Os mais belos sermões de Hugo de São Vítor – Parte 3

Como não vemos,
portanto, que este povo não poderá ser pior do que si mesmo e que nenhum outro
povo mau haverá de vir depois dele? Neste o peso dos males manifestado pela
palavra profética já parece ter-se espalhado, pelo que se diz:

 “Ai de vós, os
que ao mal chamais bem, e ao bem mal, que tomais as trevas por luz, e a luz por trevas, que tendes o amargo por doce, e o doce por amargo!

 Ai de vós, os que
sois sábios a vossos olhos e,segundo vós mesmos, prudentes!

 Ai de vós os que
sois poderosos por beber vinho, e fortes para fazer misturas inebriantes!

Vós os que justificais o ímpio pelas dádivas, e ao justo tirais o
seu direito!”. Is. 5, 20-23

 De todas estas
coisas, irmão caríssimos, há muito mais que poderia ser dito, as quais temos que
omití-las por causa da brevidade.

 “Ide, anjos
velozes, a um povo terrível, após o qual não há outro, a uma gente que
espera e é pisada”.

 O que ela espera? A
vossa palavra, o vosso exemplo, o vosso amparo e, pela vossa solicitude e pelo
vosso serviço, o auxílio e o dom divino. Espera a vossa palavra, para que possa
aprender; o vosso exemplo, para que dele receba a forma; o vosso amparo, para
que seja defendido; por vossa solicitude e serviço, o auxílio e o dom divino
para que possa ser libertado do mal e justificado no bem.

 “E é
pisada”.  Quem a pisou? Todos
os demônios, que continuamente dizem à sua alma: “Curva-te, para que
passemos por ti”. De fato, os maus, os que desprezam as coisas celestes, e
se curvam para as terrenas, oferecem aos demônios o caminho para serem por eles
pisados e atravessados.

Segue-se:

 “Cujos rios
destroçaram sua terra”.

Quem são estes rios
que destroçam a terra dos que vivem mal? Onde os vícios fluem com
impetuosidade, carregam consigo os maus aos tormentos. O que é a destruição da
terra, senão a dissipação de qualquer virtude? Os rios, portanto, destroçam a
terra dos maus quando os vícios lhes removem as virtudes. A soberba, de fato,
remove a humildade, a ira remove a paz, a inveja a caridade, a acédia a
exultação espiritual, a avareza a liberalidade, a luxúria a continência.

 “Ide, anjos
velozes, a uma gente desolada e dilacerada, a um povo terrível, após o qual não há outro, uma gente que espera
e é pisada, cujos rios
destroçaram sua terra”.

 “Naquele tempo”,
acrescenta logo em
seguida Isaías, “será levada
uma oferta ao Senhor dos exércitos por um povo desolado e dilacerado, por um povo terrível, após o qual não houve
outro, por uma gente que espera e é pisada, cujos rios
destroçaram a sua terra”. Is. 18, 7

 De que tempo nos
fala o profeta? Daquele tempo em que tiverdes ido a este povo ao qual sois
enviados e, pelo vosso ensino, o tiverdes curado dos males que já mencionamos.
Que oferta então será levada ao Senhor? Uma oferta de gratidão, um holocausto
entranhado e medular, um voto interior, que será levado ao lugar do nome do
Senhor, ao monte Sião, isto é, à Santa Igreja.

Ide, pois, anjos
velozes, e ensinai ao povo terrível, cumpri o vosso ministério. Se assim o
fizerdes, alcançareis para vós um bom lugar. Que a vós e a nós conceda esta
graça aquele que nos promete também a glória, Jesus Cristo, Nosso Senhor, o
qual vive e reina, por todos os séculos dos séculos.

 Amén. 
SERMO XXXIX

 Sobre a Cidade Santa
de Jerusalém, segundo o sentido moral.

“Jerusalém,
cidade santa, e cidade do
Santo”. Apoc. 21, 2 (Is.   52, 1)

Jerusalém, segundo o
sentido histórico, é a cidade terrena; segundo o sentido alegórico, a santa
Igreja; segundo o sentido moral, a vida espiritual; segundo o sentido
anagógico, a pátria celeste. Deixando de lado os outros sentidos, exporemos a
seguir o que diz respeito ao sentido moral, esforçando-nos para que, com sua
descrição, possamos edificar os bons costumes.

Assim como
Babilônia, isto é, a vida mundana, tem as suas vias e as demais coisas que já
descrevemos, assim também a santa Jerusalém, que é a vida espiritual, possui a
disposição de sua edificação no bem. Possui, a saber, o seu muro, as suas vias,
os seus edifícios, as suas portas. Um muro exterior circunda-a em toda a sua volta,
pelo qual é protegida por uma rigorosa, contínua e perfeita disciplina de bons
costumes. Em seu interior possui sete vias nas sete virtudes contrárias aos
sete vícios que já descrevemos quando falamos de Babilônia. Na vida santa e
espiritual encontramos, de fato, a humildade, que é contrária à soberba; a
caridade, que é contrária à inveja; a paz, que é contrária à ira; a alegria
espiritual, que é contrária à acédia; a liberalidade, que é contrária à
avareza; a abstinência, que é contrária à gula; a continência, que é contrária
à luxúria. Não será também inútil descrever as partes destas vias, tanto as que
estão de um lado como as que estão de outro.

Na primeira via da
santa cidade, que dissemos ser a humildade, encontra-se de um lado aquela
humildade que o homem possui e que exibe interiormente apenas a Deus em
segredo, e de outro aquela humildade que o homem possui e exibe exteriormente e
de modo manifesto ao próximo por causa de Deus. O Senhor nos mostra o bom fruto
desta virtude ou via quando nos diz:

 “Todo aquele
que se humilha será exaltado”. Luc. 14, 11

Quanto mais, de
fato, alguém por causa de Deus se humilha no presente, tanto mais sublime será
junto de Deus no futuro.

A segunda via é a
caridade, na qual de uma parte encontra-se o amor de Deus, e de outra o amor do
próximo. De um lado, com efeito, é-nos preceituado que amemos a Deus com todo o
coração, com toda a alma, com todas as forças e com toda a memória; e de outro
é-nos preceituado amar o próximo como a nós mesmos. O Senhor nos mostra por si
mesmo qual e quão bom é o fruto da caridade, onde nos diz que”Destes dois
mandamentos depende toda a Lei e os profetas”. Mat. 22, 40

É daqui também que
procede o que nos diz o Apóstolo:

 “A plenitude da
Lei é o amor”. Rom. 13, 10

 A terceira via da
Jerusalém espiritual é a paz. Num dos lados desta via encontra-se a concórdia
interior com Deus, no outro a concórdia exterior com o próximo. O Senhor nos
preceitua que habitemos em ambas e que esta via esteja no meio de nós quando
nos diz:

“Tende sal em
vós, e tende paz uns com os outros”. Mc. 9, 50
Quão grande seja o
seu fruto Ele também no-lo mostra em outro lugar, onde diz:

“Bem
aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”. Mt. 5, 9

Grande é este fruto,
um grande bem. Porque, “Se somos
filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo”. Rom. 8, 17

A quarta via
espiritual desta cidade é a alegria, da qual em um lado encontra-se aquela
exultação que somente é percebida interiormente pelo afeto, e em outro aquela
que também se manifesta exteriormente aos sentidos. Às vezes, de fato, tanta
alegria nos é infundida do céu na alma que não somente ela pode ser percebida
interiormente, como também pode ser reconhecida exteriormente no semblante, na
voz, nos gestos e nos movimentos, conforme nos diz o Salmista:

 “Meu coração e
minha carne exultaram no Deus
vivo”. Salmo 83, 3

 Se a Sagrada
Escritura narra que a voz do povo de Deus, quando se alegrava e louvava ao
Senhor, era ouvida ao longe, quem se admirará que quando aquele pai exultou
interiormente de alegria pelo filho que retornava ao coração depois de haver
prevaricado, o coro e a sinfonia de alegria eram ouvidos juntos do lado de fora
(Luc. 15,25)? Por isso é que também a mesma Escritura testemunha ser-nos
proibida a tristeza nas solenidades dos dias sagrados, quando declara:

 “Este dia é
santificado ao Senhor vosso Deus. Não estejais tristes, nem queirais chorar.

Ide, e comei carnes
gordas e bebei vinho misturado com mel, e mandai quinhões aos que não têm nada preparado para si, porque este é um dia santo do Senhor.

Não estejais
tristes, porque a alegria do Senhor é a nossa
fortaleza”. 2 Esd. 8, 9-10

É pelo mesmo motivo
que também o Salvador nos diz:

 “Porventura
podem os amigos do esposo jejuar, enquanto o esposo está com eles?” Luc. 5, 34

Esta alegria que é
vivida ou exibida aos fiéis no comer e no vestir nas solenidades dos dias
sagrados é boa para os que dela fazem bom uso, pois assim como é da casa de
Deus que procede para eles, assim também é para a honra de Deus que é vivida
por eles. Qual e quão grande seja a utilidade desta virtude no-lo é declarado
pelo Apóstolo Paulo onde ele diz, escrevendo aos Coríntios sobre as coletas:

 “Cada um (doe)
conforme propôs no seu coração, não com tristeza, nem constrangido, porque Deus ama o que dá com alegria”. 2 Cor. 9, 7

 A quinta via da
cidade santa é a liberalidade, constituída em um de seus lados pela justa
aquisição e em outro pela distribuição feita com discernimento. A justa
aquisição constitui um de seus lados porque a liberalidade religiosa e honesta
despreza a viver ou dar a riqueza adquirida pelo saque, pela torpeza, pela
fraude, pelo furto ou por qualquer outro modo injusto, assim como desprezado-se
o sacrifício de louvor feito com pão fermentado. O outro lado desta via é
construído pela distribuição feita com discernimento pois, de fato, se ela
desse menos do que o justo, tornar-se-ia avareza; e se desse mais do que o
justo, já não seria liberalidade, mas prodigalidade. Quão grande seja o fruto
da liberalidade o Salvador no-lo mostra quando nos diz no Evangelho:

 “Dai, e
dar-se-vos-á. Uma medida boa, cheia, recalcada e
acogulada, vos será lançada no seio”. Luc. 6, 38

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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