O Sacramento da Reconciliação: Por que assim? EB (Parte 3)

Foi o
franciscano João Duns Scotus que começou a impugnar essa prática, por não ter
valor do sacramento e, por conseguinte não poder ser imposta como obrigatória.

É de notar
que, precisamente no século XIII, o Concílio do Latrão IV (1215) houve por bem
prescrever uma confissão anual ao menos, pois a frequentação do sacramento era
desleixada ou confundida pelos fiéis, não por falta do fervor, mas porque as
linhas da piedade católica esta­vam em fase de estruturação.

3.
Conclusão

Foi no
século XIII que finalmente terminou a evolução do rito do sacramento da
Penitência, assumindo a forma que ele hoje tem. O nome do sacramento “da
Confissão” prevaleceu sobre os demais, visto que no século XIII muito se
enfatizou o caráter penitencial da acusação (confis­são) dos pecados.1 As obras
satisfatórias no decorrer dos séculos se­guintes foram sendo mais o mais
atenuadas, a fim de não afugentar nin­guém do sacramento ou a fim de permitir
que pessoas afastadas da prá­tica religiosa não se intimidassem pela
perspectiva de rigorosos jejuns e vigilias.2

A
purificação dos afetos íntimos (= raízes do pecado) que o penitente não realiza
por imposição do confessor, terá que ser efetuada es­pontaneamente pelo
penitente após a reconciliação Sacramental, medi­ante a virtude da penitência;
é imprescindível essa tarefa de eliminar do coração todo sentimento desregrado,
para que o cristão possa ver a Deus face-a-face quando o Pai Celeste o chamar a
Si. Caso a pessoa não consiga (com a graça divina) efetuar essa purificação na
vida presente, terá de fazê-lo após a morte, no purgatório póstumo; isto é uma
concessão da Misericórdia Divina a criatura cujo amor ainda é contraditado por
tendências desordenadas. A existência do purgatório póstumo não somente é
atestada pelas Escrituras (cf. 2Mc 12, 39-45; iCor 3, 10-15), mas é muito
lógica, dadas as premissas atrás apontadas.

O
conhecimento da história do Sacramento da Reconciliação desde os tempos
bíblicos até o século XIII permite compreender melhor o significado deste
Sacramento em nossos dias, quando o simbolismo do rito está reduzido a poucos
traços. Apesar da simplificação do Ritual (que a remodelação pós-conciliar
enriqueceu um pouco), o cristão desejoso de frutuosa recepção do Sacramento não
pode esquecer que ele implica

– a
consciência da hediondez do pecado, tão viva na mente dos antigos cristãos. O
pecado grave deve ser urna exceção – e exceção cada vez mais rara a ponto do
desaparecer – na vida do discípulo do Cristo. Ninguém é chamado a mediocridade,
mas todos são chamados a santidade (cf. Lumen Gentium, capitulo IV). Por isto o
cristão não só pode “consolar” com a consciência do que o pecado é
comum a todos os homens e, por isto, é sina inevitável. É preciso emergir para
fora do mun­do do “rneio-termo” ou do “mais ou menos” para
tender cada voz mais, com a graça de Deus, a perfeição que está na linha mesma
do Batismo que cada um recebeu;

– a
consciência da necessidade da Penitência, entendida ora como Sacramento, ora
como virtude (a virtude é conseqüência da graça Sacramental). A penitência não
é finalidade em Si mesma, mas é remédio; é instrumento indispensável para
exercitar o amor a Deus o extinguir os amores desordenados existentes no
cristão. Não há corno a evitar; embora hoje, por motivos diversos, não possa
ser praticada como outro­ra era praticada (meses ou anos de jejum, cilício,
peregrinações…). A generosidade atlética dos antigos cristãos, com suas
expressões surpreendentes, deve lembrar aos contemporâneos que são filhos dos
Santos e não podem trair a sua linhagem. É esta a grande lição que a história
do Sacramento da Penitência transmite ao povo de Deus hoje, lição que deve ser
reavivada constantemente a fim de se sacudir a rotina o desper­tar os cristãos
para uma vida sempre mais coerente.

4. Três
modalidades de celebração

O
sacramento da Reconciliação pode ser ministrado de três maneiras:

4.1. Celebração meramente individual

É a forma
usual nos últimos séculos; há um diálogo secreto entre o penitente e o
confessor, diálogo que consta de acolhida, acusação, exor­tação, imposição de
satisfação, absolvição, despedida.

4.2.  Moldura comunitária. Acusação e absolvição
individuais

Esta
segunda modalidade põe mais em relevo a índole eclesial do sacramento, pois
supõe uma assembleia de fiéis reunidos para celebrá-lo. Requer-se também um número de sacerdotes disponíveis para ouvir as
confissões individuais.

Consta de
preparação comunitária, efetuada de acordo com ritual próprio. A acusação e a
absolvição são individuais. A absolvição não é coletiva para não causar
confusão nos fiéis, pois poderiam entender que todos são absolvidos
comunitariamente.

Quem não
pratica a confissão individual, não recebe o sacramento nem o perdão dos
pecados graves, mas pode receber o perdão dos pecados leves1 se participou
contrita e sinceramente da paraliturgia penitencial.

4.3. Confissão e Absolvição Gerais

Somente
aqui, e não no caso anterior, temos o que freqüentemente se chama
“confissão comunitária”.

As duas
últimas guerras mundiais (1914-19180 1939-1945) 5uscitaram o perigo de morte
para militares e civis, impossibilitados então de recorrer a um sacerdote para
receber individualmente o sacramento da Reconciliação: embarque para a frente
de guerra, bombardeios, incêndios, naufrágios… levaram assim a Santa Sé a
conceder que um sacerdote presente a multidão ameaçada lhe desse a absolvição
coletiva. Temos, entre outras instruções a propósito, as normas da S.
Penitenciária data­das do 25/03/1944.

Com o
passar do tempo, a penúria de sacerdotes e outros motivos levaram a S. Igreja a
definir uma legislação minuciosa sobre tal prática; ver Código de Direito
Canônico, cânones 960-963:

1) É licito
absolver, de modo geral, vários penitentes sem prévia confissão individual:

a)  em iminente perigo de morte, quando não
há tempo para que os sacerdotes ouçam a confissão de cada um dos interessados.

b)  em caso de grave necessidade, isto é,
quando há grande nú­mero de penitentes e não existe número suficiente de
confessores para atendê-los pessoalmente dentro de um espaço de tempo razoável;
se forem despedidos sem o Sacramento, tais pessoas deverão ficar muito tempo
sem a reconciliação e sem a Comunhão Eucarística.

Compete ao
Bispo diocesano, de comum acordo com os outros membros da sua Conferência
Episcopal, estipular se tal caso de grave necessidade ocorre na sua diocese, e,
eventualmente, em que ocasião ocorre (Natal? Semana Santa? Finados?.. .). Não é
lícito ao sacerdote tomar a iniciativa da absolvição coletiva por conta
própria.

2)  Para que a absolvição coletiva seja válida,
requer-se não só que o fiel esteja devidamente disposto, mas também que tenha o
propósito do confessar individualmente dentro do tempo devido (ou quanto antes)
os pecados graves que no momento ele não pode confessar. A Igreja não pode
dispensar da obrigação da confissão, pois esta é instituída pelo próprio Cristo
(cf. Jo 20, 225); a Igreja apenas desloca os elementos constitutivos do
Sacramento da Reconciliação: Contrição, Confissão, Satisfação, Absolvição
(vimos como a seqüência foi oscilante no decor­rer dos séculos).

3) Para se
dar a absolvição coletiva, não bastam grande número de penitentes e oxíguo
número de confessores, como acontece nos ca­sos de peregrinação ou de
festividade. Requer-se, além disto, que os fiéis estejam ameaçados de ficar,
sem culpa própria e por muito tempo (um mês, como estipulou a Conferência dos
Bispos do Brasil), sem rece­ber os sacramentos. Ora isto não costuma acontecer
nas cidades, onde há paróquias com sacerdotes estáveis: quem não se pode
confessar em determinado dia festivo, pode fazê-lo em outro dia próximo. A
Santa Sé (o, com ela, a Conferência dos Bispos do Brasil) insisto muito em que
os sacerdotes facilitam o acesso dos fiéis a Confissão individual, estabele­cendo
horários favoráveis, fixos e freqüentes, do atendimento.

Tanto em
perigo do morto como fora dele, os fiéis devem ser instruídos, tanto quanto
possível, sobre as condições para a recepção válida e lícita da absolvição
coletiva.

 

  __________________________________

1 É
preciso notar que todo pecado é pecado de uma determinada pessoa e assume, a
partir das características dessa pessoa, a nota de gravidade ou não gravidade,
de maior gravidade ou menor gravidade. Uma coisa é fazer um catálogo abstrato
de pecados outra coisa é avaliar um pecado na sua realidade concreta; a
intensidade com que alguém se dá ao pecado, o conhecimento de causa, a vontade
mais ou menos deliberada são fatores pessoais que devem ser levados em conta.

1 São Leão
Magno (t 461), Papa, proibiu explicitamente a confissão pública de peca­dos
secretos.

S.
Agostinho (t 430) escreve: A caridade da Igreja, derramada em nossos corações
pelo Espírito Santo, perdoa os pecados daqueles que participam dela, enquan­to
são retidos os daqueles que não participam da Igreja” (In Jo 121, 4).

“A paz da
Igreja perdoa os pecados, enquanto a separação dela os retém” (De Baptsmo
contra Donatistas III, 18, 23).

1Note-se o
caráter medicinal da penitência assim infligida (Nota do Redator).

2 Note-se o
caráter medicinal da penitência (N. d. R.).

Atualmente,
prefere-se falar do sacramento da Reconciliação ; ver 2Cor 5, 20.

2 Aliás, o
Rito da Penitência, Introdução nº 6c, observa o prescreve:

“A
verdadeira conversão se completa pela satisfação das culpas, pela mudança da
vida e pela reparação do dano causado. As obras e a medida da satisfação devem
adaptar-se a cada peniten te, para que cada um restaure a ordem que lesou e
possa curar-se com o remédio adequado. É necessário, por conseguinte, que a
satisfação seja realmente remédio para o pecado e de algum modo renovação de
vida. Assim, o penitente, esquecendo o que passou (Fl 3, 13), integrar-se-à de
novo no mistério da salvação lançando-se para a frente”.

Considere-se
também o cânon 981 do Código do Direito Canônico:

“Cânon
991 – De acordo com a gravidade e o 
número dos pecados, levando em conta, porém a condição do penitente, o
confessor imponha salutares e convenien­tes satisfações, que o penitente em
pessoa tem obrigação de cumprir”.

Vê-se que
persiste a intenção do impor sempre uma satisfação medicinal, adequa­da, porém
as condições de saúde do penitente.

Pecados
graves ou mortais são aqueles que tiram a vida da graça santificante e impedem
de receber a Comunhão Eucarística. Os pecados leves ou veniais não impedem de
comungar: são aqueles aos quais feita uma das três condições para que haja
pecado grave: 1) matéria grave; 2) conhecimento do causa; 3) vontade
deliberada.

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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