O Papa João Paulo II e a rejeição à Igreja

Em uma Catequese de 28 de julho de 1991, sob o título “Sim à Igreja”, São João Paulo II colocou uma reflexão importante sobre a rejeição que há hoje à Igreja por parte de muitos e analisa suas causas. Vejamos alguns pontos de sua palavra:

Nos nossos dias, ouvimos muitas pessoas fazer a separação, e até a contraposição, entre Igreja e Cristo, quando, por exemplo, dizem: Cristo-sim, a Igreja não. Uma contraposição não totalmente nova, mas relançada nalguns ambientes do mundo contemporâneo.

Podemos reconhecer que esta contraposição Cristo-sim, Igreja-não nasce no terreno daquela particular complexidade do nosso ato de fé, com o qual dizemos: “Credo Ecclesiam” (Eu creio na Igreja). Podemos perguntar-nos se é legitimo incluir entre as verdades divinas em que se deve crer, uma realidade humana, histórica, visível como a Igreja; uma realidade que, como todas as coisas humanas, apresenta limites, imperfeições, pecabilidades nas pessoas pertencentes a todos os níveis da sua estrutura institucional: quer nos leigos quer nos eclesiásticos, até em nós pastores da Igreja, sem que ninguém esteja excluído desta triste herança de Adão.

Devemos contudo notar que o próprio Jesus Cristo quis que a nossa fé na Igreja enfrentasse e superasse esta dificuldade, quando escolheu Pedro como “Pedra sobre a qual edificaria a Sua Igreja” (cf. Mt. 16, 18).

Sabe-se pelo Evangelho, que narra as palavras mesmas de Jesus, quanto era humanamente imperfeita e frágil a rocha escolhida, como Pedro demonstrou no momento da grande prova. E, contudo, o Evangelho mesmo nos prova que a tríplice negação feita por Pedro, pouco tempo depois das suas afirmações de fidelidade dadas ao Mestre, não cancelou a sua eleição por parte de Cristo (cf. Lc. 22, 32; Jo. 21, 15-17).

Pedro, depois, deu prova de amar Cristo “mais do que os outros” (cf. Jo. 21, 15), servindo na Igreja, segundo o seu mandato de apostolado e de governo, até á morte por martírio.

Refletindo sobre a vida e sobre a morte de Simão Pedro, é mais fácil passar da contraposição Cristo-sim, Igreja-não, à convicção Cristo-sim e Igreja-sim, como prolongamento do sim a Cristo.

A pecabilidade dos cristãos (dos quais se diz, as vezes não sem razão, que “não são melhores do que os outros”), a pecabilidade dos próprios eclesiásticos não deve suscitar uma atitude farisaica de separação e de rejeição, mas deve antes impelir-nos a uma aceitação da Igreja, mais generosa e confiante, a um sim mais convicto e mais meritório em seu favor, porque sabemos que precisamente na Igreja e mediante a Igreja esta pecabilidade torna-se objeto do poder divino da redenção, sob a ação daquele amor que torna possível e realiza a conversão do homem, a justificação do pecador, a mudança de vida e o progresso no bem, algumas vezes até ao heroísmo, ou seja, à santidade.

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Como se pode negar que a história da Igreja está cheia de pecadores convertidos e penitentes, que, depois de voltarem para Cristo, O seguiram fielmente até ao fim?

É preciso prestar atenção, quando se pronuncia um “não à Igreja”, se, na realidade, não se procura fugir àquelas exigências. Neste caso, mais do que em todos os outros, o “não à Igreja” equivaleria a um “não a Cristo”. A experiência, infelizmente, diz que muitas vezes é assim.

Devemos acrescentar que o “não à Igreja” é algumas vezes baseado, não nos defeitos humanos dos membros da Igreja, mas num princípio geral de recusa de mediação. Há pessoas, de fato, que, admitindo a existência de Deus, querem instaurar com Ele contatos exclusivamente pessoais, sem aceitar nenhuma mediação entre a própria consciência e Deus, e portanto recusando primeiro que tudo a Igreja.

Tenha-se contudo em conta: a valorização da consciência é tomada a peito também pela Igreja que, quer na ordem moral, quer no plano mais especificamente religioso, se considera porta-voz de Deus para o bem do homem e, por conseguinte, iluminadora, formadora, ministra da consciência humana. A sua tarefa é favorecer o acesso das inteligências e das consciências à verdade de Deus, que se revelou em Cristo. Toda a consciência, animada por um sincero amor da verdade, não pode deixar de desejar saber, e portanto escutar — pelo menos isto -, aquilo que o Evangelho pregado pela Igreja diz ao homem para o bem dele.

Mas com frequência o problema do sim ou do não à Igreja complica-se precisamente neste ponto, porque se trata da própria mediação de Cristo e do Seu Evangelho que é recusada: de modo que é um não a Cristo, mais ainda do que à Igreja.

Cristo instituiu a Igreja como uma comunidade de salvação, na qual se prolonga até ao fim dos séculos a Sua mediação salvífica, em virtude do Espírito Santo por Ele enviado. O cristão, por conseguinte, sabe que, segundo a vontade de Deus, o homem — o qual, precisamente como pessoa, é um ser social — é chamado a atuar o contato com Ele próprio na comunidade da Igreja. E que não é possível separar a mediação da Igreja, a qual participa da função de Cristo como mediador entre Deus e os homens.

Não podemos, por fim, ignorar que o “não à Igreja” com muita frequência tem raízes ainda mais profundas, quer nas pessoas individualmente, quer nos grupos humanos e nos ambientes de modo especial em certos setores de verdadeira ou suposta cultura — onde não é difícil, hoje e talvez mais do que noutros tempos, encontrar atitudes de recusa ou até mesmo de hostilidade. No fundo, trata-se de uma psicologia caraterizada pela vontade de uma total autonomia, nascida do sentido da autossuficiência pessoal ou coletiva, pelo que nos consideramos independentes do Ser sobre-humano que é proposto — ou também interiormente descoberto — como autor e senhor da vida, da lei fundamental, da ordem moral, e portanto como fonte da distinção entre o bem e o mal.

Há quem pretenda estabelecer por si só aquilo que é bom ou mau, e se recusa, portanto, a ser “heterodirigido”, quer por um Deus transcendente quer por uma Igreja que O representa na terra.

Esta posição provém geralmente de uma grande ignorância da realidade. Deus é conhecido como um inimigo da liberdade humana, como o patrão tirânico, ao passo que foi precisamente Ele a criar a liberdade e a ser o seu amigo mais autêntico. Os Seus mandamentos não têm outra finalidade senão ajudar os homens a evitar a pior e a mais vergonhosa escravidão, a da imoralidade, e favorecer o desenvolvimento da verdadeira liberdade. Sem uma relação confiante com Deus não é possível, a pessoa humana, realizar plenamente o próprio crescimento espiritual.

Não é, pois, para admirar quando se observa que uma atitude de radical autonomismo produz facilmente uma forma de sujeição muito pior do que a assustadora “heteronomia”: isto é, a dependência de opiniões alheias, de vínculos ideológicos e políticos, de pressões sociais, ou das próprias inclinações e paixões.

Quantas vezes quem crê ser e se gaba de ser um independente, um homem livre de toda a escravidão, se revela depois tão submetido à opinião pública e as outras formas, antigas e novas, de domínio sobre o espírito humano! É fácil verificar que a tentativa de prescindir de Deus, ou a pretensão de não precisar da mediação de Cristo ou da Igreja, tem um preço muito alto.

Era necessário chamar a atenção sobre este problema… Hoje repetimos mais uma vez: “sim à Igreja”, precisamente em virtude do nosso “sim a Cristo”.

Fonte: L’Osservatore Romano, N. 30 — 28 de julho de 1991, pg. 3

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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