O homem na jaula

Certa noite um rei estava de pé, perto de uma das janelas de seu palácio. Cansado da recepção a que acabara de comparecer, olhava para fora, com indiferença. De repente, seu olhar pousou sobre um homem que atravessava a praça, lá embaixo. Não dava para ver seu rosto ou perceber sua idade. Tudo indicava que era um homem comum. O rei começou a pensar como seria a vida daquele desconhecido. Imaginou-o chegando a casa. Provavelmente beijaria sua esposa e, enquanto estivesse comendo, perguntaria se, ao longo do dia, tudo havia corrido bem com as crianças. Depois, se sentaria para ler o jornal, iria dormir e, na manhã seguinte, se levantaria para trabalhar. Uma inesperada pergunta nasceu no coração do rei: o que aconteceria se aquele homem fosse preso e colocado em uma jaula, como os animais de um zoológico?

No dia seguinte, o rei chamou um psicólogo, falou-lhe de sua idéia e convidou-o a acompanhar a experiência que iria fazer. Em seguida, mandou trazer uma jaula do zoológico e nela colocou o tal homem que vira na noite anterior. A princípio, o enjaulado manifestou estar confuso, repetindo para o psicólogo, que o observava do lado de fora: “Preciso pegar o trem! Devo ir para o trabalho! Não posso chegar atrasado!” À tarde, mais consciente do que estava acontecendo, começou a protestar, de forma veemente: “O rei não pode fazer isso comigo! É injusto, é contra a lei!” Falava com voz forte e seus olhos faiscavam de raiva.

Durante a semana, continuou com suas reclamações. Quando, diariamente, o rei passava pela jaula, o homem protestava contra o monarca. Mas este lhe respondia: “Você está bem alimentado, tem boa cama e não precisa trabalhar. Estamos cuidando muito bem de você. Por que essas reclamações?” Após algumas semanas, elas começaram a diminuir e, passados alguns dias, cessaram por completo.

Mais algum tempo e o prisioneiro começou a discutir com o psicólogo se seria conveniente dar a alguém alimento e abrigo, só para se fazer uma experiência. Demonstrava estar mais conformado. Defendia a idéia de que o ser humano tinha de aceitar tudo passivamente. Assim, quando, dias depois, um grupo de professores e alunos veio observá-lo, o enjaulado os tratou cordialmente, explicando-lhes que escolhera aquela maneira de viver. Mais: havia grandes vantagens em estar assim protegido. Afinal, não precisava se preocupar com inúmeras coisas secundárias e podia concentrar sua atenção sobre o que lhe interessava. “Que coisa estranha e curiosa”, pensou o psicólogo. “Por que ele deseja tanto que os outros aprovem sua maneira de viver?”

Nos dias seguintes, cada vez que o rei passava diante dele, o homem preso se inclinava, reverenciando-o, ao mesmo tempo em que lhe agradecia pelo alimento e abrigo. Quando julgava que ninguém o observava, mostrava-se impertinente e mal-humorado. Se alguém tentasse conversar com ele, já não mais procurava demonstrar as vantagens de estar preso e ser bem tratado, mas limitava-se a repetir: “É o destino!” Ou, então, dizia simplesmente: “É!”

É difícil dizer quando falou a última frase com algum sentido, mas o psicólogo percebeu que, um dia, o rosto do homem não tinha mais expressão alguma; o sorriso deixara de ser subserviente e tornara-se vazio, sem sentido. Não mais usava a palavra “Eu”. Aceitara a jaula. Não sentia raiva ou ódio; não mais raciocinava. Estava louco.

Naquela noite, em seu gabinete, o psicólogo procurou escrever o relatório final da experiência. Não conseguia encontrar os termos corretos, pois sentia uma grande inquietação interior. Não conseguia afastar a idéia de que alguma coisa se perdera e fora roubada do universo, naquela experiência. E o que restara era o vazio.

A fábula acima está baseada em um texto do psicólogo Rollo May. Ela diz mais do que muitas páginas sobre a liberdade, o uso que dela fazemos e as prisões que criamos em torno de nós e dos outros. Mas ela é, sobretudo, um hino à vida – esse extraordinário dom que recebemos do Criador.

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Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia – BA

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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