O simbolismo dos números na Sagrada Escritura

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Alguns aspectos do simbolismo dos números

O “Simbolismo dos números” era patrimônio da sabedoria não só dos famosos pitagóricos e platônicos (gregos), mas também dos povos orientais e, diga-se explicitamente, dos israelitas. Eis as principais expressões desta mentalidade na Sagrada Escritura:

O Simbolismo do número como tal

O número por si costuma significar ordem, harmonia. É o que explica a afirmação de SB 11,20: Deus tudo dispôs “conforme medida, número e peso”. É também o que ilustra a admoestação de Jesus: “Mesmo os cabelos de vossa cabeça estão todos contados. Não temais!” (Mt 10,30); o Senhor, com isto, ensina que a Providência Divina dispõe ordenadamente até as mínimas circunstâncias da vida humana.

Por conseguinte, a história dos justos é geralmente apresentada dentro de um quadro numérico, ou seja, com a indicação de datas ou cifras equivalentes a datas- coisa que frequentemente falta na linhagem dos ímpios.

Já que os números frequentemente indicam qualidades, entende-se que as expressões de plural na Sagrada Escritura não designam sempre multidão, extensão, mas intensidade de um predicado.

Por exemplo, ocorrem no texto hebraico da Sagrada Escritura substantivos em forma plural que inegavelmente designam o único Deus, o Deus de Israel. Assim:

Elohim, plural de ‘El, Deus ou Forte’ (Gn 5,22; 6,9.11; 7,18; Dt 4,35; Is 46,9);

Qedoshim, plural de Qadosh, Santo (Js 24,19; Os 12,1; Pr 9,10; 30,3);

Elyonim, plural de Elyon, Excelso (Dn 7,18).

Estas formas de plural não indicam multiplicidade de sujeitos ou desuses, mas são maneiras de realçar a qualidade expressa pelo respectivo nome: a fortaleza, a santidade, a sublimidade do único Deus. Aplicando a Deus os termos concretos “Fortes, Santos, Excelsos”, os israelitas queriam dizer que o Senhor é a Fortaleza, a Santidade, a Sublimidade mesma (em hebraico, o conceito abstrato era expresso pelo plural do termo concreto).

Aliás, sabe-se que também os povos pagãos, referindo-se a uma Divindade, empregavam formas de plural. O deus lunar Sin era chamado ilani scha ilani, os deuses dos deuses, isto é, o deus supremo. Os vassalos cananeus do Egito dirigiam-se ao Faraó mediante a fórmula ilania, “os seus deuses”.

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O simbolismo peculiar de alguns números

Dentre os números, gozavam de preferências os ímpares. Julgava-se em certos círculos (mormente no pitagorismo, a partir do séc. VI a. C.) que o número um é por excelência o Princípio não produzido, perfeito; o número dois, que se origina pela intervenção do vazio ou do intervalo na unidade, parecia essencialmente imperfeito. Em geral, os números pares eram considerados inferiores, moles ou femininos, quebradiços, por admitirem divisão em duas partes inteiras; ao contrário, os números ímpares, opondo-se a isto, eram tidos por fortes, viris, perfeitos.

1. O número sete

O número sete é dos mais dotados de valor simbólico na mentalidade antiga e na Escritura Sagrada.

O significado importante do septenário entre os orientais compreende-se pelo fato de que estes povos dividiam o tempo conforme as fases da Lua. Em Israel, a estima geral dedicada ao número sete parecia sancionada pela própria Bíblia, que reconhecia e promulgava, já em suas primeiras páginas, a distribuição do tempo em semanas (cf. Gn 1, 1-2, 4a).

Visto que o número sete determina períodos mais ou menos completos, definidos, da vida humana, atribuíam-lhe o significado de totalidade, plenitude e perfeição. É com este sentido que ele ocorre, por exemplo,

a) nas fórmulas de contratos e juramentos: Abraão deu a Abimeleque sete ovelhas como penhor de que cumpriria sua palavra (cf. Gn 21, 30). De resto, os hebreus derivaram o verbo shaba, prestar juramento, dizer palavra firme, da mesma raiz que sheba, sete;

b) sempre que se queira exprimir a totalidade, tão grande quanto seja; assim o discípulo de Cristo há de perdoar setenta vezes sete vezes, isto é, indefinidamente, sempre que haja ocasião para isto (cf. Mt 18, 21s.; Lc 17, 4). O autor de Pr 24, 16 se refere a sete (=todas as) quedas do justo. Veja-se ainda Gn 4, 15.24 (a vingança de Caim e a de Lameque).

Um fenômeno literário interessante ainda solicita atenção: no texto hebraico de 2Sm 12, 6 lê-se que o homem que haja roubado uma ovelha é obrigado a restituir quatro outras (de acordo com a lei formulada em Êx 20, 37; cf. Lc 19, 8). Eis porém, que os judeus de Alexandria, ao traduzirem o trecho para o grego, em lugar de “quatro” puseram “sete ovelhas”. Esta tradução, à primeira vista, é estranha; contudo ela se explica muito bem, se se penetra na mentalidade dos tradutores: no caso, longe de atribuir a “sete” significado quantitativo, matemático, quiseram por meio deste número indicar melhor o que o texto original subentende, a saber: que se há de fazer a compensação cabal, exata do furto cometido (de resto, em Pr 6, 31 está dito que o ladrão deve restituir sete vezes o que roubou!);

c) quando se quer indicar um dia ou um ano de repouso, de renovação, ano que mais se assemelhe à perfeição da vida celeste; tal dia ou tal ano é determinado pelo número sete (sétimo dia ou sábado, sétimo ano ou ano sabático, ano jubilar ou quinquagésimo [7 x 7 + 1]). Cf. Gn 2, 2; Êx 20, 10; Lv 25, 1-17.

2. O número três

O número três gozava também de grande estima entre os semitas, não somente por ser o primeiro composto ímpar, mas também porque o triângulo equilátero constitui um dos símbolos mais expressivos de firmeza e perfeição; é figura que sobre qualquer de suas bases está sempre em pé, não se deixando de modo nenhum derrubar.

O ternário ocorre com frequência na Escritura, embora mais parcimoniosamente do que o número sete. Sejam aqui mencionados apenas os três filhos de Noé (Gn 6,10), os três amigos de Jó (2, 11), os três justos de Ezequiel (14, 14), os três companheiros de Daniel (3, 23), os três anjos que apareceram a Abraão (Gn 18,2), os três dias passados por Jonas no ventre do monstro marinho (2, 1)…

Em cada um destes trechos, o sentido do número três há de ser analisado à luz do gênero literário adotado pelo hagiógrafo.

3. O número dez

O número dez tornou-se importante entre os antigos pelo fato de que o homem primitivo, ao contar, recorria aos dedos de suas mãos; desta praze se originou o sistema decimal. Em tais circunstâncias, o número dez foi tido como símbolo de um “todo completo, fechado em si”. É certamente este o significado que lhe compete nas genealogias dos setitas (Gn 5, 1-32) e dos semitas (Gn 11, 10-32): o hagiógrafo, ao mencionar dez Patriarcas em cada uma, de modo nenhum entendia dizer quantas gerações mediaram respectivamente entre Adão e Noé, Noé e Abraão, mas apenas queria referir-se a todos quantos (…) tenha realmente havido, ficando a cifra exata desconhecida tanto ao escritor como ao leitor. O que interessava ao autor sagrado era dizer que entre Adão e Noé, Noé e Abraão, a série dos tempos foi preenchida sem algum acontecimento digno de nota para a historiografia religiosa.

Sejam mencionados ainda:

Os dez servos (=um grupo completo), as dez dracmas (= número redondo), as dez virgens (= todos os cristãos), nas parábolas de Cristo (Lc 19, 13; 15, 8; Mt 25, 1);

O catálogo (taxativo, não exaustivo) de dez adversários que não conseguem arrebatar ao cristão o amor de Cristo (Rm 8, 38s.);

A menção de dez vícios (não exaustiva), que excluem do reino de Deus (1 Cor 6, 9s);

A série de dez milagres narrados sucessivamente para comprovar a autoridade de Jesus após o importantíssimo sermão sobre a montanha (Mt 8s.);

As dez prescrições dirigidas a quem queira subir à montanha do Senhor (Sl 14).

4. O número doze

O número doze adquiriu apreço em virtude da divisão do ano em doze meses, divisão que já babilônios e egípcios observavam. Era natural que a cifra, abrangendo um período definido em si, simbolizasse, por sua vez, totalidade ou plenitude.

Na Sagrada Escritura, o número doze é básico para a história do povo de Deus. Este constava de doze tribos, portadoras da fé e da esperança messiânicas; em consequência, o reino messiânico mesmo é frequentemente assinalado pelo número doze. Com efeito, ele se propaga mediante a pregação dos Apóstolos, escolhidos pelo Senhor para constituírem o elo entre as doze tribos (a totalidade) do antigo Israel e a plenitude do novo Israel, agora recrutado dentre todas as nações. Baseado sobre os doze Apóstolos quais pedras fundamentais, o reino messiânico é descrito no Apocalipse como Cidade Santa, a nova Jerusalém, cuja estrutura é impregnada do mesmo número: tem doze portas, guardadas por tribos de Israel; sobre cada qual das pedras da base acha-se o nome de um dos Apóstolos; a cidade, sendo quadrada, tem doze mil estádios de lado; a muralha perimetral mede cento e quarenta e quatro côvados (cf. Ap 21, 12.14.16s. 20s.). Tais indicações significam o caráter de plenitude, consumação, que toca à nova Jerusalém ou à Igreja de Cristo; esta constitui o reino teocrático por excelência, em que os bens outrora outorgados às tribos de Israel se acham multiplicados e oferecidos a todos os homens.

Retirado do livro: “Para entender o Antigo Testamento”. Estêvão Bettencourt. Ed. Santuário: Aparecida, SP. 1990. pp. 78-83.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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