O político católico, laicismo e cristianismo

Por Dom Giampaolo Crepaldi*

ROMA, domingo, 30 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) – Para o político
católico, o laicismo é um valor adquirido que deve ser defendido. Isto
significa que a esfera política é independente da eclesiástica, que a política
e a religião pertencem a âmbitos diferentes.

O cristianismo contribuiu bastante para o estabelecimento do
laicismo autêntico. O cristianismo não é uma religião fundamentalista. O texto
sagrado em que ele se inspira não deve ser lido ao pé da letra, e sim
interpretado; a autoridade universal do Papa libera os cristãos das excessivas
sujeições políticas nacionais; Deus confiou a construção do mundo à livre e
responsável participação do homem. Não significa que a sociedade e a política
sejam totalmente alheias à religião cristã, que não tenham nada a ver com ela.
A sociedade precisa da religião de maneira concreta para manter um nível sadio
de laicismo.

O cristianismo colabora com este objetivo, porque não impede a
sociedade de ser legitimamente autônoma e ao mesmo tempo a sustenta e ilumina
com sua própria mensagem religiosa. Poderíamos até dizer que o cristianismo a
impulsiona a ser ela mesma, por explicitar a sua plena vocação e pedir-lhe o
máximo das suas capacidades, sem se fechar em si mesma.

A sociedade que fecha as portas para a religião e para o
cristianismo fecha portas para si mesma: ela não permite que as pessoas e as
relações sociais respirem, sufocando as suas possibilidades com uma suposta
autossuficiência. O cristianismo não teme enfrentamentos com outras religiões
neste ponto: é no Deus feito homem que reside a valorização máxima da dimensão
humana, familiar, social e ao mesmo tempo a sua total iluminação por Deus.
Quando a razão política teme o cristianismo, é porque já decidiu optar pela
própria autossuficiência, fechando-se para uma mensagem que na verdade a
valorizaria.

Tende-se hoje a considerar que o laicismo é a neutralidade do
espaço público aos absolutos religiosos. Um espaço em que os absolutos
religiosos não deveriam intervir por dois motivos: primeiro, porque numa
democracia não haveria espaço para os absolutos; segundo, porque os absolutos
religiosos seriam irracionais, ao passo que o espaço público deveria
alimentar-se de um discurso racional. Ocorre que este espaço permaneceria
vazio, e nesse vazio haveria lugar para novos absolutos inimigos do homem, para
novos deuses.

Mas examinemos antes os dois princípios vistos até agora: a
democracia é incompatível com os princípios absolutos? A religião é irracional?
Não é verdade que a democracia pressuponha o relativismo moral e religioso, nem
é verdade que os princípios absolutos sejam necessariamente violentos e
opressivos. Mas poderíamos dizer o contrário: a falta de referências absolutas
gera uma luta de todos contra todos, onde tem razão quem é mais forte. A
democracia também se arrisca a reduzir-se à força da maioria. Por isso existe a
necessidade de que os cidadãos acreditem em princípios absolutos, como por
exemplo a dignidade de cada pessoa humana, a liberdade, a justiça, etc. Por
outro lado, a democracia se torna apenas um procedimento, mas estes podem mudar
facilmente se não estão repletos do que é substancial.

A substância da democracia não é o procedimento, mas a dignidade
da pessoa, que deveria ser considerada um valor absoluto. E como pode ser
considerada um valor absoluto se não se baseia em Deus? Como bem observou
Tocqueville a respeito da jovem democracia americana, a religião está
estreitamente conectada com a liberdade, e a liberdade pode diminuir inclusive
nos regimes democráticos.

Passamos ao segundo ponto: a religião é irracional? Não há dúvida
de que existem formas de religião irracionais, total ou parcialmente. Mas não é
o caso do cristianismo.

Existem as religiões do mito, que entendem a divindade como uma
união de forças obscuras e indecifráveis, arbitrárias e estranhas, que a
religião tenta tornar suas aliadas. Há também as religiões do Logos, como a
judaico-cristã, que crê num Deus que é Verdade e Amor.

Esta religião é razoável e não contradiz nenhuma verdade racional;
antes, vincula-se a elas complementando-as, e não exige do homem a renúncia a
tudo o que o torna verdadeiramente homem, para ser cristão. Não é aceitável,
portanto, a idéia de que a religião, seja qual for, é, pela sua natureza,
irracional. Isto certamente não vale para o cristianismo. Apesar disso, muitos
entendem o laicismo como neutralidade, como uma expulsão da religião do espaço
público. A ideia de eliminar a celebração do Natal, de impedir a exposição de
símbolos religiosos em espaços públicos, de proibir a ação missionária que
divulga aos outros a própria fé, são algumas expressões dessa visão do laicismo
como espaço neutro, o que é visto especialmente no modelo francês. Nestes casos
não se demonstra absolutamente a mencionada neutralidade.

Uma parede sem um crucifixo não é neutra: é uma parede sem
crucifixo. Um espaço público sem Deus não é neutro: ele não tem Deus. O estado
que impede a toda religião manifestar-se em público, talvez com a desculpa de
defender a liberdade de religião, não é neutro, porque se posiciona a favor do
laicismo ou do ateísmo e assume a responsabilidade de relegar a religião ao
âmbito privado. Em muitos casos, nasce a religião do estado, a religião da
antirreligião.

Entre a presença ou ausência de Deus no espaço público não há meio
termo; não há neutralidade. Eliminar a Deus do espaço público significa
construir um mundo sem Deus. Qualquer um diferencia um laicismo forte de um
laicismo fraco. O primeiro se limitaria a admitir no espaço público todas as
opções, compreendida a não religiosa; a segunda admite também formas de
oposição à religião. Mas esta diferenciação não convence, porque um mundo sem
Deus já é um mundo contra Deus. Excluir a Deus, mesmo que Ele não seja
combatido, significa construir um mundo sem referências a Ele.

Por este motivo, o político católico não pode admitir nem
colaborar com o laicismo entendido como neutralidade, porque isto significa dar
espaço a uma nova razão do estado que, prejudicando a religião, prejudicará a
si mesma. O político católico se oporá a esta visão, seja por razões
religiosas, das quais ele não pode separar-se, seja por razões políticas, para
impedir que nasça uma nova religião do estado prejudicial à liberdade das
pessoas.

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*Dom Giampaolo Crepaldi é arcebispo de Trieste, presidente da
Comissão “Caritas in Veritate” do Conselho das Conferências
Episcopais da Europa (CCEE) e presidente do Observatório Internacional
“Cardeal Van Thuan” sobre a Doutrina Social da Igreja

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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