O Dom da Vida: Respostas a questões de Bioética – EB (Parte 2)

2. A fecundação artificial heteróloga é conforme com a
dignidade dos esposos e a verdade do matrimônio?

– O recurso aos gametas de
terceira pessoa (mediante proveta ou não) constitui uma violação do compromisso
recíproco dos esposos e falta grave contra aquela propriedade essencial do
matrimônio que é a sua unidade.

Além disto, a fecundação
heteróloga lesa direitos do filho, privando-o da relação filial com um dos seus
genitores – o que pode prejudicar o amadurecimento da identidade pessoal da
prole.

Observe-se ainda que a
alteração das relações pessoais dentro da família repercute na sociedade civil;
aquilo que ameaça a unidade e a estabilidade da família, é fonte de desordens e
injustiças em toda a vida social.

Por razões ainda mais
imperiosas, entende-se que a fecundação artificial de uma mulher não casada –
solteira ou viúva – seja quem for o doador, não pode ser justificada no plano
moral.

3. A maternidade “substitutiva” é moralmente lícita?

– Antes do mais, notemos que
por “mãe substitutiva” se entende

a) a mulher que traz em
gestação um embrião  transplantado em seu
útero e que lhe é geneticamente estranho, porque obtido mediante a união de
gametas de doadores com o compromisso de entregar a criança, uma vez nascida, a
quem encomendou ou contratou tal gestação;

b) a mulher que traz em
gestação um embrião para cuja concepção contribuiu com a doação do seu próprio
óvulo, fecundado pelo esperma de um homem diverso do seu próprio marido, com o
compromisso de entregar o filho, uma vez nascido, a quem encomendou ou
contratou a gestação.

Dito isto, observamos que a
maternidade substitutiva não é lícita pelas mesmas razões que levam a rejeitar
a fecundação artificial heteróloga. Com efeito; é contrária à unidade do
matrimônio e à dignidade da procriação humana.

Além do mais, a maternidade
substitutiva geralmente é paga, como se 
pagasse o aluguel de uma máquina incubadora. Ora isto degrada a novo
título o ser humano, especialmente a mulher, que tente a reivindicar para si o
filho que ela gestou.

Fecundação artificial
homóloga (nº 4-8)

Por fecundação artificial
homóloga entendem-se as técnicas destinadas a obter um embrião a partir dos
gametas dos dois esposos sem intervenção de terceira pessoa (doador). Pode ser
efetuada ou por  transferência direta dos
espermatozóides, recolhidos artificialmente, para as vias genitais da esposa ou
por encontro dos gametas do esposo e da esposa dentro de uma proveta (FIVETE).

Colocam-se a propósito as
perguntas nº 4-8.

4. Do ponto de vista moral,
que liame é exigido entre procriação e ato conjugal?

– O Criador fez  o ato conjugal unitivo e fecundo. Em
conseqüência, a  cópula sexual entre
esposos, por sua estrutura mesma, torna-os aptos para a geração de nova vida
segundo as leis inscritas no organismo do homem e da mulher. Donde se deduz que
não é lícito provocar a produção de um ser humano que não seja o fruto direto
do amor de esposo e esposa.

Com outras palavras: a
origem de uma pessoa humana é o resultado de uma doação. O filho deve ser o
fruto do amor de seus pais. Não pode ser programado e concebido como o produto
de técnica  médicas e biológicas; isto
eqüivaleria a reduzi-lo à condição de um artefato da tecnologia científica. A
ninguém é lícito submeter a vinda ao mundo de uma criança a condições de
eficiência técnica, avaliadas segundo critérios de controle e domínio.

5. A fecundação homóloga “in vitro” é moralmente lícita?

– Não há dúvida, o desejo de
um filho da parte de casais estéreis é muito legítimo. Ora o processo do FIVETE
parece ser às vezes a via – a única via – para a realização de tal anseio.

Notemos, porém, que a  boa intenção não é suficiente para dar
legitimidade à fecundação artificial homóloga in vitro. Esta há de ser julgada
em si mesma ou como tal. Ora verifica-se que

– o FIVETE implica a
destruição de seres humanos, tidos como excedentes ou indesejáveis – o que é
ilícito;

– mesmo que se tomem todas
as cautelas para não matar embriões 
humanos, o FIVETE homólogo dissocia a um do outro o ato de fecundação e
o ato de cópula conjugal. Com efeito; mediante gestos de terceiros, cuja
competência técnica determina o sucesso da intervenção, entrega a vida e a
identidade do embrião ao poder dos médicos e biólogos e instaura o domínio da
técnica sobre a origem e o destino da pessoa humana. Ora isto fere as
características específicas da pessoa. A geração humana, no caso, já não é o
fruto de um ato conjugal em que os esposos se tornam cooperadores de Deus para
a transmissão da vida.

6. Como julgar, do ponto de
vista moral, a inseminação artificial homóloga?

– Esta há de ser avaliada
segundo os critérios já propostos: dissocia a cópula sexual, expressão do amor
conjugal, do ato de fecundar e procriar. A própria masturbação, que seria um
dos recursos aplicados para se obter a semente vital masculina, é um ato
solitário ou um ato que carece da doação mútua que a natureza associou à
genitalidade. Por isto a masturbação, mesmo quando provocada em vista da
fecundação artificial, é um ato defeituoso ou um nascisismo que contradiz à
natureza.

Só se pode admitir a
intervenção da técnica dentro do relacionamento sexual dos cônjuges quando visa
a facilitar ou completar a ação da natureza por ocasião da própria cópula.
Neste caso, os recursos artificiais não substituem o ato conjugal, mas
ajudam-no a obter a sua finalidade natural.

Aliás, sobre a inseminação
artificial homóloga a Igreja já se pronunciou algumas vezes no esmo sentido,
desde o ano de 1897. Cf. PR 226/1978, pp. 414s.

7. Que critério moral deve
ser proposto a respeito da intervenção do médico na procriação  humana?

– A ação do médico não deve
ser avaliada apenas segundo os seus aspectos técnicos, mas também, e
principalmente, em função da sua finalidade, que é o bem das pessoas, tanto no
plano corporal como no físico. Por isto a medicina deve respeitar a sexualidade
no que ela tem de especificamente humano; não lhe é lícito dominar as funções
genitais à revelia das leis da natureza, obtendo um embrião que não seja o
fruto do ato conjugal de esposo e esposa. A humanização da medicina, tão
apregoada hoje em dia, exige o respeito da dignidade integral da pessoa humana,
especialmente no ato e no momento em que os esposos transmitem a vida a um novo
ser. Os médicos católicos e os responsáveis por clínicas ou outros
estabelecimentos  católicos hão de se
empenhar especialmente para que tais normas sejam observadas.

8. O sofrimento da
esterilidade conjugal

O sofrimento dos esposos que
não podem ter filhos ou que receiam  ter
um filho excepcional, merece ser compreendido e avaliado. O desejo de
prole  exprime a vocação à paternidade e
à maternidade inscrita no amor conjugal.

Todavia o matrimônio não
confere aos cônjuges o direito de ter um filho,, mas apenas o direito de
realizar aqueles atos naturais que, de per si, são dirigidos à procriação.

Com efeito, um direito ao
filho seria contrário à dignidade do próprio filho, pois este não pode ser
considerado objeto de propriedade; é um dom, o maior e o mais gratuito dom
feito aos cônjuges; é o testemunho vivo da doação recíproca dos genitores.

Os esposos que se encontram
nestas condições, procurem ver nas mesmas a oportunidade de participar da cruz
do Senhor, fonte de fecundação espiritual. Os casais estéreis não devem
esquecer que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por isto a vida
conjugal perde o seu valor; com efeito, a esterilidade física pode ser ocasião,
para os esposos, de prestar outros importantes serviços à vida, tais como a
adoção de crianças, as obras educativas, o auxílio a outras famílias, às
crianças pobres e excepcionais.

Os homens de ciência são
exortados a prosseguir as suas pesquisas a fim de prevenir as causas da
esterilidade ou mesmo levar-lhes o devido remédio.

PARTE III: MORAL E LEI CIVIL

O direito de todo indivíduo
humano inocente à vida e os direitos da família e da instituição matrimonial
são elementos constitutivos da sociedade civil e da sua ordem jurídica.

Por isto as novas
possibilidades técnicas abertas no campo da biologia exigem a intervenção dos
legisladores, pois o recurso incontrolado a 
tais técnicas poderia levar a conseqüências altamente prejudiciais à
sociedade. Os  direitos inalienáveis da
pessoa devem ser respeitados e favorecidos pela legislação civil; não são uma
concessão do Estado, mas pertencem à natureza humana por força do ato criador
que lhe deu origem.

Em várias nações, as leis
autorizam a supressão direta de inocentes; em tais casos, o Estado nega a
igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não se empenha pelos direitos
dos cidadãos, especialmente dos mais fracos, são ameaçados os fundamentos
mesmos de um Estado de direito. Por conseguinte, as autoridades civis não podem
aprovar que certos seres humanos sejam chamados à existência mediante processos
que os exponham aos gravíssimos riscos de ser eliminados segundo os critérios
da técnica. A lei civil deve também estar a serviço da família; por isto não
poderá dar a sua chancela às técnicas de procriação artificiais que lesem a
intimidade das relações conjugais. Bancos de gametas ou de embriões, inseminação
“após a morte” e maternidade substitutiva são façanhas que a lei, tutora do
bem-comum, não pode apoiar nem oficializar.

Nos países em que as leis
contrariam os ditames da natureza no tocante à procriação, é para desejar que
se reconheça e fomente a “objeção de consciência”, ou seja, o direito que
toca  aos cidadãos, de se furtar a
obedecer a tais leis. Também se torna necessário que os homens de boa vontade
se esforcem para que sejam reformadas as leis inaceitáveis e corrigidas as
práticas ilícitas. Aliás, em nossos dias já começa a se impor à consciência
moral de muitos cidadãos, especialmente na área das ciências biomédicas, a
exigência de resistir à legitimação de práticas contrárias à vida e à dignidade
do homem.

Conclusão

Intervindo em matéria
biomédica, a Igreja não tenciona senão defender o homem contra os excessos do
seu próprio poder e, ao mesmo tempo, lembrar-lhe os títulos da sua verdadeira
nobreza: o homem é criatura singular no conjunto dos demais seres visíveis e,
por isto, não pode ser tratado como o são os irracionais, ou seja, segundo
critérios pragmáticos, utilitaristas, tecnicistas, cientificistas,
economicistas… A Igreja não tenciona cerear o esforço de reflexão e pesquisa
dos estudiosos, mas antes  favorecer um
impulso renovado da ciência dentro da fidelidade à indelével dignidade humana;
o  homem só poderá ser feliz se ele viver
e amar dentro dos parâmetros da sua natureza chamada a se realizar plenamente
na transcendência ou no encontro com o Criador.

Por isto, é formulado um
apelo  também aos teólogos e moralistas,
para que tornem sempre mais acessível aos fiéis e a todos os homens o
ensinamento da Igreja, penhor de sadio desabrochamento da pessoa e da família
humanas.

Até aqui o texto da
Instrução. Após a ter lido, o estudioso observa que as suas respostas estão
todas baseadas em determinada antropologia ou conceituação do ser humano:
afinal que é o homem, cuja procriação a ciência contemporânea vem pesquisando?
Se não se leva em conta tal conceituação, o teor da Instrução se torna
incompreensível.

A Introdução do Documento
explana tal premissa antropológica em breves parágrafos, mas talvez seja este o
segmento que menos atenção merece de quem procura respostas a questões
concretas. Eis por que o Cardeal Ratzinger, ao apresentar à  imprensa a Instrução, quis, nos termos
abaixo, sintetizar as grandes linhas da antropologia subjacente ao mesmo, que é
a do ensinamento constante da Igreja.

1) A pessoa humana consta de
corpo e alma, de tal modo que o corpo não é simplesmente redutível às leis da
bioquímica, mas integra um eu ou uma pessoa chamada a participar da vida
eterna. O corpo é a manifestação  da
pessoa ou é a pessoa na sua visibilidade, de modo que o respeito devido à
pessoa se traduz em respeito devido ao corpo. Conseqüentemente, quando o corpo
é tratado como objeto ou coisa, deve-se dizer que é a própria pessoa que sofre
tal tratamento.

2)  A pessoa 
humana é dotada de tal dignidade que ela jamais pode ser considerada
como objeto, mas é sempre e somente sujeito; ela não é algo, mas alguém. Ora a
lógica de muitas técnicas atuais de reprodução é a lógica da reprodução de
“objetos”: lógica que estabelece uma relação de desigualdade entre o técnico
(aquele que produz) e aquilo que é produzido, relação de domínio do primeiro
sobre o segundo. Embora a intenção dos cientistas seja boa, ela não é
suficiente para legitimar certos tipos de experiência que eles vêm realizando.
A mentalidade do homem que assume o lugar de Deus frente ao seu semelhante, já
produziu em nosso século os mais nefastos e ainda pode originar  outras graves males.

3) Somente o ato sexual
realizado entre dois cônjuges reúne as condições correspondentes à dignidade da
procriação humana. Com efeito; a sexualidade conjugal é a expressão do dom
definitivo que cada cônjuge faz de si ao outro; assim ela confirma e alimenta
entre os esposos uma comunhão de amor total e indissolúvel; tal comunhão é
chamada por Deus a participar na obra do Criador (Constituição Gaudium et Spes
nº 50, 1). Por conseguinte, não é por acaso que o ato conjugal tem as duas
características de ser unitivo e fecundo. 
Separar a fecundidade da comunhão de amor vem a ser um desrespeito tanto
à procriação como ao amor humano. O ato de amor conjugal é, portanto, o único
berço digno do novo ser humano.

São estas as grandes
verdades que perpassam a Instrução Donum Vitae  e inspiram as suas respostas.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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