham, junto com convidados e representantes de outras categorias do Povo de Deus.

O tema da assembléia de 2012, já definido pelo Papa Bento XVI é: “nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. A partir do texto, que contém as linhas gerais para a abordagem do tema (Lineamenta), as Conferências Episcopais agora estão sendo chamadas a dar suas contribuições para que seja produzido o “Instrumento de Trabalho” para a assembleia sinodal.

A questão da nova evangelização torna-se cada vez mais relevante em nossos tempos e, por isso mesmo, o Papa Bento XVI instituiu o Pontifício Conselho para promover a nova evangelização em todo o mundo, mas sobretudo nos países e lugares de antiga evangelização, onde a fé cristã está passando por sérias dificuldades, correndo até mesmo o risco de desaparecer, como já aconteceu na Ásia Menor e, em boa parte, no Oriente Médio e no Norte da África.

Tal preocupação não é nova e já foi um dos motivos mais importantes da convocação do Concílio Vaticano II, cujos 50 anos serão comemorados a partir de 2012. As Conferências Gerais do Episcopado da América Latina, principalmente as de Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007), também tiveram esta mesma preocupação; e as assembleias continentais do Sínodo dos Bispos, na preparação para o Grande Jubileu, enquanto faziam uma avaliação dos frutos já produzidos em 2000 anos de pregação do Evangelho, eram igualmente motivadas pela busca de novos caminhos para a evangelização.

A Igreja no Brasil, através de sucessivas iniciativas da CNBB, sobretudo das Diretrizes plurianuais da Ação Evangelizadora, dos Projetos Nacionais de Evangelização e dos constantes estímulos à pastoral de conjunto, tem buscado cumprir a sua missão de evangelizar. E a nossa Assembleia Geral da CNBB, aqui em Aparecida, mais uma vez concentra seus esforços na elaboração das Diretrizes Gerais, que deverão orientar a ação evangelizadora da Igreja no Brasil nos próximos anos. Estamos trabalhando em nossas Igrejas Particulares, sob os impulsos vindos da Conferência de Aparecida, para realizar o Projeto “Missão Continental”.

A “nova evangelização” decorre do próprio mandato de Cristo aos Apóstolos: “Ide por todo o mundo, fazei discípulos meus entre todas as gentes”; é Deus que deseja que a Boa Nova chegue a todos, para que cada ser humano conheça o Evangelho e seja por ele iluminado, encontre a verdade e o caminho para a vida. Mas “como crerão naquele, de quem nunca ouviram falar? E como ouvirão falar, se não houver que anuncia?” (Rm 10,14). A evangelização há de ser sempre “nova”, expressão do esforço constante da Igreja no cumprimento de sua missão primordial: anunciar o Evangelho a todos os povos, sempre e por toda parte.

A evangelização é uma obra nunca concluída. Grande parte da humanidade ainda não recebeu o anúncio do Evangelho; e onde, em tempos passados, ele já foi anunciado e a vida cristã chegou mesmo a ser florescente, será preciso retomar sempre de novo o processo de transmissão da fé; em vários momentos da História essa retomada da evangelização já se tornou necessária, sobretudo quando, por motivos vários, a fé e o fervor cristão arrefeceram, ou até mesmo se desvirtuaram em função de desvios e falsas doutrinas. Além disso, o cristianismo convive com outras tendências religiosas, que podem atrair os próprios cristãos e católicos, quando a sua fé não é bastante esclarecida e cultivada; e também convive com modos de vida pagãos, que São João qualificaria como sendo “do mundo” e São Paulo atribuiria “ao homem velho”, ainda escravo de seus vícios e paixões… O anúncio do Evangelho deve iluminar todas essas realidades, para que sejam transformadas, de acordo com o reino de Deus.

A próxima assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos, em 2012, vai confrontar-se especialmente com a evangelização e a transmissão da fé nos cenários atuais do mundo e da própria Igreja, tendo em conta as novas tendências culturais, que por vezes se fecham e até se opõem às convicções e aos valores cristãos; por outro lado, a nova evangelização deverá suscitar na Igreja uma autêntica conversão pastoral e missionária, como já nos convidou a Conferência de Aparecida; já não é mais possível fazer uma pastoral apenas de conservação da vida eclesial; é preciso “lançar as redes em águas mais profundas” e ter em conta os vastos horizontes da missão, ainda não atendidos suficientemente.

O texto das Lineamenta chama a atenção, especialmente, para seis cenários atuais, que a nova evangelização deve enfrentar com espírito cristão.

1. O cenário cultural, marcado por uma profunda secularização que, por vezes, se manifesta como um discurso aberto contra Deus, a religião e o cristianismo; outras vezes, apresenta-se sob a forma de indiferentismo e de relativismo no quotidiano da vida, onde não há mais lugar para Deus e os valores sobrenaturais. Ao mesmo tempo, de maneira paradoxal, observa-se um vivo renascimento da religiosidade, como se fosse um desafogo para algo reprimido, e que pode manifestar-se também em diversas formas de fundamentalismo e de instrumentalização da religião e do nome de Deus, até mesmo para a violência; ou ainda, em formas de religiosidade “consumista” e mágica, onde o importante é a busca e a oferta da gratificação imediata ou da prosperidade, recorrendo-se mesmo à instrumentalização do nome de Deus e da boa fé das pessoas, para outros objetivos..

2. Cenário social, marcado por amplos movimentos migratórios, pelo encontro e a mescla de culturas e religiões. Além dos sofrimentos e do freqüente desrespeito à dignidade humana decorrentes das migrações, há um impacto enorme, para a religião, da migração campo-cidade e da migração para outros países de cultura bem diversa; pensemos no significado da numerosa imigração de povos muçulmanos para os países da Europa, tradicionalmente cristãos, onde o cristianismo hoje está decadente?! Consequências dos movimentos migratórios podem ser a relativização dos valores e referências morais e religiosos que as pessoas levam consigo, a sua sincretização e até o simples abandono. Diante do fenômeno da globalização, também a evangelização precisa ser repensada, para se tornar sempre mais globalizada.

3. Cenário das diversas formas de comunicação, hoje onipresentes, que influenciam de maneira impactante a vida das pessoas. A “comunicação” é o novo “espaço” social, relacional e cultural; nesse espaço há um enorme potencial para a evangelização, mas também muitos riscos para a desvirtuação da fé, da moral e da religiosidade. Muitas vezes, essas novas formas de comunicação não levam a um verdadeiro intercâmbio e interação entre as pessoas, mas à afirmação egocêntrica e à alienação da dimensão ética e política da vida. Mas também não há dúvidas sobre o aspecto promissor, para a evangelização, desse novo areópago do “mundo da comunicação”.

4. O cenário econômico atual também precisa ser levado em conta pelo trabalho evangelizador da Igreja; é um cenário marcado por enormes desequilíbrios na distribuição dos bens e recursos, bem como dos danos causados pela atividade econômica desregrada. Existe um conjunto de preocupações com a dignidade humana, a justiça social e a correta relação com o meio ambiente, que não podem ficar alheias à evangelização.

5. Cenário da investigação científica e da produção tecnológica, tão desenvolvidas em nossos dias, mas que tendem a ser os novos ídolos do presente, que ditam a verdade absoluta e o valor das coisas e dos comportamentos humanos. A “embriaguês” da ciência, como nova “religião”, tende a impor um método na busca da verdade e do sentido, deixando de lado a filosofia e na religião.

6. Cenário da política e das mudanças provocadas pela queda dos totalitarismos e da divisão do mundo em dois blocos, junto com a formação de novos centros de irradiação do poder. É certo que nisso há aspectos positivos, na medida em que as liberdades individuais foram favorecidas e a Igreja também se beneficiou. Povos tornaram-se independentes e puderam aparecer aspirações, antes reprimidas, para a construção de uma nova ordem política mundial. Há também uma consciência sempre mais difundida sobre a responsabilidade comum pela preservação do ambiente da vida no nosso Planeta. No entanto, constata-se também o desinteresse pela política e a preponderância pela busca do conforto e do bem estar individuais; além disso, o mundo está marcado pelo medo do terrorismo e da violência e pela explosão de conflitos sempre novos.

Esses e outros cenários, que poderiam ser acrescentados, merecem a atenção especial da “nova” evangelização, para que o anúncio do Evangelho possa iluminar e transformar tais realidades. A nova evangelização deverá ter a audácia de levar a questão de Deus para dentro desses problemas e cenários desafiadores. Não podemos ficar fechados dentro de nosso mundo eclesiástico, mas lançar-nos para os “areópagos” dos novos tempos, anunciando corajosamente o “Deus desconhecido”… De maneira especial, a Igreja de Cristo precisa tomar consciência, de forma renovada, de que o dom do Evangelho não pode ser retido para si por aqueles que já crêem, mas deve ser compartilhado com os outros, como um bem precioso que Deus, através dela, quer fazer chegar a toda a humanidade.

A transmissão da fé, segunda parte do tema do Sínodo, é decorrência da autenticidade da fé e da alegria de crer. Da 13ª. assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos espera-se uma decisiva retomada do processo evangelizador em toda a Igreja.

Nesta etapa da preparação da assembléia, os bispos são convidados a dar sua contribuição, como expressão da comum responsabilidade e preocupação para que o Evangelho de Cristo possa chegar a todos os povos, também hoje. Dias atrás, enquanto era beatificado o Papa João Paulo II, alguém escreveu no jornal O Estado de São Paulo que a Igreja Católica é “uma fogueira que está se apagando”. Não é o caso, aqui, de tecer comentários sobre essa observação, talvez motivada pelos escândalos envolvendo pessoas da Igreja e divulgados com freqüência na mídia. Temos a certeza de que, enquanto houver a busca sincera e generosa de novos caminhos para a evangelização, a chama da Igreja continuará ardendo forte e iluminando, malgrado nossas fraquezas, porque não se trata simplesmente da “chama da Igreja”, mas da “verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem” (cf Jo 1,9).

Para facilitar as contribuições para o tema, após cada capítulo do texto das Lineamenta são apresentadas várias perguntas, às quais os bispos e as Conferências Episcopais  poderão responder, para darem sua contribuição para a reflexão sobre o tema. As respostas devem ser encaminhadas pelas Conferências Episcopais ao Conselho do Sínodo dos bispos até o início de novembro próximo. De todas as contribuições oferecidas, será elaborado o Instrumentum laboris para a Assembleia Sinodal de outubro de 2012.

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Card. Odilo P. Scherer
arcebispo de São Paulo – SP
Aparecida,  na 49ª. Assembleia Geral da CNBB, 12.05.2011

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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