Profecias de São Malaquias – EB

Revista “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb






Profetas e “profetas”:



e as profecias de São Malaquias?

Em síntese: As “profecias” de
S. Malaquias, que voltaram à baila por ocasião do último conclave
pontifício, carecem do toda e qualquer autoridade, segundo os resultados
da boa crítica histórica.

S. Malaquias (1095-1140) foi bispo do Armagh na Irlanda no século XII.
Até o século XVI nenhum autor ou documento mencionou as suas
“profecias”; estas foram ignoradas até 1595, quando o beneditino Arnoldo
do Wyon as Inseriu no seu opúsculo “Lignum Vitae”. Hoje em dia pode-se
dizer que tal documento teve origem em 1590 durante o conclave  que
devia eleger o sucessor de Urbano VII; entro os Cardeais mais em vista
estava Simoncelli, cidadão do Orvieto e antigo bispo desta cidade; ora
os amigos do Simoncelli quiseram favorecer a eleição deste prelado,
apresentando  uma lista “profética” de 111 Papas em que o sufragado
após   Urbano VII era o Papa “De antiquitate urbis” (Da antiguidade da
cidade). Isto é, o Papa de Orvieto (= Urbs vetus, cidade antiga); em
vista disto,    forjaram uma série de dísticos papais mais ou menos
condizentes com a realidade desde Celestino II (1143-1144), mas assaz
arbitrária após Urbano  VII. Todavia essa fraude foi vã, pois quem saiu
eleito do conclave em 1590 foi o Cardeal Sfrondate, arcebispo do Milão,
que tomou o nome de Gregório XIV.

Estes dados bastam para dissipar qualquer dúvida acerca da pretensa autoridade das “profecias” de São Malaquias.

*   *   *

Comentário: Estiveram mais uma
vez em grande voga as ditas “profecias de S. Malaquias” por ocasião do
último conclave papal em outubro 1978. A imprensa as mencionava como
referencial para se predizer a identidade do futuro Papa; as conjeturas
foram as mais variadas possíveis, pretensamente apoiadas também em
outras fontes de prognósticos (Nostradamus e semelhantes). Verificou-se,
porém, que os resultados foram totalmente diversos do que se previa – o
que bem mostra que a S. Igreja transcende as cate¬gorias dos homens e,
em última análise, é regida pelo próprio Deus; quem a queira considerar
segundo critérios meramente humanos, arrisca-se a falhar, por completo,
em suas perspectivas. Pode-se esperar que as lições do último conclave
contribuam para avivar no público a consciência desta verdade.

Em vista da atualidade que continuam tendo as “profecias” de S.
Malaquias (as quais preveem o fim do mundo para o ano 2000
aproximadamente), proporemos abaixo alguns dados que ajudem o leitor a
julgar a autoridade de tal documento. Antes de mais nada, porém, será
necessário esboçar

1.  O conteúdo   das  “profecias”

São Malaquias de Armagh (distinga-se bem do profeta S. Malaquias, do
Antigo Testamento) nasceu na Irlanda em 1095 aproximadamente. Fez-se
monge em Bangor, tornando-se depois arcebispo-primaz de Armagh. Veio a
falecer em 1148.

É a esse santo que se atribui a famosa “Profecia dos Papas”, a qual terá
sido escrita em 1139, quando Malaquias passou um mês em Roma. Consta de
111 breves dísticos latinos, que tentam caracterizar a figura de cada
Pontífice desde Celestino II (1143-1144) até Pedro II, que presenciará o
fim do mundo. Esse texto, embora seja atribuído a um autor do séc. XII,
só se tornou de conhecimento público em 1595, quando o beneditino
Arnoldo de Wyon o inseriu no seu opúsculo “Lignum Vitae”, publicado em
Veneza naquele ano.

Os 111 dísticos no “Lignum Vitae” são acompanhados de breve comentário
do historiador espanhol Alonso Ciacconio 0. P. (+ depois de 1601). O
comentário aplica os dísticos da Profecia aos 74 Papas que governaram
desde Celestino II (+ 1144), um dos contemporâneos de S. Malaquias, até
Urbano VII (+ 1590); mostra como o conteúdo de cada oráculo se cumpriu
adequadamente na figura de cada Pontífice a que é referido. O comentário
de Ciacconio, indicando onde começa a série dos Papas considerados
pelos dísticos, permite calcular aproximadamente a época em que se
deverá dar o fim do Papado e a segunda vinda do Senhor;  assim contam-se
38 Pontífices desde Urbano VII (+ 1590) até o fim do mundo, sendo que o
Papa João Paulo II, que vem a ser “De labore solis” (Da fadiga do sol)
ainda terá dois sucessores, o último dos quais, Pedro II, verá, com a
geração dos seus contemporâneos, a consumação da história.

2.     A autoridade  da  “Profecia”

A Profecia de Malaquias, logo depois de divulgada em 1595, obteve
sucesso considerável. É inegável que os dísticos interpretados por
Ciacconio se aplicam bem aos Papas desde Celestino II até Urbano VII.

Eis alguns exemplos mais característicos:

Avis Ostiensis  (Ave de Óstia) convém adequadamente a Gregório IX
(1227-1241), que foi Cardeal-bispo de Óstia e tinha uma águia em seu
brasão;

De parvo homine (Do pequeno homem) corresponde a Pio III (+ 1503), que se chamava Francisco Piccolomini (Pequeno homem);

Jerusalem Campaniae (Jerusalém da Campanha) designa bem Urbano IV
(1261-1264), nascido em Troyes (Campanha) e Patriarca de Jerusalém.

De Urbano VII (+ 1590) em diante, Ciacconio não interpretou mais os
oráculos. Muitos historiadores, porém, julgam que continuam a quadrar
bem com as figuras dos Pontífices que se têm assentado sobre a Cátedra
de Pedro.

Assim, para tomar exemplos recentes, indicar-se-iam

Crux de cruce (Cruz oriunda da cruz), dístico que designa Pio IX
(1846-1878) com acerto, pois este Pontífice sofreu duros golpes da parte
da Casa de Savoia, em cuja emblema figurava uma cruz;

Religio depopulata (Religião devastada) é o dístico bem adaptado a Bento
XV (1914-1922), que durante o seu pontificado assistiu à primeira
guerra mundial;

Fides intrepida  (Fé intrépida) corresponde a Pio XI (1922-1939),
Pontífice das missões e defensor da verdade contra modernas teorias
sociais e políticas;

Pastor et Nauta caracterizaria o Papa João XXIII ex-Patriarca de Veneza,
cidade das gôndolas, reconhecido por sua ardente têmpera de Pastor de
almas…

Admitida a veracidade da Profecia na base das observações acima, julgam
alguns autores que o fim do mundo não está longe (talvez venha por volta
do ano 2000), pois só deverá haver três Papas até a segunda vinda de
Cristo:

De labora solis  (Da fadiga do sol) = João Paulo II.

De gloria olivae  (Da glória da oliveira).

Para terminar, diz o texto (após o 111º dístico): “Durante a derradeira
perseguição, que a Santa Igreja Romana sofrerá, será Pontífice Pedro
Romano, que apascentará as suas ovelhas em meio a muitas tribulações.
Terminadas estas, a cidade das sete colinas será destruída, e o Juiz
terrível julgará seu povo”.
Procurando interpretar os dísticos acima, há quem queira prever a história dos tempos finais nos seguintes termos:

As divisas Pastor Angelicus (Pio XII), Pastor et Nauta (João XXIII) e
Flos Florum (Paulo VI) indicam um período de grande paz e bonança para a
religião (serão mesmo os nossos tempos? Parecem tão diferentes de tal
previsão). Santidade angélica deveria florescer no Pastor e nas ovelhas
da Igreja; o Pastor, sendo navegante, gozaria de grande prestígio no
mundo inteiro e empreenderia viagens intercontinentais a fim de
confirmar a pregação do Evangelho em toda parte (note-se, porém, que o
grande viajante não foi João XXIII, o Pastor et Nauta, mas, sim, Paulo
VI). Os três últimos dísticos insinuam os acontecimentos que deverão
preceder imediatamente a manifestação do Anticristo; flagelos, como uma
calamitosa expansão do islamismo (Lua crescente), apenas e fadigas sobre
os filhos da luz (Sol); além disto, a almejada conversão dos judeus a
Cristo (a oliveira simboliza o povo judaico em Rm 11,17-20). Depois
disto, sob o Papa Pedro II, Cristo aparecerá como Juiz Universal…


Que dizer dessas conjeturas?

Carecem de autoridade. Usando de toda a objetividade, os bons críticos
não hesitam em rejeitar a autenticidade da Profecia de Malaquias.

Quem primeiramente a impugnou apelando para argumentos ainda hoje
plenamente válidos, foi o Pe. Ménestrier S. J., no seu livro
“‘Réfutation des Prophéties faussement attribuées à S. Malachie sur les
élections des Papes”‘ (Paris 1689). Eis as principais razões desde então
aduzidas contra a genuinidade das Profecias:

1) Durante cerca de 450 anos, isto é, desde S. Mala¬quias (+1148) até o
opúsculo “Lignum Vitae” (1595), jamais autor algum fez alusão aos
oráculos de S. Malaquias; nem os historiadores medievais e
renascentistas, ao escrever a Vida dos Papas, mencionam tal documento,
que certamente deveria ser citado, caso fosse conhecido. E por que
motivo, em que circunstâncias, teria este caído em mãos de Ciacconio,
seu comentador, após 450 anos de ocultamento? E como de Ciacconio terá
sido transmitido a Wyon, que o editou pela primeira vez?

2)  Ao argumento do silêncio associa-se a verificação de faltas
históricas e teológicas na Profecia de Malaquias. De fato, na lista dos
Papas figuram antipapas (como Vitor IV, 1159-1164; Nicolau V, 1328-1330;
Clemente VII, 1378-1394), efeito este que dificilmente se poderia
atribuir à inspiração divina. A finalidade mesma da Profecia (insinuar a
época do fim do mundo) parece contrariar à intenção de Cristo, que em
mais de uma ocasião se negou a revelar aos homens a data do juízo final
(cf. Mc 13,32; At 1,7). Além disto, a aplicação dos dísticos aos
respectivos Papas baseia-se em notas por vezes acidentais na figura dos
respectivos Pontífices, o que lhe dá um cunho de arbitrário; assim
Nicolau V (legítimo Papa de 1447 a 1455) traz a dístico De modicitate
lunae (Da pequenez da Lua) por ter nascido de família modesta no lugar
chamado Lunegiana; Pio II (1458-1464) é assinalado “De capra et albergo
(Da cabra e do albergue) por haver sido secretário dos Cardeais
Capranica e Albergati!”

Positivamente podem-se indicar as circunstâncias que deram ocasião à
falsificação: observe-se, antes do mais, que os dísticos dos Papas até
1590 aludem todos a traços concretos e particulares de cada Pontífice:
lugar e família de origem, cargos exercidos antes da eleição, figuras
dos brasões, etc. – De 1590 em diante, porém, os oráculos apenas referem
qualidades morais, cuja aplicação é assaz vaga, podendo convir a mais
de um Pontífice; assim “Vir Religiosus” (Varão religioso), Ignis ardens
(Fogo ardente), Fides intrepida (Fé intrépida); qual Papa não mereceria
esses qualificativos, caso não fosse de todo indigno?

Observada esta diferença, julgam alguns críticos que a “Profecia de São
Malaquias” foi forjada justamente nesse ano de 1590, quando o
falsificador já conhecia parte da história dos Papas que ele havia de
caracterizar, ficando-lhe desconhecida a outra parte (a do futuro). O
ensejo para se inventar a “Profecia” terá sido o conclave de 1590, após a
morte de Urbano VII; o certame foi árduo, durando um mês e dezenove
dias. Entre os prelados mais em vista, achava-se o Cardeal Simoncelli,
cidadão de Orvieto e antigo bispo desta cidade; ora julga-se que as
amigos de Simoncelli pretenderam favorecer a eleição deste candidato,
apresentando aos interessados uma lista “Profética” de Papas em que o
sufragado pelo Espírito Santo após o Pontífice Urbano VII era o Papa De
antiquitate urbis (Da antigüidade da cidade), isto é, o Papa de Orvieto
(= Urbs vetus = cidade antiga); em vista disto, terão forjado uma série
de dísticos papais condizentes com a realidade desde Celestino II (no
século XII), mas assaz arbitrária após Urbano VII. Essa lista, com a
qual os mistificadores quiseram associar até mesmo o nome abalizado de
São Malaquias, não logrou o desejado efeito, pois na verdade quem saiu
eleito do conclave foi o Cardeal Sfrondate, arcebispo de Milão, que
tomou o nome de Gregório XIV… É esta uma das explicações mais
correntes dos motivos que terão inspirado a pseudo-profecia de S.
Malaquias!

Ménestrier, na abra referida, cita outro caso semelhante ao de recurso à
“autoridade divina” para decidir a eleição de um Papa. Após a morte de
Clemente IX (1669), alguns adeptos do candidato Cardeal Bona,
lembrando-se do texto de Eclo 15,1: “Quem teme a Deus, fará obras boas
(bona)” (Qui timet Deum, faciet bona), espalharam o seguinte trocadilho:

“Grammaticae leges plerumque Ecclesia spernit:

Esset Papa bonus si Bona Papa foret”.

“As leis da gramática, geralmente a Igreja as despreza.
Haveria um bom Papa, se Bona Papa fosse”.

Diante destas observações da crítica abalizada, vê-se que vão seria
evocar a “Profecia” de S. Malaquias, seja para ilustrar a história do
Papado, seja para prever o decurso dos futuros tempos ou mesmo a época
da segunda vinda de Cristo.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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