Santa Sé publica novas normas para avaliar aparições pela Igreja

Segundo o ACI Digital (17/05/2024), o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou na sexta-feira (17) as novas Normas para proceder no Discernimento de presumidos fenômenos sobrenaturais, que determina que a declaração de sobrenaturalidade será excepcional e reservada ao papa.

O documento diz, sobre as decisões tomadas pelas autoridades eclesiásticas relativas a este tempo de fenômenos, que “não se deverá prever um reconhecimento positivo por parte da Autoridade eclesiástica acerca da origem divina de presumidos fenômenos sobrenaturais”.

Nas normas vigentes até domingo, 19 de maio de 2024, promulgadas em 1978 pelo papa são Paulo VI, foram estabelecidos três possíveis pronunciamentos: afirmativo (constat de supranaturalitate), negativo (constat de non supranaturalitate) ou não definitivo (non constat de supranaturalitate).

O Dicastério para a Doutrina da Fé contempla até seis opções a serem consideradas pelo Ordinário local, com a colaboração de outros bispos ou da conferência episcopal nacional, e pelo dicastério para a Doutrina da Fé.

As seis opções são as seguintes:

  1. Nihil obstat: Mesmo se não se exprime nenhuma certeza sobre a autenticidade sobrenatural do fenômeno, reconhecem-se muitos sinais de uma ação do Espírito Santo ‘em meio’ a uma dada experiência espiritual, não tendo sido relevados, pelo menos até aquele momento, aspectos particularmente críticos ou arriscados. Por esta razão, encoraja-se o bispo diocesano a apreciar o valor pastoral e a promover a difusão dessa proposta espiritual, inclusive através de eventuais peregrinações a um lugar sacro.
    Com esta afirmação “tais fenômenos não se tornam objeto de fé – isto é, os fiéis não são obrigados a prestar a eles um assentimento de fé”.
  2. Prae oculis habeatur: Ainda que se reconheçam importantes sinais positivos, percebem-se igualmente alguns elementos de confusão ou possíveis riscos que requerem, por parte do bispo diocesano, um atento discernimento e diálogo com os destinatários de uma dada experiência espiritual. Se existirem escritos ou mensagens, pode ser necessário um esclarecimento doutrinal.
  3. Curatur: Relevam-se diversos ou significativos elementos críticos, mas ao mesmo tempo já existe uma ampla difusão do fenômeno e uma presença de frutos espirituais ligados a ele e verificáveis. Desaconselha-se uma proibição a seu respeito, que poderia perturbar o povo de Deus. Em todo caso, o bispo diocesano é solicitado a não encorajar esse fenômeno, a buscar expressões alternativas de devoção e, eventualmente, a reorientar seu perfil espiritual e pastoral.
  4. Submandato: Os elementos críticos relevados não são ligados ao fenômeno em si, que é rico de elementos positivos, mas a uma pessoa, a uma família ou a um grupo de pessoas que fazem dele um uso impróprio. Utiliza-se uma experiência espiritual para uma particular e indevida vantagem econômica cometendo atos imorais ou desenvolvendo uma atividade pastoral paralela àquela já presente no território eclesiástico, sem aceitar as indicações do bispo diocesano. Nesse caso, a condução pastoral do lugar específico em que se verifica o fenômeno é confiada ou ao bispo diocesano ou a uma outra pessoa delegada pela Santa Sé, que, quando não for capaz de intervir diretamente, buscará alcançar um acordo razoável.
  5. Prohibetur et obstruatur: Mesmo em presença de legítimos interesses e de alguns elementos positivos, os elementos críticos e os riscos são graves. Por isso, para evitar ulteriores confusões ou até mesmo escândalos que poderiam causar dano à fé das pessoas simples, o dicastério pede ao bispo diocesano que declare publicamente que a adesão a esse fenômeno não é permitida e que ofereça contemporaneamente uma catequese para ajudar a compreender as razões da decisão e a reorientar as legítimas preocupações espirituais daquela parte do povo de Deus.
  6. Declaração de não sobrenaturalidade: Neste caso o bispo diocesano é autorizado pelo Dicastério a declarar que o fenômeno é reconhecido como não sobrenatural. Esta decisão deve ser baseada sobre fatos e evidências concretos e provados. Por exemplo, quando um presumido vidente declara ter mentido, ou quando testemunhas credíveis fornecem elementos de juízo que permitem descobrir a falsificação do fenômeno, a intenção errada ou a mitomania.

Novo procedimento a ser seguido pelos bispos em caso de possíveis aparições

As novas normas publicadas pela Santa Sé estabelecem um procedimento a ser seguido pelos bispos diocesanos, que são responsáveis ​​pelo exame dos casos em diálogo com a respectiva conferência episcopal e sob a supervisão do Dicastério para a Doutrina da Fé.

Uma vez apurados os fatos, o bispo deve enviar os resultados ao dicastério, que analisa tanto o material recebido como o procedimento seguido pelo bispo. Até que o Dicastério para a Doutrina da Fé se pronuncie, “o Bispo Diocesano se absterá de dar qualquer declaração pública relativa à autenticidade ou sobrenaturalidade de tais fenômenos”.

“Se porventura, em correlação ao presumido evento sobrenatural, surgissem formas de devoção, mesmo sem um culto propriamente dito, o Bispo Diocesano tem o grave dever de iniciar o quanto antes uma acurada investigação canônica com o fim de salvaguardar a fé e prevenir abusos”, diz o documento.

“O Bispo Diocesano tenha particular cuidado em conter, com os meios à sua disposição, as manifestações religiosas confusas ou a divulgação de eventuais materiais relativos ao presumido fenômeno sobrenatural (por exemplo: lacrimações de imagens sacras, sudorações, sangramentos, mutações de Hóstias consagradas etc.), com o fim de não alimentar um clima sensacionalista”, continua o documento.

Se o fenômeno afeta mais de uma diocese, o documento diz que “quando for implicada a competência de mais Bispos Diocesanos, seja em razão do lugar de domicílio das pessoas envolvidas no presumido fenômeno, seja em razão do lugar de difusão das formas de culto ou de devoção popular, tais Bispos, tendo consultado o Dicastério para a Doutrina da Fé, podem constituir uma Comissão interdiocesana que, presidida por um deles, proveja à instrutória segundo os artigos seguintes”.

Critérios positivos e critérios negativos em relação às supostas aparições

Ao avaliar as provas e os testemunhos recolhidos, o bispo deve levar em conta uma série de critérios positivos e negativos detalhados pela Santa Sé.

Entre os positivos estão “a credibilidade e a boa fama das pessoas que afirmam ser destinatárias de eventos sobrenaturais”; “o caráter imprevisível do fenômeno, a partir do qual apareça claramente que não é fruto da iniciativa das pessoas envolvidas” e “os frutos de vida cristã. Entre estes, verifique-se a presença do espírito de oração, conversões, vocações sacerdotais e à vida religiosa, testemunhos de caridade, como também uma sadia devoção e frutos espirituais abundantes e constantes. Avalie-se a contribuição de tais frutos no crescimento da comunhão eclesial”.

Os critérios negativos propostos para o discernimento incluem observar “A eventual presença de um erro manifesto acerca do fato”, “eventuais erros doutrinais” ou “um espírito sectário, que gera divisão no tecido eclesial”.

Também deve ser observado se há uma busca evidente de lucro, poder, fama, notoriedade social, “interesse pessoal ligado diretamente ao fato”, “atos gravemente imorais realizados pelo sujeito ou por seus seguidores no momento ou em ocasião do fato” ou “alterações psíquicas ou tendências psicopáticas presentes no sujeito, que possam ter exercido influência sobre o presumido fato sobrenatural, ou senão psicose, histeria coletiva ou outros elementos reconduzíveis a um horizonte patológico”.

Ao concluir a investigação, o bispo emite um voto pessoal segundo as seis declarações previstas que deve ser ratificada pelo dicastério para a Doutrina da Fé. “No caso em que se adote uma determinação cautelar (cfr. art. 18, 2°-4°) ou negativa (cfr. art. 18, 5°-6°), esta deve ser publicada formalmente pelo Bispo Diocesano, depois da aprovação do Dicastério. Ela seja redigida com uma linguagem clara e compreensível a todos, tendo-se avaliado a oportunidade de tornar conhecidas as razões da decisão tomada e os fundamentos doutrinais da fé católica implicados, de modo a favorecer o crescimento de uma sadia espiritualidade”, diz o documento.

“Qualquer que seja a determinação aprovada, o Bispo Diocesano, pessoalmente ou através de um Delegado, tem o dever de continuar a vigiar sobre o fenômeno e sobre as pessoas envolvidas, exercitando especificamente o seu poder ordinário” e que “o Dicastério para a Doutrina da Fé tem a faculdade de intervir motu proprio em qualquer momento e estado do discernimento relativo aos presumidos fenômenos sobrenaturais”.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/58070/santa-se-publica-novas-normas-para-avaliar-aparicoes-pela-igreja

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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