O Sacramento da Unção dos Enfermos – Parte 1

uncao_enfermos2O Concílio de Trento declarou que o sacramento da Unção do Enfermos é insinuado em Mc 6,13: “Expeliam numerosos demônios, ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam”, e  promulgado por Tg 5,14s: “Está alguém enfermo, chame os presbíteros da Igreja, e eles façam orações sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados”.

Até o século IX os documentos da Igreja não apresentam um rito da Unção dos Enfermos, apenas as fórmulas da bênção óleo que era aplicado aos doentes de todos os tipos, não apenas no caso de moléstias graves. Isto era feito nas casas até por leigos. A Tradição Apostólica de Hipólito de Roma (215) traz um relato:

“Assim como, santificando este óleo, com o qual ungiste reis, sacerdotes e profetas, concedes ó Deus, a santidade aos que são com ele ungidos e aos que o recebem assim proporcione ele consolo aos que o provam, e saúde aos que dele se servem” (n. 18).

Nota-se que o óleo usado para a unção ou para alimento, podendo ser aplicado pelo próprio doente.

Um texto muito interessante de S. Cesário, bispo de Arles, do ano 503, dizia:

“Quando vem uma doença, o enfermo recebe Corpo e o Sangue de Cristo. Humildemente peça o óleo bento dos sacerdotes, e unja o seu corpo para que nele se realize  o que está escrito… (Tg 5,14s). Vedes, irmãos, que aquele que na enfermidade vai à igreja, merecerá receber a saúde do corpo e obter o perdão dos pecados. Visto que podemos encontrar na Igreja esses dois bens, como é possível que homens infelizes causem a si mesmo mal imenso, recorrendo aos magos, aos feiticeiros e aos adivinhos?” (sermão 13)

São Beda, presbítero (?735), comentando Mc 6, 12s, observa: “Deste texto deduz-se com evidência que o costume, da Santa Igreja, de ungir os possessos ou qualquer outro doente com óleo consagrado pela bênção do Bispo foi-nos entregue pelos Apóstolos ” (PL 92,188).

Em outra passagem afirma:

“A atual praxe da Igreja quer que os enfermos sejam ungidos com óleo consagrado e que sejam curados pela oração que acompanha a unção. E não só aos sacerdotes, mas, como escreve o Papa Inocêncio, também a todos os cristãos é lícito fazer uso do mesmo óleo, realizando, eles ou os seus caros, uma unção quando a doença os molesta. Todavia só ao Bispo é permitido benzer tal óleo” (PL 93,39s).

A partir do século VII, a bênção do óleo dos enfermos era reservada ao Bispo na quinta feira santa.

A partir do século IX, apareceram os primeiros rituais da Unção dos Enfermos; a administração do sacramento passou a ser feita só pelo clero; a Unção foi sendo considerada uma graça de preparação para a morte, sendo mais valorizados os efeitos espirituais.

O Concílio de Trento, em 1551, enfrentando a objeção dos protestantes, ratificou a veracidade do sacramento, afirmando que foi instituído por Jesus Cristo.

Os Santos Padres e a Unção dos Enfermos

A unção dos enfermos (chamada antigamente de “Extrema-Unção”) é, desde o princípio, um dos sete sacramentos da Igreja, como provam os textos patrísticos abaixo.

Tertuliano:

“Porque eles com bastante entusiasmo ensinavam, discutiam, determinavam o exorcismo, para realizar curas… que podia ser até mesmo o batismo” (Prescrições 49; 200 d.C.).

Hipólito de Roma:

“Ó Deus que santificastes este óleo, concedendo a todos os que são ungidos e por ele recebem a santificação, como quando ungistes os reis, sacerdotes e profetas, assim concedei que ele possa dar fortaleza a todos os que dele se valem e saúde a todos o que o usam” (Tradição Apostólica 5,2; ~215 d.C.).

Orígenes:

“Além disso, aqueles que estão também com setenta anos, se bem que arduamente e sofridamente… Nesse caso deve ser realizado o que também o Apóstolo Tiago diz: ‘Se, pois, alguém está enfermo, que chame o presbítero da Igreja para impor as mãos sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o enfermo, e se ele está em pecados, esses lhe serão perdoados.'” (Homilia sobre os Levíticos 2,4; 244 d.C.).

Afrate, o Persa:

“Sobre o sacramento da vida, pelo qual (=batismo) os sacerdotes cristãos (na ordenação), reis e profetas se tornam perfeitos; ele ilumina a escuridão (na confirmação), unge os enfermos, e por seu privado sacramento restaura os penitentes” (Tratados 23,3; 345 d.C.).

João Crisóstomo:

“Porque não somente no tempo da conversão, mas depois também, eles têm autoridade para perdoar os pecados. ‘Está alguém doente entre vós?’ está dito – ‘que chame os mais velhos da Igreja, e que esses orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a prece da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará: e se ele cometeu pecados, esses lhe serão perdoados'” (Sobre o Sacerdócio 3,6; 386 d.C.).

Atanásio:

“O enfermo considerava uma calamidade mais terrível do que a própria doença… (se permitisse) que as mãos dos arianos fossem colocadas sobre sua cabeça” (Epístola Encíclica; 341 d.C.).

Serapião de Thuis:

“Este óleo… para boa graça e remissão dos pecados, para uma medicina de vida e salvação, para saúde e bem estar da alma, corpo ,espírito, para a perfeita consolidação” (Anáfora 29,1; 350 d.C.).

Efraim:

“Rezavam sobre ele; um soprava sobre ele, outro confirmava” (Homilia 46; 373 d.C.).

Ambrósio:

“Por que, então, impondes as mãos e acreditais que isso tenha efeito de bênção, se acaso alguma pessoa enferma se recupera? Por que assumis que alguém possa ser purificado por vós da sujeira do demônio? Por que batizais se os pecados não podem ser remidos pelo homem? Se o batismo é seguramente a remissão de todos os pecados, que diferença faz se o sacerdote diz que esse poder é dado a eles na penitência ou no batismo? Em ambos o mistério é um” (A Penitência I, 8,36; 390 d.C.).

Papa Inocêncio:

“Se alguma parte de teu corpo está sofrendo… recorda-te também das Escrituras Inspiradas: ‘Alguém entre vós está doente? Chama o presbítero da Igreja e deixa-o orar sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o soerguerá, e se ele está em pecados, esses serão perdoados”. (Cirilo de Alexandria, Culto e Adoração 6; 412 d.C.)

“Na epístola do santo Apóstolo Tiago… – ‘Se alguém entre vós está doente, chama os sacerdotes…’ – não há dúvida de que o ungido deve ser interpretado ou compreendido como enfermo da fé, que pode ser ungido com o santo óleo do crisma… é uma espécie de sacramento” (A Decêncio 25,8,11; 416 d.C.).

César de Arles:

“Que aquele que está doente receba o Corpo e Sangue de Cristo; que humildemente e com fé peça aos presbíteros a unção abençoada, para ungir seu corpo, de modo que o que foi escrito possa lhe ser frutuoso: ‘Está alguém entre vós enfermo? Que lhe tragam os presbíteros, que esses orem sobre ele, ungindo-o com óleo; e a prece da fé salvará o enfermo, o Senhor o reerguerá; e se estiver em pecados, esses lhes serão perdoados'” (Sermões 13, 3; 542 d.C.).

Cassiodoro:

“Deve-se chamar um padre que, pela prece da fé e a unção do santo óleo que comunica, salvará aquele que está doente [por causa de um grande ferimento ou por uma doença]” (Complicações; 570 d.C.).

UNÇÃO DOS ENFERMOS NO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

§ 1499 – “Pela sagrada Unção dos Enfermos e pela oração dos presbíteros, a Igreja toda entrega os doentes aos cuidados do Senhor e glorificado, para que os alivie e salve. Exorta os mesmos a que livremente se associem à paixão e à morte de Cristo e contribuam para o bem do povo de Deus”(LG 11).

Seus fundamentos na economia da salvação

§ 1500 – A Enfermidade na vida humana – A enfermidade e o sofrimento sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude. Toda doença pode fazer-nos entrever a morte.

§ 1501 – A enfermidade pode levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma e, às vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar a pessoa mais madura, ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para voltar-se àquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca uma busca de Deus, um retorno a Ele.

O Enfermo diante de Deus

§ 1502 – O homem do Antigo Testamento vive a doença diante de Deus. É diante de Deus que ele faz sua queixa sobre a enfermidade (Cf. Sl 38), e é dele, o Senhor da vida e da morte, que implora a cura (Cf. Sl 6,3; Is 38). A enfermidade se torna caminho de conversão (Cf. Sl 38,5; 39,9.12) e o perdão de Deus dá início à cura (Cf. Sl 32,5; 107,20; Mc 2,5-12). Israel chega à conclusão de que a doença, de uma forma misteriosa, está ligada ao pecado e ao mal e que a fidelidade a Deus, segundo sua Lei, dá a vida: “Porque eu sou Iahweh, aquele que te restaura”  (Ex 15,26). O profeta entrevê que o sofrimento também pode ter um sentido redentor para os pecados dos outros (Cf. Is 53,11). Finalmente, Isaías anuncia que Deus fará chegar um tempo para Sião em que toda falta será perdoada e toda doença será curada (Cf. Is 33,24).

Cristo – Médico

§ 1503 – A compaixão de Cristo para com os doentes e suas numerosas curas de enfermos de todo tipo (Cf. Mt 4,24) são um sinal evidente de que “Deus visitou o seu povo” (Cf. Lc 7,16) e de que o Reino de Deus está bem próximo. Jesus não só tem poder de curar, mas também de perdoar os pecados (Cf. Mc 2,5-12): ele veio curar o homem inteiro, alma e corpo; é o médico de que necessitam os doentes (Cf. Mc 2,17). Sua compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que ele se identifica com eles: “Estive doente e me visitastes” (Mt 25,36). Seu amor de predileção pelos enfermos não cessou, ao longo dos séculos, de despertar a atenção toda especial dos cristãos para com todos os que sofrem no corpo e na alma. Esse amor está na origem dos incansáveis esforços para aliviá-los.

§ 1504 – Muitas vezes Jesus pede aos enfermos que creiam (Cf. Mc 5,34-36; 9,23). Serve-se de sinais para curar: saliva e imposição das mãos (Cf. Mc 7,32-36; 8,22-25), lama e ablução (Cf. Jo 9,6-15). Os doentes procuram tocá-lo (Cf. Mc 3,10;6,56), “porque dele saía uma força que a todos curava” (Lc 6,19). Também nos sacramentos Cristo continua a nos “tocar” para nos curar.

§ 1505 – Comovido com tantos sofrimentos, Cristo não apenas se deixa tocar pelos doentes, mas assume suas misérias: “Ele levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças” (Mt 8,17; cf. Is 53,4). Não curou todos os enfermos. Suas curas eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciavam uma cura mais radical: a vitória sobre o pecado e a morte por sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre si todo o peso do mal (Cf. Is 53,4-6) e tirou o “pecado do mundo” (Jo 1,29). A enfermidade não é mais do que uma conseqüência do pecado. Por sua paixão e morte na cruz, Cristo deu um novo sentido ao sofrimento, que doravante pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora.

“Curai os enfermos…”

§ 1506 – Cristo convida seus discípulos a segui-lo, tomando cada um sua cruz (Cf. Mt 10,38). Seguindo-o, adquirem uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus os associa à sua vida pobre e de servidor. Faz com que participem de seu ministério de compaixão e de cura: “Partindo, eles pregavam que todos se arrependessem. E expulsavam muitos demônios e curavam muitos enfermos, ungindo-os com óleo” (Mc 6,12-13).

§ 1507 – O Senhor ressuscitado renova este envio (“Em meu nome… eles imporão as mãos sobre os enfermos e estes ficarão curados”: Mc 16,17-18) e o confirma por meio dos sinais realizados pela Igreja ao invocar seu nome (Cf. At 9,34; 14,3). Esses sinais manifestam de um modo especial que Jesus é verdadeiramente “Deus que salva” (Cf. Mt 1,21; At 4,12).

§ 1508 – O Espírito Santo dá a algumas pessoas um carisma especial de cura (Cf. 1Cor 12,9.28.30) para manifestar a força da graça do ressuscitado. Todavia, mesmo as orações mais intensas não conseguem obter a cura de todas as doenças. Por isso, S. Paulo deve aprender do Senhor que “basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que minha força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12,9), e que os sofrimentos que temos de suportar podem ter como sentido “completar na minha carne o que falta às tribulações de Cristo por seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).

§ 1509 – “Curai os enfermos!” (Mt 10,8). A Igreja recebeu esta missão do Senhor e esforça-se por cumpri-la tanto pelos cuidados aos doentes como pela oração de intercessão com que os acompanha. Ela crê na presença vivificante de Cristo, médico da alma e do corpo. Esta presença age particularmente por intermédio dos sacramentos e, de modo especial, pela Eucaristia, pão que dá a vida eterna (Cf. Jo 6,54.58) a cujo liame com a saúde corporal S. Paulo alude (Cf. 1Cor 11,30).

§ 1510 – Entretanto, a Igreja apostólica conhece um rito próprio em favor dos doentes, atestado por S. Tiago: “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5,14-15). A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja (Cf. DS 216; 1324-1325; 1695-1696; 1716-1717).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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