O Livro de Urantia – EB

Em síntese: O Livro de Urantia, do qual são apresentados textos em brochura difundida no Brasil, pretende revelar uma cosmologia nova, com universos numerosos sobrepostos em três degraus. O nosso planeta se chamaria Urantia e seria cenário da vida de Micael, que neste mundo é conhecido como Jesus de Nazaré. O livro narra uma pretensa viagem de Jesus, anterior ao seu ministério público na Palestina, pelas regiões do Mediterrâneo, e propõe a expectativa de uma nova e mais ampla revelação de Jesus depurada de dogmas religiosos. – Tal obra é expressão de alta fantasia descontrolada e foge aos trâmites de um trabalho sério, de índole cientifica, que mereça consideração.

Está sendo difundida no Brasil uma obra intitulada “Trechos de O Livro de Urantia”, sem indicação de data de edição, sob a responsabilidade da Urantia Foundation, que tem sua sede central em Chicago (EE. UU.); essa entidade se ramifica na Inglaterra, França, na Espanha, na Finlândia e na Austrália. Visto que tal obra tem impressionado vários leitores, segue-se breve resenha da mesma.

O Conteúdo da Obra

Urantia, segundo se depreende do texto, é o planeta Terra. Este se acha localizado, junto com muitos outros planetas, no chamado “Universo local de Nebadon”. Este, por sua vez, juntamente com outros similares, constitui o Supremo Universo de Orvonton, cuja capital é Uversa. Há “sete super universos evolucionários do tempo e do espaço que circulam a criação sem princípio e sem fim da perfeição divina – o universo central de Havona. No coração deste universo eterno e central encontra-se a estacionário ilha do Paraíso, o centro geográfico da infinidade e a morada do Deus eterno”. – Estes dizeres, que se encontram logo no início da obra em foco, são um espécimen de como é complexo e difícil ou obscuro o pensamento de quem confeccionou o livro; tem uma concepção cosmológica altamente fantasiosa, que a ciência não comprova e que não tem respaldo em nenhum dado objetivo.

As demais especulações ou teorias de ordem filosófico-religiosa que o livro propõe, são do mesmo estilo: recorrem a muitos adjetivos, que pouco significam, e apresentam-se em frases que carecem a muitos adjetivos, que pouco significam, e apresentam-se em frases que carecem de nexo lógico entre si, de modo que formam o que se poderia chamar uma “verborragia” (efusão de palavras vazias), sem conteúdo apreciável. Eis mais duas amostras deste traço característico:

“Os Ajustadores são a realidade do amor do Pai encarnado nas almas dos homens; são a verdadeira promessa da carreira eterna do homem, aprisionada dentro da mente mortal; são a essência da personalidade aperfeiçoada do homem, a qual ele pode pressentir no tempo à medida que domina progressivamente a técnica divina de chegar a viver a vontade do Pai, passo a passo, através da ascensão de universo a universo até que realmente alcance a presença divina de seu Pai do Paraíso…

Todo mortal que tenha visto um Filho Criador viu ao Pai Universal, e o mortal que é habitado por um Ajustador divino é habitado pelo Pai do Paraíso” (p. 71).

A brochura intitulada “Trechos de O Livro de Urantia”, com suas 101 páginas, 150 x 220mm, apresenta trechos de um livro mais amplo dito “Livro de Urantia”. Este consta de quatro partes: 1) 0 Universo central e os Superuniversos; 2) O Universo local; 3) A História de Urantia; 4) A Vida e os Ensinamentos de Jesus. As três primeiras partes têm em vista descrever o ambiente no qual se diz que Jesus apareceu, ou seja, pretendem preparar a quarta parte da obra, que é a principal.

O que pode chamar a atenção nesta quarta parte, é a descrição de uma imaginária viagem de Jesus pelas regiões do mar mediterrâneo e pelo Oriente próximo (o texto chega a insinuar que Jesus esteve na Índia; ver p. 68),… viagem anterior ao ministério público de Jesus. Nessa viagem Jesus terá aprendido muitas coisas, que Ele apregoou na Palestina por ocasião de seus ensinamentos aos Apóstolos e às multidões.

O ministério público de Jesus não é relatado nos “Trechos de O Livro de Urantia”. Todavia, como se lê à p. 97 desta obra, o Livro tenciona apresentar “a vida e os preceitos de Jesus em sua forma original, livres de tradições e dogmas”; esperava-se “uma nova revelação de Jesus”, “uma ressurreição de Jesus, que sairá do sepulcro da teologia tradicional e será apresentado como o Jesus vivo à igreja que carrega seu nome e a todas as outras religiões”. Isto tudo é afirmado sem o mínimo comprovante ou em tom absolutamente gratuito.

2. Comentando…

Os trechos do Livro de Urantia fogem às normas da seriedade literária e científica. Nada dizem que mereça consideração mais atenta. O que se refere à viagem de Jesus anterior ao seu ministério público, é romance, e romance altamente imaginoso. Jesus vem apresentando como “soberano do nosso universo local; seu nome é Micael, o Filho de Deus e o Filho do Homem, conhecido neste mundo como Jesus de Nazaré” (cf. p. 96). A expectativa de nova revelação de Jesus é arbitrária e infundada. Não há por que nos detenhamos sobre o assunto.

Quanto à parte filosófico-religiosa especulativa da obra, é tão sem nexo que dificilmente se pode depreender o que o texto quer dizer, como se percebe através da leitura dos trechos atrás transcritos.

O Livro de Urantia vem a ser mais uma expressão dos anseios do homem contemporâneo, que deseja uma renovação do mundo e da história. Circulam atualmente numerosos escritos, de índole esotérico-ocultista ou não, que apregoam uma intervenção de Deus no curso dos acontecimentos. O fim de um milênio sugere, quase inconscientemente, a quem está insatisfeito, uma entrada drástica de Deus na história da humanidade a fim de pôr termo à perversão e inaugurar uma fase de paz e bonança sobre a terra. Esta expectativa é uma espécie de consolação para quem não vê solução a partir dos recursos convencionais (ciência, ética, educação…) do gênero humano,.. consolação precária, porém, porque não se pode crer que os problemas da humanidade se resolverão pondo-se de lado o raciocínio, o bom senso e o espírito crítico, para dar expansão à fantasia romancista descontrolada.

É de estranhar que a Fundação Urantia tenha seus núcleos em países do Primeiro Mundo, países em que o grau de cultura costuma ser elevado, ou países nos quais os cidadãos estão acostumados a usar da sua inteligência para estudar e trabalhar. Tem-se a impressão de que, no tocante à filosofia de vida e a cosmovisão, toda a humanidade está hesitante; tão ingentes são os problemas da hora atual que qualquer “profeta”, anunciando “‘Boas Novas” a partir de uma fonte oculta e inédita, encontra audiência.

Somente a fé no Evangelho como é guardado e proclamado pela Igreja que Cristo fundou e entregou a Pedro, pode trazer uma solução para os problemas da humanidade. Muito a propósito escreveu o S. Padre João Paulo II na sua Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente:

“36. Numerosos Cardeais e Bispos desejaram que se fizesse um sério exame de consciência, principalmente sobre a Igreja de hoje. No limiar do novo milênio, os cristãos devem pôr-se humildemente diante do Senhor, interrogando-se sobre as responsabilidades que lhes cabem também nos males do nosso tempo. Na verdade, a época atual, a par de muitas luzes, apresenta também muitas sombras.

Como calar, por exemplo, a indiferença religiosa, que leva tantos homens de hoje a viverem como se Deus não existisse ou a contentarem-se com uma religiosidade vaga, incapaz de se confrontar com o problema da verdade e com o dever da coerência? A isto, há que ligar também a difusa perda do sentido transcendente da existência humana e o extravio, no campo ético, até mesmo de valores fundamentais como os da vida e da família. Impõe-se, pois um exame aos filhos da Igreja: em que medida estão eles também tocados pela atmosfera de secularismo e relativismo ético? E que parte de responsabilidade devem eles reconhecer, quanto ao progressivo alastramento da irreligiosidade, por não terem manifestado o genuíno rosto de Deus, pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social?

Realmente não se pode negar que, em muitos cristãos, a vida espiritual atravessa um momento de incerteza que repercute não só na vida moral, mas também na oração e na própria retidão teologal da fé. Esta, já posta à prova pelo confronto com o nosso tempo, vê-se às vezes ainda desorientada por posições teológicas errôneas, que se difundem também por causa da crise de obediência ao Magistério da Igreja”.

Estas palavras do papa João Paulo II são aptas a suscitar a genuína resposta que os fiéis católicos hão de dar às fantasiosas divagações do Livro de Urantia e a escritos congêneres.

Revista “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 422 Ano 1997 p. 328

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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