Quem pode celebrar a eucaristia? – EB (Parte 3)

O caso das comunidades
ameaçadas de ficar sem Eucaristia por falta de presbíteros não é argumento para
se instaurarem “celebrantes” delegados da assembleia. Não compete aos
homens retocar a estrutura da Igreja instituída pelo Senhor Deus; qualquer
tentativa de alterar a essência da Igreja seria sacrílega e inválida. 0 que se
pode propor no caso, é o seguinte:

procurem os fiéis, sem
Missa, unir-se espiritualmente à Eucaristia celebrada em outras partes do
mundo. “Não lhes faltará a graça do Redentor (…). Mediante o voto do
sacramento em união com a Igreja, ainda que estejam muito afastados
externamente, estão unidos a ela íntima e realmente, e, por isso, recebem os
frutos do sacramento”.

Os Srs. Bispos, em
conformidade com a Santa Sé, têm instituído ministros extraordinários da
Comunhão Eucarística. Estes podem distribuir o sacramento da Eucaristia (embora
não celebrem a Missa) após a Liturgia da Palavra devidamente realizada. Assim
pode tornar-se cada vez mais raro o caso de alguma comunidade ficar privada da
Eucaristia.

É claro que estas formas de
resolver o problema não dispensam os Bispos, os sacerdotes e os fiéis de rezar
para que se multipliquem as vocações sacerdotais, e de contribuir com seus
esforços para que o chamado do Senhor nos corações de jovens e adultos encontre
os meios necessários para chegar à plena realização.

Na verdade, a função dos
Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística não foi afetada pela Carta da
Santa Sé em foco. Como
dito, a problemática não versa sobre a distribuição da S. Eucaristia, mas sobre
a consagração eucarística por parte de leigos. A figura dos Ministros
Extraordinários da Comunhão Eucarística, foi confirmada pelo Novo Código de
Direito Canônico, que reza:

“Cânon 910 – § 1º
Ministro ordinário da Sagrada Comunhão é o Bispo, o presbítero e o diácono.
§ 2º Ministro extraordinário da Sagrado Comunhão é o acólito ou outro fiel
designado de acordo com o cân. 230, § 3º”.

Eis o teor do Canon 230, §
3º mencionado:

“Onde a necessidade da
Igreja o aconselhar, podem também os leigos, na falta de ministros, mesmo não
sendo leitores ou acólitos, suprir alguns de seus ofícios, a saber, exercer o
ministério da palavra, presidir às orações litúrgicas, administrar o batismo e
distribuir a Sagrada Comunhão, de acordo com as prescrições do Direito”

Observam os comentadores que
este último Cânon não reserva os referidos ministérios aos homens apenas, mas,
falando de leigos (laici) compreende tanto homens como mulheres.

Não se pode negar que os
fiéis católicos têm o direito, concedido por Deus, de participar da S.
Eucaristia. Quando a Igreja ensina que essa participação só pode ocorrer
mediante o ministério de um presbitero devidamente ordenado, Ela não está
criando um direito eclesiástico que se oponha ao direito divino; tal não
compete à Igreja. Está simplesmente transmitindo aquilo que Cristo lhe
entregou: o poder de consagrar a Eucaristia foi concedido apenas aos doze
Apóstolos presentes à última ceia; Cristo assim instituiu O sacerdócio
ministerial, precisamente para que a Eucaristia pudesse ser celebrada através
dos séculos.

Na verdade, a habilitação
para consagrar o pão e o vinho eucaristicos não é uma questão de autorização ou
de direito apenas (como o pregar em alguma igreja pode depender de autorização
do Bispo local); com efeito, não é uma questão jurídica, mas é questão
ontológica. Questão de ser ou não ser inserido adequadamente no sacerdócio de
Cristo.

Por isto não se pode dizer
que a Igreja, com seu direito eclesiástico, se torna obstáculo ao exercício de
direitos conferidos aos fiéis por Deus. 0 assunto em pauta transcende à esfera
discutível do direito, pois pertence ao plano ontológico.

A Eucaristia é, como dito, a
perpetuação do sacrifício de Cristo sobre os altares para que a Igreja, dela
participe. A união com Cristo assim efetuada acarreta conseqüentemente a união
de cada um com os irmãos. Por isto, a Eucaristia é também fator de união e
comunhão com os homens; mas ela só é tal se considerada, em primeiro plano,
como elemento de união com o Senhor Jesus. Há sempre oportunidade de celebrar a
Eucaristia entre, fiéis católicos, quer se conheçam, quer não se conheçam, ou
independentemente do grau de relacionamento que os una entre si; para que a
Eucaristia seja frutuosa, basta que os membros da assembléia tenham consciência
de formar o Corpo de Cristo unificado pela mesma fé, pelo mesmo Batismo, pelo,
mesmo amor, pela mesma esperança (…).

4. Vigilância

Em sua parte final, a Carta
da Santa Sé mostra que a atitude da Igreja, no caso, é um serviço… “serviço
de apascentar a grei do Senhor com o alimento da verdade e de conservar íntegra
a unidade da Igreja”. Quem inova em ‘coisas essenciais na Igreja, não
edifica a comunidade, mas destrói a sua face humana’. Na verdade, não é
possível alguém unir-se ao Corpo de Cristo por uma pretensa celebração da
Eucaristia, se dilacera o Corpo do Senhor que é a Igreja.

Por conseguinte, incumbe aos
Pastores o grave dever de vigiar para que não se difundam as errôneas idéias
denunciadas na Carta, nem sejam aplicadas na prática das comunidades católicas.
Toca-lhes também o dever de cuidar para que na catequese sejam congruamente
valorizados os sacramentos da Ordem e da Eucaristia. É o Apóstolo quem exorta: “Prega
a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, confuta, exorta com toda a
longanimidade e o desejo de instruir. Vigia atentamente, resiste a provação,
prega o Evangelho e cumpre o teu ministério” (2Tm 4,2-5).

Com estas palavras, o
Apóstolo incute uma missão que, sem dúvida, é árdua, mas se torna inevitável ao
bom pastor, que pode chegar a ter que dar a vida por suas ovelhas.

5. Reflexão final

As novas teses impugnadas
pela S. Congregação para a Doutrina da Fé têm importância a mais de um título:

afetam o conceito da Igreja;

destroem a noção de
Eucaristia.

Em última análise, elas se
devem a duas fontes de inspiração:

o espírito democratizante de
nossos dias, que tende a nivelar todas as funções na sociedade: assim como,
segundo Paulo Freire, não há mais educador de educandos, assim também não
haveria pastores ou autoridades propriamente ditas na sociedade e na Igreja;

a eclesiologia protestante,
que reduz a Igreja a uma Congregação, a qual muito se assemelha às demais
sociedades humanas e, portanto, é mutável como é mutável a opção política ou a
opção profissional de cada cidadão.

0 Concilio do Vaticano II
respondeu às tendências democráticas do nosso tempo, utilizando a imagem de
Povo de Deus para designar a Igreja. Tal imagem lembra a igualdade fundamental
de todos os cristãos, baseada nos sacramentos do Batismo e da Crisma; todavia
não exclui que, sobre a mesma base comum, se sobreponham vocações particulares
incutidas pelo próprio Deus para a edificação do Corpo de Cristo; assim o
próprio Sumo Pontífice, pelo fato de ser batizado, é um cristão como os demais,
mas, por ter sido chamado por Deus a especial forma de pastoreio ou de
construção da Igreja, distingue-se dos demais homens, não por arrogância
pessoal, mas por servir fiel e humildemente a Deus e aos irmãos dentro do seu
ministério próprio. Veja-se a Constituição Lumen Gentium, que apresenta no
capitulo II a imagem do Povo de Deus; a seguir, explana as vocações
particulares, que são a da hierarquia (c. III), a dos leigos (c. IV), a dos
Religiosos (c. VI). O novo Código de Direito Canônico seguiu o mesmo esquema.

Em última análise, é a visão
de fé que parece ressentir-se de oscilações em nossos dias, acarretando as
dolorosas conseqüências apontadas no documento em pauta. Exorta o
Senhor no Apocalipse:

“Guarda o que tens,
para que ninguém arrebate a tua coroa” (Ap 3,19).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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