O homem é, por natureza e por vocação, um ser religioso

Pe. Alex
Barbosa de Brito, EP –  2010/12/29 –  Gaudium Press

O homem é,
por natureza e por vocação, um ser religioso. Porque provém de Deus e para ele
caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente sua
relação com Deus. O homem é feito para viver em comunhão com Deus, no qual
encontra sua felicidade:

“Quando
eu estiver inteiramente em Vós, nunca mais haverá dor e provação; repleta de
Vós por inteiro, minha vida será verdadeira” (Santo Agostinho., Conf.
10,28,39). (CATECISMO, 2001: 26)

“O
homem é, por natureza e por vocação, um ser religioso” (CATECISMO, 2001:
26). Por natureza porque tendo sede do infinito, nunca se satisfaz inteiramente
com as criaturas que se lhe apresentam pelos sentidos, por serem estas
relativas e finitas. O homem tem sede natural de algo absoluto e transcendente
que o tome por inteiro, em todas as suas potências, e na própria essência mesma
de sua alma de modo eterno e infinito.

Por
vocação, pois se o mesmo Deus criou a humanidade com esse instinto que a
estimula a procurá-lo é porque de fato deseja que o faça, visto ser próprio da
Sabedoria Divina não fazer nada sem uma finalidade. Esse desejo do absoluto no
homem constitui, portanto, um chamado posto em sua própria natureza, sendo um
sinal infalível de sua vocação religiosa.

Levando em
consideração o que foi dito acima, fica fácil compreendermos o que é afirmado
no parágrafo seguinte: “O homem é feito para viver em comunhão com Deus,
no qual encontra sua felicidade”. (CATECISMO, 2001: 26)

Eis o que
demonstra a este respeito São Tomás:

“A
beatitude última e perfeita, não pode estar senão na visão da divina essência,
para a evidência do que duas cousas se devem considerar. A primeira é que o
homem não é perfeitamente feliz, enquanto lhe resta algo a desejar e a buscar.
A segunda é que a perfeição é relativa à natureza do seu objecto. Ora, o
objecto do intelecto é a quididade, i.é, a essência da cousa, como diz
Aristóteles. Por onde, a perfeição do intelecto esta na razão directa do seu
conhecimento da essência de uma cousa. De um intelecto, pois, que conhece a
essência de um efeito sem poder conhecer, por ele, o que a causa essencialmente
é, não se diz que atinge a causa em sim mesma, embora possa, pelo efeito, saber
se ela existe. Por onde, permanece naturalmente no homem o desejo de também
saber o que é a causa, depois de conhecido o efeito e de sabido que tem causa.
E tal desejo é o de admiração e provoca a indagação, como diz Aristóteles.
[…] Se, pois, o intelecto humano, conhecendo a essência de um efeito criado,
somente souber que Deus existe, a sua perfeição ainda não atingiu a causa
primeira. E assim, terá sua perfeição pela união com Deus como o objeto em que
só consiste a beatitude do homem conforme já se disse”. (AQUINO, I-II Q. 3, A. 8, REP, 1980: 1057 ,
grifo nosso)

Entretanto,
embora Deus tenha criado a humanidade com tais anseios naturais, estes são
insuficientes para produzir de um modo perfeito esta relação, pela incapacidade
da natureza humana acrescida pelas consequências do pecado original. É o que
afirma o Doutor Angélico a respeito da Doutrina Sagrada:

“Para
a salvação do homem, é necessária uma doutrina, conforme à revelação divina,
além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque, primeiramente o
homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão racional […].
Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos homens, que para ele têm de
ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do homem, foi preciso,
por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades superiores à
razão. Mas também, naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão humana,
foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade
sobre Deus, exarada pela razão, por poucos chegaria aos homens, depois de longo
tempo e de mistura com muitos erros”. ( AQUINO, I Q. 1, A1, REP, 1980: 2)

Faz-se
necessária, portanto, uma intervenção da própria Divindade, revelando-se em seu Mistério Trinitário
como afirma o Catecismo (2001: 27):

“Mediante
a razão natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a partir de suas
obras. Mas existe outra ordem de conhecimento que o homem de modo algum pode
atingir por suas próprias forças, a da Revelação divina (Cf. Conc. Vaticano I:
DS 3015). Por uma decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem.
Fá-lo revelando seu mistério, seu projeto benevolente, que concebeu desde toda
a eternidade em Cristo em prol de todos os homens. Revela plenamente seu
projeto enviando seu Filho bem-amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito
Santo”.

A respeito
da finalidade dessa Revelação, eis o que acrescenta a mesma obra:

“Deus,
que ‘habita uma luz inacessível’ (1Tm 6,16), quer comunicar sua própria vida
divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho
único, filhos adotivos (Cf. Ef 1,4-5). Ao revelar-se, Deus quer tornar os
homens capazes de responder-lhe, de conhecê-lo e de amá-lo bem além do que
seriam capazes por si mesmos”. (CATECISMO, 2001: 28).

Como se
observa no trecho acima, o fim da Revelação consiste no fato de o homem
participar da própria vida divina, com os devidos socorros de Deus para
torná-lo capaz de empresa tão além de suas forças. Essa vida divina faz com que
a natureza humana torne-se intimamente unida a Deus, através da adoção filial,
por meio de Jesus Cristo.

O motivo da
Revelação é o amor de Deus: “Por amor, Deus revelou-se e doou-se ao
homem”. (CATECISMO, 2001: 32).

Qual deve
ser a resposta do homem a esse amor que Deus lhe manifesta pela Revelação?
Encontrá-la-emos novamente no Catecismo (2001: 48): “A resposta adequada a
este convite é a fé. Pela fé, o homem submete completamente sua inteligência e
sua vontade a Deus”.

Tal fé como
fundamento da santidade traz como consequência o agir corretamente, como está
no Catecismo (2001: 468): “Quem crê em Cristo torna-se Filho de Deus. Esta
adoção filial o transforma, propiciando-lhe seguir o exemplo de Cristo. Ela
torna-o capaz de agir corretamente e de praticar o bem”.

E o efeito
dessa fé posta em obras de perfeição só pode ser o que vem em seguida, no mesmo
trecho: “Em união com seu Salvador, o discípulo alcança a perfeição da
caridade, a santidade. Amadurecida na graça, a vida moral desabrocha em vida
eterna na glória do céu”. (CATECISMO, 2001: 468, grifo nosso)

Em
decorrência do que foi exposto acima, torna-se evidente que a Revelação é uma
conclamação à santidade pronunciada pelo próprio Deus, e tal conclamação se
dirige à universalidade dos homens e mulheres:

Fique bem
claro que todos os fiéis, qualquer que seja sua posição na Igreja ou na
sociedade, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. A
santidade promove uma crescente humanização. Que todos pois se esforcem, na
medida do dom de Cristo, para seguir seus passos, tornando-se conformes à sua
imagem, obedecendo em tudo à vontade do Pai, consagrando-se de coração à glória
de Deus e ao serviço do próximo. A história da Igreja mostra como a vida dos
santos foi fecunda, manifestando abundantes frutos da santidade no povo de
Deus. (LUMEN GENTIUM, 2007: 223, grifo nosso)

Em Cristo Jesus somos todos chamados a pertencer à
Igreja e, pela graça de Deus, a alcançar a santidade. (LUMEN GENTIUM,2007: 231)

A
finalidade para a qual a Igreja propõe alguns desses fiéis que alcançaram a
plenitude da vida cristã e já receberam o prêmio da bem-aventurança eterna à
veneração pública está no seguinte fato, expresso nos trechos abaixo:

“Ao
canonizar certos fiéis, isto é, ao proclamar solenemente que esses fiéis
praticaram heroicamente as virtudes e viveram na fidelidade à graça de Deus, a
Igreja reconhece o poder do Espírito de santidade que está em si e sustenta a
esperança dos fiéis propondo-os como modelos e intercessores”. (CATECISMO,
2001: 238, grifo nosso)

“De
fato, os que alcançaram a pátria e estão presentes ao Senhor, por ele, com ele
e nele intercedem continuamente junto ao Pai. Fazem valer os méritos que
obtiveram pelo único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, por terem
servido em tudo ao Senhor e completado em sua própria carne a paixão de Cristo,
em favor do corpo, que é a Igreja. Sua fraternidade solícita é assim um
precioso auxílio para a nossa fraqueza.[…]”.

A Igreja
também sempre acreditou que os apóstolos e mártires de Cristo que, derramando
seu sangue, deram o testemunho supremo de fé e de amor, estão particularmente
unidos a nós. Por isso os venera com particular distinção, juntamente com a
santa Virgem Maria e os santos anjos implorando piedosamente o auxílio de sua
intercessão. A eles se unem imediatamente os que imitaram mais de perto a
castidade e a pobreza de Cristo, seguidos de todos aqueles que se santificaram
pela prática das virtudes cristãs e cujo carisma os recomenda á piedosa devoção
e à imitação dos fiéis.

Ao
contemplarmos a vida daqueles que seguiram fielmente a Cristo, somos
estimulados a considerar sob uma nova luz a busca da cidade futura. Em meio às
inúmeras veredas deste mundo, aprendemos o caminho certo para chegar à
santidade, que consiste na perfeita união com Cristo, segundo o estado e a
condição de cada um. Deus manifesta com clareza aos homens sua presença e sua
face através da vida daqueles que, iguais a nós na humanidade, foram
transformados de maneira mais perfeita segundo a imagem de Cristo. Por eles,
Deus nos fala, dá-nos um sinal de seu reino e nos atrai para a verdade do
Evangelho, por uma imensa quantidade de testemunhas”. (LUMEN GENTIUM, pp.
233-234)

Entretanto,
esta santidade que é em sua essência a mesma em todos aqueles que dela
participam, manifesta formas acidentais diferentes na diversidade dos santos.
Esta verdade vimo-la expressa no trecho supracitado do documento Lumen Gentium,
no qual se percebe uma hierarquia e alteridade de santidades através da
enumeração sintética das diversas classes de santos veneradas pela Igreja.

É o que
encontramos em Saint-Laurent (1997: 47, grifo nosso):

“Reina
entre os santos uma admirável variedade. A virtude de um rei, como São Luís IX,
não é igual à de um mendigo voluntário, como São Bento José Labre. A perfeição
de um velho, como o grande Santo Antão do Deserto, não é a de um jovem, como
Santo Estanislau Kostka. A santidade de um leigo, não é a de um sacerdote ou de
um bispo. Cada um desses heróis sublimes da vida cristã tem a sua própria
fisionomia sobrenatural”.

Existe,
portanto, além de uma vocação à santidade que se refere à generalidade dos
homens, um chamado específico para cada um, um modo de ser santo diverso para
cada família de almas e para cada ser humano em sua individualidade.

Para
finalizarmos este tópico citaremos uma bela passagem sobre este assunto de
Garrigou-Lagrange (1938: 28-29), na qual ele dá uma definição de santidade de
um modo bastante claro e expressivo, fazendo-a uma consequência lógica da
vivência profunda e radical da fé, da qual procede o amor a Deus e ao próximo:

“Pode-se
julgar a vida normal da santidade através de dois pontos de vista bem
diferentes:

– Um,
focalizando nossa natureza (…).

– Mas
também tomando como referência os mistérios sobrenaturais da inabitação da
Santíssima Trindade em nós, da Encarnação redentora e da Eucaristia.

Ora, esse
último ponto de vista é o único que representa o juízo da sabedoria, per
altissimam causam; o outro modo é pela ínfima causa […]”.

Se é
verdade que a Santíssima Trindade habita em nós, que o Verbo se fez carne, que
se oferece sacramentalmente por nós cada dia, na Missa e se dá a nós como
alimento, se tudo isso é real, somente os santos que vivem dessa presença
divina por conhecimento quase experimental frequente, e por um amor sempre
crescente, em meio às obscuridades e dificuldades da vida, somente esses santos
estão inteiramente em ordem.
E a vida de íntima união com Deus, longe de se apresentar, no
que tem de essencial, como coisa extraordinária em si, aparece como a única
normal.

Antes de
chegarmos a essa união, somos como pessoas ainda meio adormecidas, que não
vivem suficientemente do tesouro imenso que nos foi dado, e das graças sempre
novas concedidas aos que querem seguir generosamente a Nosso Senhor.

Por
santidade entendemos uma união íntima com Deus, isto é, uma grande perfeição de
amor de Deus e do próximo, perfeição que permanece sempre na vida normal, pois
o preceito do amor não tem limites.

Para
precisar ainda mais, diríamos que a santidade é o prelúdio normal imediato da
vida no Céu, prelúdio que é realizado ou na Terra, antes da morte, ou no
Purgatório, e que supõe que a alma está perfeitamente purificada, capaz de
receber a visão beatífica.

Também
percebemos no extrato acima que a condição normal da natureza humana é a
santidade, pois, se por ordem entendemos a reta disposição das coisas segundo
sua natureza e de acordo com determinado fim, devemos inferir que a verdadeira
ordem para uma pessoa humana está na união com Deus, sua causa e sua finalidade.

Fonte: http://www.gaudiumpress.org/view/show/22237

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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