Será isto o “Cristianismo”?!

Breve análise crítica de recente livro de Leonardo Boff

Na Páscoa de 2011, o teólogo brasileiro Leonardo Boff publicou mais uma obra, intitulada: “Cristianismo. O mínimo do mínimo” (Vozes, Petrópolis, 2011, 200pp.), apresentada como “fruto de mais de 50 anos de intensa reflexão e de mais de 70 livros escritos” (capa). Admirável a sua audaciosa tentativa de “expressar o mínimo do mínimo ou identificar o máximo do mínimo do cristianismo” (p. 9), tendo em vista o grande desafio de dialogar com aqueles que, embora não sendo formalmente cristãos, se aproximam deles.

Não deixa de ser interessante a tentativa de leitura da fé cristã em sintonia com as descobertas científicas sobre a vida e a terra, o que é mais do que necessário, uma vez que fé e razão (verdade revelada e verdade racional) não se excluem mutuamente, mas ambas são reflexos Daquele que é a “Verdade” (cf. João Paulo II, Enc. Fides et ratio). Bela, sem dúvida, a noção de “Mistério” como “o ilimitado do conhecimento e o amor que não conhece repouso” (p. 14), de sabor agostiniano-tomista. Tal se depreende da luz do mistério trinitário, pois “no começo não está a solidão do Uno, mas a comunhão dos Três” (p. 19).

Uma atenta leitura do texto revela, contudo, alguns erros doutrinários, de vários gêneros:

01.   Erro metafísico. O autor exagera em algumas metáforas, como por exemplo ao afirmar: “Deus é Mistério, não apenas para nós, mas também para si mesmo, pois sua essência primeira é ser Mistério” (p. 11). Deus, então, não se conhece plenamente?! Como um estudante, vai aprendendo, ano após ano, o que não sabia antes? Isto significa atribuir a Deus – por essência, o Ser Perfeito – aquelas contingências, limitações, próprias das criaturas, sujeitas ao devir, à mudança, o que é metafisicamente incorreto! Embora a noção de “Mistério”, muito prezada pelo autor, possa ser entendida como eterno conhecimento e amor (p. 14), radicado na plenitude do Ser (p. 15), Boff sublinha que Deus estaria “aberto a um futuro que é realmente futuro”, ou seja, “algo que ainda não é dado” (p. 15). E ainda: a partir da criação do universo, “Deus começa a ser aquilo que eternamente nunca foi antes” (p. 11) – o que é aprisioná-lo nas cadeias do espaço e do tempo. Em sua obra inacabada chamada Compêndio de Teologia (1272), S. Tomás de Aquino recorda que “em Deus não há sucessão, mas, que todo o seu ser existe simultaneamente”, uma vez que “Deus de modo algum está sujeito a movimento” por não estar preso à “sucessão de tempo” (I,I,VIII); que, em Deus, “nenhuma sucessão pode haver [no] ato de intelecção”, de modo que “nada conhece como novidade”, mas conhece “todas as coisas” e “simultaneamente” (I,I,XXIX); que “todas as perfeições, que existem em todas as coisas, devem existir em Deus originária e superabundantemente” (I,I,XXI), de modo que nele não há “potência” (passagem do não-ser para o ser) nem “matéria-prima” (para realizar algo) (I,I,XX). É bem mais sensato e coerente.

02.   Erros cosmológicos. (A) Boff pretende dialogar com a astrofísica contemporânea, servindo-se de algumas de suas expressões em sua reflexão teológica sobre o universo (“radiação de fundo”, “corda-topquark” etc.). Assim, ele fala de uma suposta “Energia de Fundo que antecede qualquer outra coisa que vier acontecer” (p. 21), reconhecendo-a como “criada e colocada como diferente diante de Deus” (id.), num raciocínio até aqui correto, mas ao considerá-la como “sua imagem e semelhança, a sua melhor metáfora”, ou “inefável, inapreensível, ilimitada” (p. 21), certamente extrapola, pois tal suposta “Energia” é sempre criatura, marcada pela contingência, mutabilidade, e dependente do Criador/ato criador. O ser humano, dotado de corpo (material) e alma (espiritual) é, propriamente, imago et similitudo Dei, particularmente pela sua capacidade de conhecer (inteligência) e amar (vontade). A confusão se consolida quando sentencia: “O universo é autoconsciente e carregado de propósito” (p. 35), ou ao se expressar: “Energia poderosa e amorosa que tudo sustenta e penetra” (p. 38); e mais: “o Filho… de dentro da matéria em evolução vai se externalizando e ascendendo” (p. 47). Mesmo ao procurar distinguir – “O Mistério, presente na Energia de Fundo” (p. 40) – ou definir certos termos ou expressões – justifica-se dizendo que não está propondo o “panteísmo”, mas o “panenteísmo” (p. 54) -, lamentavelmente as ambigüidades permanecem. (B) O renomado teólogo brasileiro aceita como verdade a hipótese científica de que a bactéria chamada Áries foi a primeira forma de vida que irrompeu no cosmos, o que teria ocorrido há 3,8 bilhões de anos (p. 30). Em ciência devem-se dar a observação, experimentação, verificação, segundo os seus próprios cânones a partir de Bacon – o que muitas vezes têm faltado aos cientistas… E vai mais além: defende que “desta célula originária se derivaram todas as formas de vida” (p. 30) – o que inclui a espécie humana. Reconhece que neste suposto processo evolutivo há “saltos” (pp. 32; 34), mas não define a causa eficiente principal destes fenômenos – em outras palavras, não admite uma ação divina na criação da matéria e sua evolução. Não resta dúvida para o autor: o universo “se expandiu, se autocriou, se auto-organizou e se autotranscendeu” (p. 56). Para ele todos os seus “novos seres” são “efervescência do Espírito” (p. 60) – é difícil não ver em tudo isso o panteísmo clássico (identificação entre Criador e criatura), pensamento que não se coaduna com a fé católica; Deus é Deus, o mundo é o mundo; “na vinda de Deus ao mundo temos uma proximidade sempre maior em meio a uma distância ainda grande” (Luis F. Ladaria, Il Dio vivo e vero. Il mistero della Trinità, Piemme, Casale Monferrato (AL), 20022, p. 471),

03.   Erros antropológicos. A) Seguindo o seu raciocínio, Boff defende que o ser humano surgiu após um processo evolutivo (“hominização”), para o qual contribuíram o surgimento do “cérebro reptílio” (instintos), o “cérebro límbico” (sentimentos) e o “cérebro neocortical” (racionalidade), o que teria acontecido há 1,5 milhão de anos atrás. Como notas distintivas são destacadas a capacidade de andar sobre as duas pernas e, posteriormente (200 mil anos), o uso da linguagem e a organização social (p. 37). Dados interessantes. – Lamentavelmente, porém, nada se fala sobre a alma espiritual do ser humano, que o distingue de todos os demais seres vivos e o torna capaz de dialogar com o Criador – e muito menos sobre a ação divina em todo este suposto processo evolutivo, e obviamente na criação da alma (que não pode ser produto da evolução!). – Aliás, para o autor a alma espiritual e portanto imortal é meramente uma “crença platônica vastamente popularizada na cultura romana, grega e ocidental” (p. 168), por conseguinte sinônimo de erro – ora, em primeiro lugar, a nossa inteligência pode concluir que existe em nós uma alma espiritual, com ou sem o apoio dos platônicos (cf. Concílios de Latrão V e Vaticano I); o próprio Jesus distinguiu “corpo” e “alma”, ensinando ainda que há vida após a morte (cf. Mt 10,28; Catecismo da Igreja Católica, nn. 362-368); e, de resto, é uma contradição desmerecer a priori as contribuições racionalmente justificáveis do pensamento greco-romano (como esta, sobre a alma, dentre inúmeras outras!), e ao mesmo tempo querer destacar expressões de outras culturas (pp. 179ss). Se algo é verdade (expressão da res, coisa em si), isto é que importa! B) O modo como se expressa ao falar de uma “completa personalização, encarnação e espiritualização” de Deus ao surgir o ser humano na face da terra (p. 41) induz a pensar que todo ser humano – à luz das categorias neotestamentárias – já estaria necessariamente no plano sobrenatural da graça; assim, o pecado original (originante) do primeiro casal em nada teria prejudicado esta dimensão espiritual, o que não deixa também de gerar problemáticas conseqüências em relação à encarnação redentora de N. S. Jesus (cf. p. 71), que praticamente em nada se diferenciaria desta “completa” manifestação divina nos primeiros humanos. C) Ao tratar da nossa condição de “filhos e filhas de Deus” (p. 69), Boff dá a entender que Jesus Cristo, pela sua encarnação redentora, não nos reconquistou esta graça, e não nos elevou a uma dimensão ainda maior do que antes do pecado original dos primeiros pais. Não há aqui espaço para se falar da necessidade da fé teologal e do sacramento do Batismo a fim de nos tornarmos filhos de Deus (cf. Jo 1,12; 3,5), mas simplesmente – como elo de um normal processo evolutivo – Jesus contribuiu para que descobríssemos algo que nos é devido; ele anunciou “um novo estado de consciência, de que somos de fato todos filhos e filhas de Deus” (p. 83), o que se parece com o modo de falar de filósofos idealistas (Hegel…). Mais uma vez estamos diante de uma sutil eliminação de toda dimensão sobrenatural (portanto, gratuita) inerente tanto à obra da Criação quanto à obra da Encarnação/Redenção/Santificação por nós realizada pelo Pai, Filho e Espírito.

04.   Erros cristológicos. A) O Filho de Deus assumiu na condição humana. É “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”, como professamos em nosso Símbolo da Fé. O justo resgate da humanidade de Cristo, contudo, não pode nos induzir a negar o efetivo influxo que exerceu a Pessoa do Filho eterno de Deus sobre a consciência humana de Jesus. Ao mesmo tempo em que Ele se desenvolvia em sua humanidade, era desde cedo consciente da sua missão: “Devo ocupar-me das coisas do Pai” (Lc 2,49). Por conseguinte é ambíguo falar de “crises próprias da juventude” em Jesus, sobretudo em relação à sua vocação e missão (p. 60). – Isto nos faz tocar o tema da autoconsciência de Jesus, muito em voga na primeira metade do século passado (ver obras sobre o “eu” ou a “consciência” de Cristo de P. Parente, J. Galot etc.). É espantoso como alguém possa afirmar com tanta segurança que Jesus “seguramente não sabia nada” sobre condição de Filho de Deus, postulando que isto ia “muito além de sua consciência possível” (p. 71; cf. p. 79). É como se fosse um esquizofrênico, com duas personalidades que só casualmente se esbarravam! Para Boff o Filho “assumiu alguém que se sentia Filho” (p. 72), o que é uma heresia – a Pessoa do Filho de Deus assumiu a natureza humana, de modo que em sua consciência humana (inteligência/cérebro) se refletia, sim, a mens eterna do Filho, cujos meandros, contudo, permanecem um mistério (cf. Pio XII, Enc. Sempiternus Rex). B) A confusão continua ao tratar da ressurreição de Cristo. “O Filho encarnado, limitado ao espaço palestinense, fez-se pela ressurreição o Cristo cósmico enchendo todos os espaços do universo” (p. 49). Além da ambígua expressão “Cristo cósmico” (ou “energia crística” – p. 71; 190), cai em contradição com o seu próprio pensamento ao postular que é na ressurreição que Cristo “enche todos os espaços” – pouco antes não havia sentenciado que “o Filho” já agia “de dentro da matéria” (p. 47)?! Adiante não dirá que já era o “Cristo cósmico” de “forma oculta” (p. 71)? C) É interessante como grandes teólogos cometem grandes gafes. Admite-se sem nenhuma vacilação um fato sobrenatural (a ressurreição), e ao mesmo tempo criam-se problemas com outros (milagres, divindade de Cristo etc.). Por isso, frases como: “O Cristo da fé engoliu o Jesus da história” (p. 64); “A cristologia se fez à custa da jesuologia” (p. 66), se tornaram chavões/modismos teológicos que beiram ao ridículo – naturalmente infectados por pensamentos filosóficos imanentistas, que não admitem uma intervenção/irrupção do divino no mundo e na história (ver a propósito a bela “Premissa” do livro “Jesus de Nazaré”, vol. I, de Bento XVI). Ao mesmo tempo em que Jesus Cristo procurou agir “no anonimato e na humildade” (p. 64), deixou claro que o Reino de Deus chegou através de gestos por vezes prodigiosos (como os “milagres”, que, curiosamente, admite estivessem relatados em “cadernos” antes da redação dos evangelhos – p. 67). D) Na esteira de inúmeras tentativas (em geral, arbitrárias) de reconstruir os dados neotestamentários (Reimarus, Strauss…), na maioria das vezes – de modo consciente ou não – sob influência de posturas filosóficas que marcaram o Ocidente (“dúvida” cartesiana, religião kantiana nos “limites da pura razão”, “crítica” marxista…), o autor defende que a “aura sobrenatural e divina” que se criou ao redor de Jesus é fruto de um “processo de exaltação” que “releu toda sua história” a partir de categorias da cultura judaica, grega e romana (p. 67). Por isso se entende que o seu nascimento em Belém da Judéia seja contestado (id.), postulando-se que teria ocorrido em Nazaré. Se há alguns paralelos com as culturas circundantes, é óbvio que disto não se pode inferir a fortiori que há um nexo causal entre ambos; além do mais, como explicar que judeus do século I d.C., provenientes de diversos grupos, comecem a anunciar que um homem que morreu como criminoso está vivo e é o “Senhor”, arriscando a própria vida ante as autoridades judaicas e romanas, se não pelo fato de que foram convencidos pela evidência dos fatos? Os eventos da Ressurreição/Pentecostes não criaram os fatos inusitados/inauditos da vida de Jesus, mas possibilitaram que seus discípulos os contemplassem melhor. E) Não é verdade o que afirma o autor a respeito da redação dos textos sobre Jesus que teria se dado”50 anos após sua execução” (p. 67), e que por isso as “aparições relatadas nos evangelhos” têm “pouco” valor histórico (p. 142) – é opinião comum entre os exegetas e biblistas que os primeiros textos neotestamentários podem ser datados dos anos 50-60 d.C. (1/2Ts; Flp; Fm; 1Cor; Mc), nos quais é clara a inaudita verdade: o “filho do homem” que se tornou “servo sofredor” é o Filho de Deus que foi crucificado para nos salvar, mas ressuscitou, vive para sempre e é o Senhor (Kyrios). – A influência das “comunidades” em que possivelmente os evangelhos “maduraram” (p. 68) não pode ser subestimada, mas também não pode ser exagerada, pelo simples fato de que há outras variantes que devem ser relevadas na redação dos textos (a ação/inspiração do autor etc.). Mais adiante (p. 102) Boff parece recuar a datação ao falar de “30-40 anos depois da execução”, o que mostra o caráter arbitrário de muitas datações bíblicas. F) O mistério da pré-existência do Filho/Verbo de Deus – “no princípio era o Lógos” (Jo 1) – e conseqüentemente a sua histórica Encarnação – “e o Verbo se fez carne” – é distorcido em nome do dogma do evolucionismo, subjacente a afirmações do tipo: “A partir do primeiro momento em que surgiu a matéria, aí estava seminalmente Jesus que veio crescendo e galgando as várias etapas da evolução” (p. 71); “A Fonte Originária… penetrava cada patamar da evolução… até que se transformou em conteúdo de consciência: perceber a Deus como Abba e a si mesmo como seu Filho” (p. 109) – ora, o Apóstolo ensina que “nele foram criadas todas as coisas” (Cl 1,16), referindo-se naturalmente ao “Filho amado” do Pai (v. 13), eternamente unidos no Espírito, e isto no sentido de causa eficiente e exemplar, e não de causa material (como se “partículas” de Cristo fosse usadas pelo Pai para “modelar” o universo!). Neste sentido entenda-se também 1Cor 8,6; Hb 1,2; etc. – E o Apóstolo afirma que na “plenitude do tempo” (Gl 4,4) o Pai enviou o seu Filho, apontando para a novidade absoluta da sua Encarnação. G) Afirmar que Jesus “possivelmente” foi discípulo de João Batista (p. 89) é forçar demais os dados bíblicos – os relatos, ao contrário, demonstram que João Batista era consciente de sua inferioridade (sem nenhum complexo!) em relação a Jesus (cf. Mt 3,14; Mc 1,7s) e fez questão de apresentar e conduzir os seus próprios discípulos a Jesus (Jo 1,35ss)! H) Realmente, muitas vezes o trabalho de alguns teólogos ou biblistas parece mais com o trabalho de um “açougueiro”, que vai “cortando” a carne conforme seus interesses ou necessidades – isto serve, isto não serve… Facilmente se “decreta” que um texto é histórico, que outro não o é; para Boff, Jesus não nasceu em Belém… mas o Pai-nosso nos lega a “ipsissima intentio” (a “intenção mais verdadeira”) de Jesus, vindo assim “diretamente da boca do Jesus histórico” (p. 103); em contrapartida, acham ele e os “estudiosos” que uma “fórmula mais curta” contida numa mais longa é sempre o texto mais antigo (p. 106), quase como se isto fosse um princípio metafísico que sempre se comprovasse na história e literatura, o que não é assim; etc. I) O autor parece oscilar a despeito dos motivos religiosos da injusta condenação à morte de Jesus (p. 48); quase no final, surpreendentemente, aceita os dados do evangelho de João – “foi o que melhor expressou o motivo da condenação de Jesus”, citando Jo 5,16, mas erroneamente atribuindo a todos os 71 membros do Sinédrio judaico a sua condenação (p. 135) – o fato é que nem todos estavam na ilegal sessão noturna que foi convocada com este propósito (cf. Catecismo, 535). É comum pensar que Deus “pode ter abandonado Jesus” na cruz (p. 138) – na realidade, porém, trata-se de uma momentânea experiência humana da rejeição (associada ao mistério da sua satisfação expiatória pelos nossos pecados), e não que Deus Pai objetivamente tenha se afastado do seu Filho feito homem – Deus é Amor em suas relações internas e para conosco! J) Como um “golpe final”, o teólogo, elencando pretensos “reducionismos” da Igreja, afirma categoricamente que a realidade “humana” de Jesus é “aquela que realmente importa” (p. 169) – nem mesmo os teólogos antioquenos da Igreja antiga, defensores da humanidade de Cristo, chegariam a tanto! Sinceramente falando, é melhor ficar com o Concílio de Calcedônia (451), que se expressa assim: “um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade”; “duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação” (DS 301s).

05.   Erros teológicos. A) É preciso o máximo cuidado ao se falar sobre a “Trindade das Divinas Pessoas”, ou seja, “o Mistério”. Devemos sempre precisar/purificar a nossa linguagem, uma vez que Deus semper maior. Deste modo, ao afirmar que Deus “sai totalmente de si” em nossa direção, “se esvazia” (p. 39), ou expressões equivalentes, não podemos incorrer no grotesco equívoco de propugnar que haja uma mudança substancial em Deus no que diz respeito à sua essência – como se Deus “encolhesse”! B) As perfeições existentes nas criaturas – maximamente no ser humano – se encontram todas, de modo infinitamente elevado, na Santíssima Trindade. Assim, a paternidade e a maternidade – com suas notas específicas – têm a sua origem no “coração” de Deus. Porém a linguagem da fé (que manifesta e protege a mesma) sempre professou que o Deus único é Pai, Filho e Espírito; qualidades como ternura, receptividade, sem dúvida marcam a ação de Deus na história humana; mas Jesus se nos revelou como Filho, com uma relação toda peculiar com o seu Abbá, Pai – de modo que ao se afirmar: “Deus, na experiência de Jesus, pode ser invocado também como Mãe” (p. 75), é falso e tendencioso. O amor que Jesus demonstra pelas mulheres – rompendo injustos preconceitos que vigoravam em seu tempo – quer resgatar a sua dignidade original e corrigir falsas aplicações da Torá vigentes, sem que com isto chamasse a Deus de “Mãe” (nem ele, nem os primeiros cristãos ou as primeiras cristãs mais devotas!). C) Não é verdade que o “cristianismo romano-católico” não pregou ou ensinou nada a respeito do “Deus-Trindade”, preferindo o “monoteísmo vétero-testamentário e pré-trinitário” (p. 168) – será que o autor não se deu o trabalho de ler os tratados da Trindade de S. Agostinho, Hilário de Poitiers, de S. Tomás de Aquino, S. Anselmo etc. etc.? Será que desconhece as belas descrições da vida mística-trinitária a partir da experiência de S. Teresa, S. João da Cruz etc. etc.? Sem comentários… D) Ao comentar o Pai-nosso, ao contrário do ensinamento dos Padres da Igreja, Boff não reconhece nas duas últimas petições (sobre a tentação e o mal) a sua relação também com os espíritos maus, anjos que se rebelaram contra Deus e que procuram nos afastar da nossa missão e da salvação divina (cf. Ritual de Exorcismos, Prenotanda). Para o autor, “o mal, mais que uma pessoa perversa e inimiga da vida, é um conjunto de forças malignas e movimentos de idéias, uma energia histórica…” (p. 124) – “demônios que habitam” as pessoas, de modo genérico (p. 144). Mais um reducionismo materialista, semelhante ao dos saduceus do século I d.C. …
06.   Erros eclesiológicos. A) Boff insiste desde o início no fato de que o Cristianismo – e particularmente a Igreja Católica Romana – não pode “pretender exclusividade” (pp. 12; 175) na esfera das religiões. Relativiza ainda mais ao defender a tese de que Jesus “queria o Reino e não intencionava a Igreja” (p. 63), ou que “a única religião do Pai é… a grande família de iguais” (p. 75), o que é negado pela simples leitura dos relatos evangélicos e dos mais antigos extratos do Novo Testamento, em que se destaca a relevância de Pedro e do grupo dos Doze, bem como sua missão de testemunhas da salvação por todo o mundo e a sua autoridade em questões de ordem doutrinal ou prática (1/2 Ts, Flp, Fm, 1Cor, Gl, Rm, Tg). B) Interessante como insiste em sublinhar a categoria de “Reino de Deus” (omite-se estranhamente o paralelo “Reino dos Céus”) e em contrapô-la à Igreja e seus aspectos visíveis (esquecendo-se da própria lógica da encarnação: o divino unido ao humano, o invisível ao visível). “Jesus não pregou a Igreja, mas o Reino de Deus”; “Não visava uma nova religião, mas um homem novo…” (p. 85); a Igreja “não estava nos planos de Jesus” (p. 148); há “vários caminhos espirituais que se sentem na herança de Jesus” (p. 88); e vai mais longe: “Ele não se pregou a si mesmo, nem a Igreja, nem propriamente a Deus, pura e simplesmente” (p. 89); ou: O cristianismo “não é o Cristo continuado” (p. 187), mas “é uma religião de esperança mais do que de fé” (p. 115) – absurdos! Dizer que o Reino continua “na realização da justiça dos pobres e oprimidos” (p. 77) é um reducionismo suspeito, típico da teologia da libertação (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação”), na qual pouca ou nenhuma referência se faz aos elementos teológico-espirituais constitutivos do Reino e da adesão a ele, bem como ao modo moralmente lícito de se promover tal justiça (valeria também a violência, como fizeram Che Guevara e Fidel Castro, sem falar em Stalin, Mao etc.?). C) Para o autor, a palavra “Igreja” surge apenas por volta dos anos 90 d.C., pois o evangelho de Mateus seria desta época (p. 148) – dois erros numa única frase! Bons exegetas estão de acordo que há um núcleo aramaico anterior ao texto grego de Mateus; se este último pode ser datado entre 75-90 d.C., a tradição oral e a tradição aramaica subjacentes são obviamente anteriores a estas datas (cf. Bíblia de Jerusalém, Paulus, S. Paulo, 2010, p. 1693). Isto sem falar que, nos textos cristãos da primeira geração, há referências à “Igreja” visivelmente organizada, ainda antes da morte de Pedro (cf. 1Ts 1,1; 2,14; 2Ts 1,1; 1,4; Flp 3,6; 4,15; Fm 2; 1Cor 11,16 etc.). O texto de Mt 16,17-19 não trata apenas da fé de Pedro, mas da promessa da “Igreja”, ekklesía, palavra grega que ocorre 96 vezes nos LXX (versão grega do AT) e 114 vezes no NT (quase sempre referido à igreja cristã local e universal). Assim, “é plausível reter que Mt 16-17-19 seja um encargo que o Jesus histórico conferiu ao leader dos doze durante o ministério público” (John P. Meier, Un ebreo marginale, 3, Queriniana, Brescia, 20072, p. 252). Afirmar que esta perícope não foi interpretada no sentido do primado do Bispo de Roma até o século V (p. 148) é mais um atentado ao bom senso – afinal, séculos antes, Tertuliano e Cipriano, p. ex., consideravam a unidade da Igreja como um fato originado nas palavras de Jesus nestes versículos, unidade esta relacionada com a hierarquia, doutrina e disciplina, que encontram no Sucessor de Pedro uma fundamental referência (cf. Lc 22,32; Jo 21,15ss; Congregazione per la Dottrina della Fede, Il Primato del Successore di Pietro nel Mistero della Chiesa. Testo e commenti, Libreria Editrice Vaticana, 2002, pp. 54ss). D) Percebe-se claramente – sem querermos bancar o “psicólogo-de-botequim” – que há uma certa raiva ou implicância do autor com a Igreja. Declarar que “o amor aos invisíveis e desprezados”, proposto e vivido por Jesus, “quase nunca” é praticado “pelos cristãos e pelas igrejas” (p. 96) é, no mínimo, precipitado. Será que desconhece as incontáveis obras em prol dos doentes e pobres promovidas pela Igreja ao longo dos séculos, p. ex. na África? (cf. p. 72). Invalidar as expressões religiosas que exaltam o nome de Jesus – particularmente os “cânticos religiosos” (p. 144) – em virtude da ainda não-plena realização do ensinamento de Jesus, além de ser uma atitude descabida, é contrária ao espírito do próprio Novo Testamento, que atesta entre os cristãos – apesar de perseguidos e marginalizados – a alegria da fé expressa em “salmos, hinos, cânticos espirituais” (Ef 5,19; Cl 3,16) – que têm, sim, o seu valor, se brotam da fé viva unida à caridade concreta. Criticar pura e simplesmente a Igreja em virtude de seus componentes hierárquicos e doutrinários (p. 149) – seu poder “hierarquizado” (p. 158) de sabor imperial – é querer ignorar o fato de que o Senhor confiou aos Apóstolos – particularmente a Pedro – a missão de apascentar e ensinar, que requer uma especial assistência do Espírito, que torna o Sucessor de Pedro, ao contrário do que insinua Boff (p. 159), “infalível” em circunstâncias bem precisas (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 891). Creio que a seguinte sentença comprova a mágoa que o nosso teólogo alimenta contra a Igreja (pelas merecidas “bastonadas” – p. 165 – pois algum pedem para ser “surrados”!; cf. 2Cor 10,9-11; 11,13!), como um adolescente rebelde ou teimoso que não aceita as correções do “pai” (no caso, o Papa) e da “mãe” (Igreja): “Sobre a pedra do atual Vaticano Jesus jamais construiria a sua Igreja” (p. 161). Oh, que “profundidade e autoridade dogmática”! Um novo “pronunciamento ex-cathedra”! Debaixo da colina Vaticana há séculos e séculos repousam os restos mortais de S. Pedro Apóstolo, terra santificada pelo corpo e sangue de mártires, como as escavações arqueológicas (e documentos da era patrística) atestaram – e, parafraseando os Santos Padres, onde está Pedro, aí está a Igreja, aí está Cristo. – A existência de uma porção de terra própria da Igreja – fruto de doações, como as que faziam aos Apóstolos segundo o livro dos Atos – é útil para sua livre ação neste mundo. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. E) Boff defende que as igrejas surgidas da Reforma Protestante (séc. XVI) tencionam “anunciar um Evangelho depurado das distorções históricas e doutrinárias ocorridas no seio da Igreja Romano-católica” (p. 154). Isto (aparentemente) justificaria a sua existência, pois, afinal, assim como temos “quatro evangelhos” diferentes, pensa Boff, podemos contar com igrejas diversas (p. 155). Ora, este último argumento é simplesmente ridículo; embora com nuanças diversas, os evangelistas testemunham uma mesma fé em Cristo e fazem parte do único grupo dos seus seguidores; será inclusive a autoridade da própria Igreja a confirmar que seus escritos são inspirados, transmitem a Palavra de Deus e que compõem o cânon bíblico (séc. IV). Para purificar eventuais “distorções” que possam contaminar a vida eclesial, não é necessário “pular” do barco de Pedro, como fizeram Lutero (e sua amante) e outros… ao contrário, o Espírito faz surgir santos evangelizadores, santos pastores, santos mártires, santos doutores, como naquela época pulularam (S. Pio V, S. Carlos Borromeu, S. Inácio de Loyola, S. Francisco de Sales, S. Teresa d’Ávila etc. etc.). “Nada é tão alheio ao ecumenismo quanto aquele falso irenismo, pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e seu sentido genuíno e certo é obscurecido” (Concílio Vaticano II, Decreto Unitatis Redintegratio, n. 11). F) Sobre o “sentido do direito” herdado do Império Romano pela Igreja (p. 156): tudo o que é, de fato, verdadeiro, bom e belo, presente no mundo e na história, é reflexo do Criador de todas as coisas, e portanto não contradiz a Revelação Divina, podendo assim ser assimilado pela Igreja e pelo fiel. O exercício de atividade administrativo-jurídica é uma necessidade humana que o Cristianismo nascente experimentou, ainda sem direta influência de conteúdos provenientes da vida e pensamento romanos. Analogamente ao Filho de Deus, a Igreja é humana e divina. P. ex., Atos 15,1-35 traz o uso de “normas positivas” emanadas pela Assembléia dos Apóstolos e os anciãos (cf. Gianfranco Ghirlanda, O direito na Igreja. Mistério de Comunhão, Santuário, Aparecida, 2003, pp. 36ss). G) A expressão “Fora da Igreja não há salvação” (Extra Ecclesia nulla salus) é condenada por Boff quase como se fosse uma “heresia” – “inaceitável pelas pessoas de bom-senso… com um mínimo de cultura teológica” (p. 164). Aliás, tudo o que para Boff parece com “traços medievais” é execrável (p. 165), como se na Idade Média nada de positivo tivesse ocorrido! Ora, o Catecismo da Igreja Católica oferece uma justa compreensão desta sentença, em poucas palavras: “Formulada de maneira positiva, ela significa que toda salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é seu Corpo” (n. 846; cf. DS 802). Em outras palavras, “a Igreja, representando a vontade salvífica universal de Deus, é, por sua vez, universal” (Gerhard Ludwig Müller, Dogmatica cattolica, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI), 1999, p. 724). Crer em Deus me leva a crer em Jesus Cristo e assim crer na Igreja!

07.   Erro mariológico-josefológico. A ação do Espírito Santo no Novo Testamento é o cumprimento das antigas promessas, anunciadas sobretudo pelos profetas de Israel. Em Maria, o Espírito Divino inaugura esta nova fase de sua plena atuação na história humana. Boff destaca muito bem esta relação entre Maria e o Espírito, mas extrapola ao asseverar que “Maria se espiritualizou, se identificou com o Espírito” (p. 44) – como se fosse algo análogo ao mistério da Encarnação (Filho de Deus que assume a natureza humana) e como se Maria deixasse de ser uma criatura (embora isenta de pecado e concupiscência, mas marcada por limitações naturais e necessitada de novas graças divinas). Daí o absurdo que depois se segue: “Como Maria é parte do cosmos e nela estão presentes todas as energias, partículas e informações existentes no universo, o cosmos inteiro e a Terra foram tocados pelo Espírito” (p. 62) – uma quase divinização da humanidade de Maria e uma indevida atribuição a ela do que é exclusivo do Filho de Deus que nela se encarnou (“união hipostática”). – Em conseqüência se deve dizer o mesmo a respeito da errônea relação estabelecida entre Deus Pai e São José: “O Pai se personalizou em José e José se paternalizou no Pai” (p. 53) – que é mais poético do que teológico! Que as eternas perfeições de Deus Pai encontrem um belo (mas limitado) reflexo na paternidade de São José é metafísica e teologicamente compreensível, mas não mais do que isto!

08.   Erros escatológicos. A) Boff considera como verdade científica que um “asteróide” destruirá a terra dentro de pouco tempo, podendo com isso até mesmo destruir a “todos” os humanos (p. 86). Nada fala sobre a eterna vontade de Deus e sua relação com o início e o fim da história humana, e muito menos sua correlação com a vinda última de Jesus Cristo, a Parusia, evento que contará, sim, com a presença de representantes da humanidade (cf. 1Ts 4,16s). B) Para ele Jesus deixou uma “obra inacabada”, pois não se manifestou “o Reino na plenitude desejada” (p. 147). Sim, ainda há um inimigo a ser vencido, a morte (1Cor 15,26), e certamente não vivemos no “Éden”, mas uma nova era se inaugurou com Jesus Cristo – por isso na linguagem escatológica devemos sempre falar do “já” (Catecismo, 670) e do “ainda não” (Catecismo, 671) em relação à obra salvífica de Cristo.

09.   Erro sociológico. Percebe-se com clareza no livro de L. Boff – como seria de se esperar – um forte influxo da chamada “teologia da libertação”, cujos defeitos e erros já foram diversas vezes apontados pelo magistério eclesiástico e por bons teólogos. A defesa e a promoção dos que sofrem – procurando eliminar as causas da miséria e favorecer uma vida digna – decorre sem nenhuma dúvida da nossa opção por Cristo Jesus (ver documentos sociais dos últimos papas, a partir de Leão XIII), mas não nos termos propostos por tal corrente teológica, eivada de princípios marxistas. “Tive fome e me destes de comer, tive sede…” – Jesus quer se associar ao sofrimento humano para nos redimir e renovar, mas não é preciso “idolatrar” o pobre – a ponto de dizer que a “força história da encarnação” encontra “a sua expressão suprema” nos “pobres e oprimidos” (p. 73), que são “os herdeiros autênticos da ética de Jesus” (p. 166), o que é mais ideológico do que teológico – e nem sempre real. Também o “pobre” (quem padece de carência material) precisa se abrir ao Reino (necessita de metanóia, conversão do pecado e adesão a Cristo); há ainda outras categorias (os sofredores – por doenças, tentações – e pecadores – prostitutas, ladrões etc.) às quais Jesus também se direcionou de modo particular a fim de lhes comunicar a graça salvadora. – Mais correto é dizer que a “expressão suprema” da “força histórica da encarnação” se dá na Eucaristia, ao invés de criticar a “centralidade” dada à Eucaristia (p. 154), em que a humanidade do Filho Divino se esconde sob a pobreza do pão e do vinho (cf. Jo 6). Ver estas duas dimensões do “pão” no atual Catecismo (nn. 2830 e 2837).

10.   Erros diversos. Haveria outros pontos a comentar (p. ex., o desprezo à questão do Filioque à pág. 173 etc.), mas o tempo não me permite mais. Preferi não dizer nada sobre a expressão “Mãe Terra” (p. 176), pois mesmo um franciscano mais exaltado sabe que o planeta terra é criatura de Deus, assim como o ser humano (a terra é nossa irmã!). Fiz vista grossa ao “sincretismo indígena latino-americano-cristão” (p. 180), muitas vezes fonte de aberrações e desvios, bem como à exaltação do presidente Lula (p. 182), absurdamente colocado ao lado de Giorgio La Pira, em processo de canonização desde 1986 (deve estar se remexendo e gritando no túmulo: Socorro!!!). Deixei de lado também a questão da Galiléia como local da manifestação definitiva do Ressuscitado, na Parusia (p. 189), assunto de livre discussão, embora a tradição cristã sempre tenha afirmado que tal evento escatológico há de se dar ou no Vale do Cedron ou em Jerusalém. Sem querer ser implicante, mas chamar Orígenes de “maior gênio teológico do Cristianismo” (p. 141) é demais – que fosse da antiguidade cristã, talvez se possa engolir (ainda que não totalmente, pois negou a eternidade do inferno etc.). Isto sem contar as insinuações sobre o sacerdócio masculino e celibatário, as comunidades eclesiais de base etc.

 

Eis o que poderíamos dizer a respeito do livro “Cristianismo”, de Leonardo Boff. Há quase 30 anos fora corrigido pela Congregação para a Doutrina da Fé a respeito de diversos erros teológicos em suas obras (Notificação, 11/03/1985) – sem se corrigir como deveria. O amor ao próximo caminha de braços dados com o amor à verdade. Não influi quem esteja em cena. Igualmente, não importando quem seja, devemos sempre reconhecer-lhe os valores. O famoso teólogo não deixa de destacar ao longo de sua obra, de um modo positivo, a “misericórdia divina”, que nos foi plenamente anunciada e comunicada por Jesus Cristo, particularmente em relação ao sofredores e pecadores (p. 48). Jesus “postula a religião do amor e da misericórdia” (p. 91). O amor deve se “revestir” de uma “qualidade” especial, a “misericórdia”, pois ela é “uma qualidade essencial de Deus” (p. 97). Assim, “sem a misericórdia perderíamos uma dimensão essencial da experiência de Jesus para com seu Pai-Abba” (p. 97), misericórdia que “acolhe a todos indistintamente” (p. 98). Assumindo a figura do “Servo sofredor”, Jesus “assume sobre si a recusa, os ‘pecados’ dos outros, para atrair a misericórdia divina…” (p. 100). O “Reino de Deus” anunciado por Jesus inclui “a nova experiência de Deus-Abba como graça e misericórdia” (p. 113; cf. 185). O Pai pode ser contemplado como “o protótipo do amor, da misericórdia, da acolhida do filho pródigo e do cuidado para com os pequeninos” (p. 74), como “Pai de infinita misericórdia” (p. 93; cf. 108). Em sentido metafórico – como certa vez se expressou o Papa João Paulo I – é “Mãe de infinita ternura e misericórdia” (p. 75). Ele deseja mostrar “todo seu amor, compaixão e misericórdia” para com aqueles “cuja filiação é mais negada” (p. 77). Enfim, “se alguém experimentou a irrestrita e plena misericórdia do Pai, deve vivê-la para com aqueles que o ofenderam” (p. 122). A “ética” proposta por Jesus inclui “amor e misericórdia ilimitados” (p. 128), ao contrário daqueles que exaltam o “poder” (p. 131); assim, “aqueles que se compadecerem dos outros experimentarão misericórdia” (p. 132) e vão “aceder ao Reino de Deus e participar… do senhor de Jesus” (p. 133).

Em sua pretensão de apresentar uma síntese da fé cristã, Boff acaba nos levando por caminhos errôneos (em mais de 50 sentenças!!!). Prefiro, para tal escopo, me apoiar no atual Catecismo da Igreja Católica, esta, sim, uma maravilhosa summa dos tesouros do nosso depositum fidei. O autor analisado encerra falando de uma espiritualidade que “escuta o Espírito que fala pelos sinais dos tempos” (p. 177). Pedimos a este Espírito, Espírito de Amor e Verdade, que nos defenda de toda indiferença, tanto em relação ao irmão que sofre, quanto em relação às verdades da nossa fé.

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Pe. Jonas Eduardo G. C. Silva, MIC – Vigário do Santuário da Divina Misericórdia.

jonaseduardo2002@yahoo.com.br

Curitiba-PR, 27.01.2012
Bem-aventurado Arcebispo Jorge Matulaitis-Matulewicz, Visitador Apostólico na Lituânia e Renovador dos Padres Marianos: rogai por nós!

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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