Papa Francisco indica arcebispo argentino como chefe do dicastério de doutrina

Segundo o ACI Digital (02/07/2023), o papa Francisco nomeou o arcebispo Victor Manuel Fernández, seu teólogo pessoal e ghostwriter de longa data, prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé.

O bispo argentino sucede o cardeal Luis Ladaria Ferrer, SJ, de 79 anos, que foi prefeito do dicastério desde 2017.

Segundo a Santa Sé, Fernández, de 60 anos, irá assumir seu novo posto na metade de setembro. O prolífico escritor era arcebispo de La Plata, na Argentina, desde 2018.

“Como o novo prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, confio a ti uma tarefa que considero muito valiosa”, escreveu o papa em uma carta a Fernández com o anúncio de sua indicação publicada ontem (1).

O papa disse que o dicastério promoveu, por vezes, a perseguição de “erros doutrinais” em vez de “promover o conhecimento teológico”.

“O que espero de si é certamente algo muito diferente”, disse Francisco. “Peço-lhe, como Prefeito, que dedique o seu empenho pessoal de forma mais direta ao objetivo principal do Dicastério que é ‘guardar a fé’ ” .

Fernández postou uma foto sua com o papa Francisco na última sexta (30), um dia antes de ser anunciado como prefeito do dicastério.

Ele passou a semana com o papa e chamou isso de “a nova etapa de Francisco”.

“Ele trabalha mais horas do que qualquer um no Vaticano”, o arcebispo escreveu em espanhol. “Aqui ele é visto cansado após cinco horas densas, mas após a sesta ele estava perfeito e feliz”.

Fernández é uma figura controversa na Igreja na Argentina, em parte por causa de algumas de suas publicações anteriores. O teólogo publicou mais de 300 artigos e livros.

O papa Francisco, que conhece Fernández há décadas, teria confiado a ele a redação de sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium , um texto no qual o arcebispo citou sua própria bolsa de estudos anterior como documento fonte.

O arcebispo também estava supostamente envolvido na redação de Amoris Laetitia , a exortação apostólica do papa Francisco de 2016 sobre o amor na família, que se seguiu aos dois sínodos da Igreja sobre a família.

Fernández esteve fortemente envolvido em ambos os sínodos sobre a família em 2014 e 2015 e fez parte da comissão para a redação do relatório final do sínodo de 2015.

Ao citar suas exortações apostólicas Evangelii Gaudium e Gaudete et Exsultate, o papa Francisco escreveu que a tarefa de Fernández como novo chefe do escritório de doutrina do Vaticano deveria “exprimir que a Igreja encoraja o carisma dos teólogos e o seu esforço de investigação teológica”, desde que “não se contentem com uma teologia de gabinete”[8], com “uma lógica fria e dura que procura dominar tudo. Será sempre verdade que a realidade é superior à ideia.”

Fernández nasceu em 1962 na pequena cidade rural de Alcira, na província de Córdoba. Foi ordenado sacerdote em agosto de 1986 em Río Cuarto, uma diocese predominantemente rural. Em 1988 formou-se em teologia com especialização bíblica na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e depois obteve o doutorado em teologia na Universidade Católica Argentina (UCA) em 1990. Foi pároco de Santa Teresita, em Río Cuarto, em Córdoba, de 1993 a 2000 e foi fundador e diretor do Instituto de Formação de Leigos Jesús Buen Pastor e Centro de Formação de Professores na mesma cidade.

No início da década de 1990 mudou-se para Buenos Aires, onde foi nomeado consultor de várias comissões da Conferência Episcopal Argentina e do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).

Tendo demonstrado grande capacidade de redação, Fernández foi trazido pelo então cardeal Jorge Bergoglio como perito à V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, conhecida como Conferência de Aparecida, durante a visita do papa Bento XVI ao Brasil.

Fontes afirmam que a conferência de Aparecida solidificou a relação entre o futuro papa e o teólogo.

De 2008 a 2009 foi reitor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica da Argentina e presidente da Sociedade Teológica Argentina.

Em 15 de dezembro de 2009, o cardeal Bergoglio nomeou Fernández como reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina. No entanto, Fernández não pôde prestar juramento até 20 de maio de 2011, depois de responder às objeções à sua nomeação levantadas por funcionários do Vaticano que expressaram preocupação com a ortodoxia de certos elementos de sua bolsa de estudos.

Escritor ávido, na época em que Fernández foi escolhido por Bergoglio como reitor da UCA, ele havia escrito centenas de artigos e livros, incluindo “Teologia Espiritual Encarnada” (2004), livro que apareceu na novela argentina “Esperanza Mía ”, sobre um caso de amor ilícito entre um padre e uma freira.

O livro comumente considerado como o mais incomum é o trabalho de 1995 “Heal Me With Your Mouth: The Art of Kissing”. Sobre o livro, Fernández explicou que “nestas páginas quero sintetizar o sentimento popular, o que as pessoas sentem quando pensam em um beijo, o que experimentam quando beijam… Então, tentando sintetizar a imensa riqueza da vida, essas páginas surgiram a favor do beijo. Espero que te ajudem a beijar melhor, que te motivem a liberar o melhor de si em um beijo.”

O livro desapareceu da maioria das listas oficiais das obras de Fernández.

O papa Francisco nomeou Fernández como arcebispo titular de Tiburnia em 13 de maio de 2013, tornando-o o primeiro reitor da UCA a se tornar arcebispo.

Segue na íntegra a carta do papa Francisco ao novo prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, traduzida do espanhol:

A Sua Excelência Reverendíssima

Mons. Víctor Manuel Fernández

Cidade do Vaticano, 1 de julho de 2023

Caro Irmão,

Como novo Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, confio-lhe uma tarefa que considero muito valiosa. O seu objetivo central é guardar o ensinamento que brota da fé para “dar razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam e condenam”[1].

O Dicastério a que Vossa Excelência presidirá, noutros tempos, chegou a usar métodos imorais. Eram tempos em que, em vez de promover o conhecimento teológico, se perseguiam possíveis erros doutrinais. O que espero de si é certamente algo muito diferente.

Foi decano da Faculdade de Teologia de Buenos Aires, presidente da Sociedade Argentina de Teologia e é presidente da Comissão de Fé e Cultura do Episcopado Argentino, em todos os casos votado pelos seus pares, que assim valorizaram o seu carisma teológico. Como reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina, favoreceu uma sã integração dos saberes. Por outro lado, foi pároco de “Santa Teresita” e até agora Arcebispo de La Plata, onde soube pôr em diálogo o saber teológico com a vida do santo Povo de Deus.

Dado que para as questões disciplinares – especialmente relacionadas com o abuso de menores – foi recentemente criada uma Secção específica com profissionais muito competentes, peço-lhe, como Prefeito, que dedique o seu empenho pessoal de forma mais direta ao objetivo principal do Dicastério que é “guardar a fé” [2].

Para não limitar o significado desta tarefa, é preciso acrescentar que se trata de “aumentar a inteligência e a transmissão da fé ao serviço da evangelização, para que a sua luz seja um critério de compreensão do sentido da existência, sobretudo perante as interrogações suscitadas pelo progresso da ciência e pelo desenvolvimento da sociedade”[3]. Estas interrogações, assumidas num renovado anúncio da mensagem evangélica, “tornam-se instrumentos de evangelização”[4], porque permitem entrar em diálogo com “o contexto atual, de uma forma sem precedentes na história da humanidade”[5].
Além disso, sabeis que a Igreja “precisa de crescer na interpretação da Palavra revelada e na compreensão da verdade”[6], sem que isso implique a imposição de um único modo de a exprimir. De facto, “as diferentes linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixarem harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem também fazer crescer a Igreja”[7]. Este crescimento harmonioso preservará a doutrina cristã mais eficazmente do que qualquer mecanismo de controle.

É bom que a vossa tarefa exprima que a Igreja “encoraja o carisma dos teólogos e o seu esforço de investigação teológica”, desde que “não se contentem com uma teologia de gabinete”[8], com “uma lógica fria e dura que procura dominar tudo”[9]. Será sempre verdade que a realidade é superior à ideia. Neste sentido, é preciso que a teologia esteja atenta a um critério fundamental: considerar “inadequada qualquer conceção teológica que acabe por pôr em dúvida a omnipotência de Deus e, em particular, a sua misericórdia”[10]. É necessário um pensamento capaz de apresentar de forma convincente um Deus que ama, que perdoa, que salva, que liberta, que promove as pessoas e as chama ao serviço fraterno.
Isto acontece se “o anúncio se concentrar no essencial, que é o mais belo, o maior, o mais atrativo e, ao mesmo tempo, o mais necessário”. Sabeis bem que há uma ordem harmoniosa entre as verdades da nossa mensagem, onde o maior perigo ocorre quando as questões secundárias acabam por ofuscar as centrais.

No horizonte desta riqueza, a vossa tarefa implica também um cuidado especial para verificar se os documentos do vosso Dicastério e dos outros têm um suporte teológico adequado, são coerentes com o rico húmus do ensinamento perene da Igreja e, ao mesmo tempo, têm em conta o Magistério recente.

Que a Virgem Santíssima vos proteja e guarde nesta nova missão. Por favor, não deixeis de rezar por mim.

Fraternalmente,

FRANCISCO


[1] Exhort. ap. Evangelii gaudium (24 noviembre 2013), 271.

[2] Motu proprio Fidem servare (11 febrero 2022), introducción.

[3] Ibíd., 2.

[4] Exhort. ap. Evangelii gaudium (24 noviembre 2013), 132.

[5] Carta enc. Laudato si’ (24 mayo 2015), 17.

[6] Exhort. ap. Evangelii gaudium (24 noviembre 2013), 40.

[7] Ibíd.

[8] Exhort. ap. Evangelii gaudium (24 noviembre 2013), 132.

[9] Exhort. ap. Gaudete et exsultate (19 marzo 2018), 39.

[10] Comisión Teológica Internacional, La esperanza de salvación para los niños que mueren sin bautismo (19 abril 2007), 2.

[11] Exhort. ap. Evangelii gaudium (24 noviembre 2013), 35

[01089-ES.01] [Texto original: Español]

A carta está disponível no boletim da sala de imprensa da Santa Sé de 1° de julho de 2023.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticias/papa-francisco-indica-arcebispo-argentino-como-chefe-do-dicasterio-de-doutrina-96770

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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