Os mártires da Revolução Mexicana

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No dia 28 de outubro de 2007, a Igreja beatificou 498 mártires espanhóis mortos barbaramente na Guerra Civil Espanhola de 1936-1939. Alguns anos antes (1926) algo semelhante aconteceu no México, onde muitos mártires foram mortos por serem católicos.

É preciso que nós católicos tomemos conhecimento desta barbárie praticada em pleno século XX contra a Igreja católica. Muitas vozes se levantam na imprensa e nas universidades para acusar a Igreja na Idade Média, mas se calam covardemente diante dessas barbáries cometidas contra leigos, padres, bispos e freiras inocentes e desarmados, tanto no México quanto na Espanha. É algo diabólico!

Em 22 de novembro de 1992, o Papa João Paulo II beatificou vinte e dois destes sacerdotes diocesanos mártires, destacando que “sua entrega ao Senhor e à Igreja eram tão firmes, que, ainda tendo a possibilidade de se ausentar de suas comunidades durante o conflito armado, decidiram, a exemplo do Bom Pastor, permanecer entre os seus para não privá-los da Eucaristia, da palavra de Deus e do cuidado pastoral”.

A Conferência do Episcopado Mexicano, no livro “Viva Cristo Rei!” (México, 1991), dá-nos breves biografias dos 25 mártires que foram beatificados.

“A solenidade de hoje [Cristo Rei]”, destacava João Paulo II na cerimônia de beatificação, “instituída pelo Papa Pio XI precisamente quando era mais vigorosa a perseguição religiosa do México, penetrou muito fundo naquelas comunidades eclesiásticas e deu uma força particular a estes mártires, de maneira que ao morrer muitos gritavam: Viva Cristo Rei!”.

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Em face da terrível perseguição contra a fé católica por parte do governo que se instalou no México, uma mistura de comunismo com socialismo, anarquismo e laicismo, os cristãos reagiram. Encontramos informação sobre a chamada “Cristiada” em obras como a de Aquiles P. Moctezuma, “El conflicto religioso de 1926”; Jean Meyer, “La cristiada”, I-III, e Lauro López Beltrán, “La persecución religiosa en México”.

A perseguição do governo à Igreja se caracterizou pela nacionalização dos bens eclesiásticos, a supressão das ordens religiosas, a secularização de cemitérios, hospitais e centros beneficentes, apoio a uma Igreja mexicana, uma tentativa de criar, em torno de um pobre padre, uma Igreja cismática “nacional” como na China.

A cristandade mexicana sustentou uma luta de três anos contra os Sem-Deus da época, a Cristiada [1926-1931], os laicistas da Reforma, haviam imposto a liberdade para todos os cultos, exceto o culto católico, submetido ao controle do Estado, à venda dos bens da Igreja, à proibição dos votos religiosos, à supressão da Companhia de Jesus e, portanto, de seus colégios, ao juramento de todos os funcionários do Estado em favor destas medidas, à deportação e ao encarceramento dos bispos ou sacerdotes que protestassem.

O Papa Pio IX condenou estas medidas, assim como Pio XI expressou sua admiração pelos “cristeros”.

A orientação anticristã do Estado cristalizou-se na Constituição de 1917, onde o Estado liberal moderno, agravando as perseguições estabelecia a educação laica obrigatória (art. 3), proibia os votos e o estabelecimento de ordens religiosas (5), assim como todo ato de culto fora dos templos ou das casas particulares (24). E não apenas perpetuava o confisco de bens da Igreja, mas proibia a existência de colégios de inspiração religiosa, conventos, seminários, bispados e casas curiais (27). Todas estas e outras muitas barbaridades semelhantes se impunham no México.

Um mês depois, o Papa publicou a encíclica “Iniquis afflictisque”, onde denunciou as agressões sofridas pela Igreja no México:

“Já quase não resta liberdade alguma à Igreja [no México], e o exercício do ministério sagrado se vê de tal maneira impedido, que é castigado, como se fosse um delito capital, com penas severíssimas”.

O Papa elogiou com entusiasmo a “Liga Nacional Defensora de la Libertad Religiosa”, espalhada “por toda a República, na qual seus membros trabalham concorde e assiduamente com o fim de ordenar e instruir a todos os católicos, para opor aos adversários uma frente única e solidíssima”. E comove-se ante o heroísmo dos católicos mexicanos: “Alguns destes adolescentes, destes jovens — como conter as lágrimas ao pensá-lo — foram lançados à morte com o rosário na mão, ao grito de Viva Cristo Rei! Inenarrável espetáculo que se oferece ao mundo, aos anjos e aos homens”.

López Beltrán, considerando os anos 1926-1929, dá o nome de 39 sacerdotes assassinados, e o de um diácono e seis religiosos (343-4). Guillermo Ma. Havers recolhe os nomes de 46 sacerdotes diocesanos executados no mesmo período de tempo (“Testigos de Cristo en México, 205-8”). Muitos destes padres pertenciam à arquidiocese de Guadalajara ou à diocese de Colima, pois seus prelados, Monsenhor Orozco y Jiménez e Monsenhor Velasco, permaneceram em seus postos, com boa parte de seu clero.

A todos, deve-se acrescentar o nome do padre jesuíta Miguel Agustín Pro Juárez, beatificado pelo papa João Paulo II em 25 de setembro de 1988. Por ocasião de um atentado contra o presidente Obregón, foram aprisionados e executados os autores do golpe, e, com eles, foram também eliminados o Padre Pro e seu irmão Humberto, que eram inocentes (23-11-1927).

Robert Roya, em “The Catholic Martyrs of The Twentieth Century”, pp. 17-18, traz um relato impressionante:

“Dos mártires daqueles dias, nenhum chamou tanto a atenção do público no México e no resto do mundo como o Jesuíta Miguel Agustín Pro. Pro foi morto por um pelotão de fuzilamento em frente das câmeras dos jornais que o governo trouxera para gravar o que esperava ser o constrangedor espetáculo de um padre implorando por misericórdia. Foi uma das primeiras tentativas modernas de usar a mídia para a manipulação da opinião pública com propósitos anti-religiosos. Mas, ao invés de vacilar, Pro demonstrou grande dignidade, pedindo apenas a permissão de rezar antes de morrer. Após alguns minutos de prece, levantou-se, ergueu seus braços em forma de cruz – uma tradicional posição de oração mexicana – e, com voz firme, nem desafiante, nem desesperada, entoou de forma comovente palavras que desde então se tornaram famosas: ‘Viva Cristo Rey’.

“Longe de ser um triunfo da propaganda para o governo, as fotografias da execução de Pro tornaram-se objeto de devoção católica no México e de constrangimento do governo por todo o mundo. Oficiais tentaram suprimir sua circulação, declarando a mera posse de tais fotos um ato de traição, mas não tiveram sucesso…”

“Dios mío, ten misericordia de ellos. Dios mío, bendícelos. Señor, tu sabes que soy inocente. Con todo mi corazón perdono a mis enemigos” [Deus meu, tende misericórdia deles. Deus meu, abençoai-lhes. Senhor, tu sabes que sou inocente. Com todo meu coração perdôo a meus inimigos].

“O pelotão dispara. Ouve-se ainda as últimas palavras de Pro, firmes, devotas, “Viva Cristo Rei!”. Eis o brado dos cristeros. Futuramente, o exército callista cortaria a língua dos mártires para que, ao morrer, não confessassem Cristo”.

“Pro cai, mas não morre. Um soldado aproxima-se e dá o último tiro”. Podemos dizer por Padre Pro: “Muero, pero Dios no muere!” [Morro, mas Deus não morre!]

Prof. Felipe Aquino

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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