O Cristianismo e a história das Religiões

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb.

Nº 266 – Ano 1983 – Pág. 23.

CRISTIANISMO E HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

Em síntese: O presente artigo analisa
o livro de I. Kryvelev intitulado “Du sens des Evangiles”. Trata-se de autor
marxista que, em estilo popular, pretende mostrar que Jesus Cristo não existiu
e que os Evangelhos são o eco de tradições mitológicas do Oriente antigo. – A
propósito observamos que o livro de Kryvelev afirma gratuitamente, sem provar;
além do que se segue a escola das religiões comparadas, que teve sua voga em
fins do século XIX e começo do século XX, mas hoje em dia carece de atualidade.
Nenhum estudioso sério nega a existência histórica de Jesus; a crítica hoje
recorre à filosofia existencialista e à hermenêutica. Os autores católicos têm
estipulado critérios para identificar as perícopes do Evangelho, discernindo
entre elas ipsissima verba Christi e ipsissima vox Christi, ou seja, as
próprias palavras e o próprio estilo de Jesus. Tal trabalho é criterioso e científico;
por vias objetivas, põe em relevo a figura de Jesus Cristo na sua singularidade
de Salvador e Messias aguardado pelos Profetas de Israel e portador de novidade
inédita entre os homens.

 

Comentário: A propaganda
anti-religiosa da U.R.S.S. tem editado em diversas línguas escritos populares
que visam a destruir os valores da fé, especialmente os do Cristianismo. Tem-se
difundido no Brasil o livro de I. Kryvelev intitulado “Du sens des Evangiles”
(sem data de publicação) e editado em Moscou (132 x 202 mm, 134 pp). Este
opúsculo realiza a crítica dos Evangelhos, tendendo a demonstrar que Jesus
Cristo nem sequer existiu e que, por conseguinte, os Evangelhos não são senão o
eco de proposições da mitologia oriental. Visto que o assunto ocorre também sob
a pena de escritores de língua portuguesa, abordaremos nas páginas subseqüentes
o conteúdo do livro em pauta.

Origem dos Evangelhos segundo
Kryvelev

Quem lê as explanações de Kryvelev
verifica que estão longe do estilo criterioso e documentado que caracteriza as
obras de cunho científico. Apresentam uma série de afirmações não comprovadas,
de índole genérica e vaga. Além do que, seguem escolas de crítica dos
Evangelhos do século XIX ou do início do século XX, escolas que hoje estão
ultrapassadas, principalmente pelo método da história das formas e seus
corifeus. Como quer que seja, o leitor desprevenido ou não iniciado poderia
deixar-se levar pelas teses de Kryvelev, que dão a impressão de estar revelando
novidades “científicas” ao estudioso. Eis por que nos deteremos no exame das
considerações do autor soviético, investigando a sua consciência.

1.1. A historicidade de Jesus Cristo

Para Kryvelev, Jesus Cristo não
existiu (p. 46). Os Evangelhos seriam conglomerados de proposições tomadas de
empréstimo à mitologia oriental. O mais antigo dos livros cristãos seria o
Apocalipse de São João datado de 68-69 da era cristã, escrito este que nada diz
sobre a vida terrestre de Jesus. A primeira redação dos Evangelhos, a que é
atribuída a Marcos, terá sido escrita pouco antes de 150 d.C.; só se terá
tornado conhecida no fim do século II, Em meados do século II, terão sido
escritos os Evangelhos atribuídos a Mateus e Lucas. Quanto ao quarto Evangelho
(que não seria de S. João Apóstolo), foi redigido em 170-175 por discípulos de
Marcion. Distanciando do começo da era cristã a redação dos Evangelhos,
Kryvelev tenciona tirar-lhes todo caráter histórico; apresenta-os como produto
da fantasia mítica e obscurantista de antigos cristãos.

1.2. Os escritos do Novo Testamento

São Paulo nunca existiu, afirma
Kryvelev (p. 54); por conseguinte, as cartas que trazem o seu nome, são
espúrias.

A cidade de Nazaré não existia no
século I da era Cristã, fundada que foi em época posterior (p. 26). Os
Evangelhos estariam cheios de notícias posterior (p. 26). Os Evangelhos
estariam cheios de notícias falsas a respeito da história de Israel e da
topografia da Palestina, pois teriam sido redigidos mais de um século depois da
época a que tencionam referir-se. O autor do livro russo se compraz em citar
tópicos dos relatos evangélicos que lhe parecem errôneos. À guisa de espécimen,
aduzimos o caso seguinte:

“Repetidamente, os evangelistas
chamam “Mar da Galiléia” o lago de Genesaré. Ora este é um pequeno lago de água
doce. Quem se encontra no meio dele, vê muito bem as margens. Se o evangelista
tivesse visto este lago, certamente o teria chamado “Mar” (p. 31).

Na verdade, o lago mede 21 km de comprimento, 13 km em sua largura máxima e
54 m de
profundidade. Os judeus deram-lhe o nome de Kinneret, derivado de Kinnor =
harpa, pois o contorno do lago se parece com o de uma harpa. Após o cativeiro
da Babilônia (587-538 a.C.),
tal lago foi chamado Mar de Genesar ou Gennesaret. No Novo Testamento é dito
também Mar da Galiléia e Mar de Tiberíades. Este último nome foi conservado
pelos árabes sob a forme Bahr Tabariyeh. Donde se vê que a designação de Mar
não se deve à ignorância dos evangelistas, mas à prática mesma dos judeus
anteriores a Cristo.

Perguntamo-nos: as afirmações de
Kryvelev sobre Jesus Cristo e os livros do Novo Testamento têm algum valor
científico?

Relendo o livro de Kryvelev…

Examinaremos: 1) a figura histórica
de Jesus Cristo; 2) a fidelidade dos escritos do Novo Testamento.

2.1. A figura histórica de Jesus
Cristo

A diferença de Buda, Jesus não veio
ao mundo em época e em região pouco conhecidas pela historiografia. Ao
contrário, o mundo israelita do século I d.C., como também a história e a
geografia do Império Romano da época, se encontram assaz documentados; as escavações
arqueológicas e as descobertas paleográficas contribuíram nos últimos decênios
para ilustrar mais ainda os traços típicos da época de Jesus Cristo. À luz
destes dados, Jesus Cristo jamais poderá ser tido como figura vaga, de estofo
mítico ou lendário, como são Orfeu, Atis e Krishna.

Vejamos o que dizem os antigos
escritores não cristãos a respeito da existência de Jesus.

2.1.1. Fontes não cristãs: observação
preliminar

As fontes não cristãs (judias e
pagãs) pouco nos dizem a respeito de Jesus. Isto se compreende bem. Com efeito;
as origens de um movimento religioso são, em geral, pouco percebidas, ficando
limitadas ao círculo dos adeptos do movimento. Somente quando o grupo novo
começa a se expandir e entra em choque com situações e costumes existentes,
chama a atenção do público sobre si. É então que os historiadores lhe dão
espaço em seus escritos (caso não julguem melhor calar-se a respeito). Mesmo
essas primeiras notícias vêm a ser alusões rápidas, pouco exatas, às vezes
inspiradas por preconceitos injustos. Tenha-se em vista, por exemplo, o que os
escritores romanos dos primeiros séculos referem a respeito dos judeus, que
tinham importante colônia no Trastevere.

Ora pode-se dizer que este fenômeno
da psicologia dos historiadores se verifica também no caso de Jesus: os dados
que os autores romanos e judeus nos transmitem, não são amplos nem minuciosos,
mas bastam ao menos para assegurar a realidade histórica de Jesus e alguns
traços da sua carreira humana: datas aproximadas, quadro de sua atividade,
morte violenta, influência póstuma.

Examinemos agora o conteúdo das
fontes judaicas.

2.1.2. Fontes judaicas

Os historiadores judeus posteriores a
Jesus observavam a respeito deste uma atitude de reserva bem compreensível,
visto que Jesus lhes parecia um dissidente. Como quer que seja, pode-se
mencionar o Talmud, coleção de leis e comentários histórico-jurídicos devidos
aos rabinos e aos fariseus. Transmitidos oralmente desde o início da era
cristã, esses ensinamentos foram finalmente codificados nos séculos V e VI d.
C. na Palestina e na Babilônia. Apresentam algumas passagens referentes a
Jesus. O valor de tais testemunhos está em que, embora se oponham à tradição
cristã, não negam a existência de Cristo, mas procuram interpretá-la de maneira
a ridicularizar os fundamentos da fé cristão (quem se daria ao trabalho de
desfigurar uma figura lendária?). Eis um ou outro dos espécimens mais
significativos dessa tradição:

O Tratado Sanhedrin 43º do Talmud da
Babilônia refere:

“Na véspera de Páscoa, suspenderam a
uma haste Jesus de Nazaré. Durante quarenta dias um arauto, à frente dele,
clamava: “Merece ser lapidado porque exerceu a magia, seduziu Israel e o levou
à rebelião. Quem tiver algo a dizer para o justificar, venha proferi-lo!” Nada,
porém, se encontrou que o justificasse; então suspenderam-no à haste na véspera
de Páscoa”.

Este texto parece envolver
contradição: Jesus fora condenado à lapidação, mas a pena aplicada foi a de
pender do lenho. Talvez se possa explicar a incoerência pelo fato de que a lapidação
era o castigo judaico infligido aos magos sedutores do povo e idólatras;
dizendo-se, pois, que Jesus fora condenado ao apedrejamento, procurava-se
justificar a sua condenação; contudo a crucificação de Jesus era fato demasiado
arraigado na tradição para que se pudesse dizer que morrera lapidado. – Note-se
outrossim a acusação de magia feita a Jesus: supõe que o Senhor haja realizado
milagres (os milagres de que fala o S. Evangelho); interpreta-os, porém, em
sentido pejorativo como obras diabólicas; chama a nossa atenção a semelhança
entre esta interpretação e a que os fariseus proferiram, imputando a Jesus
colaboração com Beelzebul, o príncipe dos demônios (cf. Mc 3,22). – Outro
pormenor interessante: as narrativas evangélicas dão a entender que o processo
de Jesus se realizou às pressas, já estando sua condenação resolvida de
antemão. Ora o Tamuld admite o surpreendente e inverossímil intervalo de
quarenta dias entre a condenação e a execução, intervalo oferecido às
testemunhas para se manifestarem – o que  vem a ser uma tentativa de
reabilitar os juízes de Jesus.

2) Em Aboda Zara 40d Jesus é
dito Ben-Pandara ou Ben-Panthera, filho de Panthera. Esta expressão aramaica
não parece ser senão a transposição do grego huiòs tes parthénou, filho da
virgem, título com que os cristãos designavam Jesus; segundo a intenção
polêmica dos talmudistas, o substantivo comum parthénos foi transformado em
nome próprio e passou a designar o pai ilegítimo que os rabinos atribuíam a
Jesus (Maria estava oficialmente casada com um varão cujo nome no Talmud é
Pappos ou Stada); teríamos nesta passagem rabínica uma confirmação da
antigüidade da fé no nascimento virginal do Senhor.

3) Jesus, na mesma coleção, é
geralmente chamado “um tal” ou “Balaã” (antigo mago de Nm 22-24), “louco”,
“bastardo” ou ainda por outro título mais injurioso, o que de certo modo
evidencia a atitude geral dos talmudistas em relação a Cristo.

Em suma, ao considerar os dados da
tradição rabínica concernentes a Jesus (os quais ainda foram ampliados no
livrinho Taledoth Jeshua, dos séc. VIII/IX), os críticos modernos têm-nos como
argumentos indiscutíveis da existência de Cristo; esses escritos supõem, e em
certo sentido confirmam, o que dizem  os Evangelhos; as interpretações,
porém, que sugerem, apresentam-se demasiado tendenciosas para gozar de
autoridade. Sendo assim, os críticos judeus mesmos não utilizam o Talmud para
escrever a vida de Jesus; haja vista, por exemplo, a obra The Jewish
Encyclopedia, de autores israelitas (12 volumes, Nova Iorque, a partir de
1904); o seu artigo Jesus of Nazareth (vol. 7, cols. 160-178) se divide em três
partes: “Jesus na história” e “Jesus na teologia”, estudos baseados sobre
documentos cristãos, e “Jesus na lenda judaica”, apresentação dos dados
talmúdicos (!)

Fora da tradição rabínica, existe o
importante historiador judeu Flávio José, do séc. I d.C.. Menciona duas figuras
da história do Novo Testamento: João Batista, sua pregação e sua morte
(Antigüidades judaicas XVIII 116-119) e Tiago, “irmão de Jesus, chamado o
Cristo” (Ant. XX 200). Além disto, encontra-se em Antiguidades XVIII
63-64 o seguinte trecho:

“Por essa época apareceu Jesus, homem
sábio, se é que há lugar para o chamarmos homem. Porque ele realizou coisas
maravilhosas, foi o mestre daqueles que recebem com júbilo a verdade, e
arrastou muitos judeus, e igualmente muitos gregos. Esse era o Cristo. Por
denúncia dos príncipes da nossa nação Pilatos condenou-o ao suplício da cruz,
mas os seus fiéis não renunciaram ao seu amor por ele, porque ao terceiro dia
ele lhes apareceu ressuscitado, como o anunciaram os divinos profetas
juntamente com mil outros prodígios a seu respeito. Ainda hoje subsiste o grupo
que por sua causa recebeu o nome de cristãos”.

Este testemunho, tão explícito e
forte, está sujeito a dúvidas dos críticos. Autores católicos como o Pe.
Lagrange, Mons. Batiffol, têm-no como interpolado por mãos cristãs na obra de
Flávio José; ao contrário, críticos protestantes ou liberais, como Harnack e
Burkitt, defendem sua autenticidade. Muito provável é a sentença de Reuss,
Renan, Reinach e outros, que afirmam tratar-se de uma passagem retocada, ou
seja, originariamente escrita por Flávio José, mas no séc. II explicitada e
melhorada no sentido cristão por um copista entusiasta.

A razão por que Flávio José,
geralmente rico em notícias, se mostra tão sóbrio nas suas referências a Jesus
é, como se julga, o fato de que, por seus escritos, queria bajular os romanos e
conciliar-se as suas boas graças; por isto terá omitido os temas que poderiam
melindrar os senhores do Império, temas entre os quais estava o messianismo
judaico (a esperança messiânica de parte do povo de Israel implicava a ruína
dos impérios terrestres, que deveriam ser substituídos pelo Reino do Messias).

2.1.3. Testemunhos romanos

No segundo decênio do séc. II três
escritores romanos deixaram-nos o seu depoimento sobre Cristo e os cristãos.

No ano de 112, Plínio o Jovem,
governador da Bitínia (Ásia Menor), enviava uma carta ao Imperador Trajano, na
qual pedia instruções sobre o modo como proceder em relação aos cristãos:
estes, que se iam difundindo cada vez mais, “estavam acostumados a se reunir em
dia determinado, antes do nascer do sol, e cantar um cântico a Cristo, que eles
tinham como Deus (quod essent soliti stato die ante lucem convenire carmenque
Christo quasi Deo dicere)” (epístolas, livro X 96).

O mais importante é o testemunho de
Tácito, que, escrevendo os seus Anais por volta de 116, noticiava, a propósito
do incêndio de Roma ocorrido em 64:

“Um boato acabrunhador atribuía a
Nero a ordem de pôr fogo à cidade. Então, para cortar o mal pela raiz, Nero
imaginou culpados e entregou as torturas mais horríveis esses homens detestados
pelas suas façanhas, o que o povo apelidara cristãos. Este nome vem-lhes de
Cristo, que, sob o reinado de Tibério, foi condenado ao suplício pelo
Procurador Pôncio Pilatos. Esta seita perniciosa, reprimida a princípio,
expandiu-se de novo, não somente na Judéia, onde tinha a sua origem, mas na
própria cidade de Roma…” (Anais XV 44).

Estas linhas atestam com clareza a
existência e o quadro histórico da obra de Jesus; executado na Judéia, sob o
Tibério (14-37) por ordem de Pôncio Pilatos (26-36; cf. Lc 3,1), foi chamado
Cristo ou Messias pelos seus discípulos, que até o início do séc. II persistiam
fervorosos. Julgam os críticos que Tácito colheu as notícias acima não em fonte
cristã (dado o tom hostil da narrativa) nem em fonte judaica (os judeus, entre
outras coisas, nunca teriam designado o chefe da seita como Cristo, vocábulo
grego equivalente ao hebraico Messias), mas em fonte pagã (o que é
particularmente importante).

O terceiro depoimento, datado de
cerca de 120, é o de Suetônio, o qual confirma que sob Nero foram “sujeitos a
suplício os cristãos, estirpe de homens de uma superstição nova e maléfica”
(Nero 16). Referindo-se ao reinado de Cláudio (41-54), diz outrossim que este
“expulsou de Roma os judeus, os quais, sob o impulso de Cristo, se haviam
tornado causa freqüente de tumultos (iudaeos impulsore Chresto assidue
tumultantes expulit)” (Cláudio 25). A expulsão é confirmada pelos Atos dos
Apóstolos 18,2, devendo-se ter dado por volta de 49/50. Não resta dúvida de que
Chrestós é forma equivalente a Christós (e e i se permutavam facilmente na linguagem
grega vulgar), de mais a mais os cristãos ainda no séc. III eram chamados
chrestianoi (cf. Tertuliano, Apol. 3; Ad Nationes 13; Latâncio, Div. Inst.
4,7). Suetônio, escrevendo setenta anos após os acontecimentos, estava
insuficientemente informado; julgava que Cristo se achava presente em Roma,
instigando as desordens.

Descendo pela história da literatura
pagã, o estudioso encontra outros testemunhos a respeito de Cristo e dos
cristãos; sendo mais tardios, interessam-nos menos.

Em conclusão, verifica-se não serem
muitas as notícias que a literatura romana fornece a propósito de Jesus. A
sobriedade compreende-se, dado que o Cristianismo, aos olhos dos pagãos, não
era mais do que desprezível superstição oriental; só merecia atenção na medica
em que se tornava ocasião de perturbações políticas ou sociais.

Consideremos agora as eventuais
relações das narrativas evangélicas com a mitologia oriental e a greco-romana.

2.1.4. A história comparada das
Religiões

A Escola das Religiões Comparadas por
volta de 1880-1890 foi-se formando em Göttingen (Alemanha), sob a hégide de H.
Gunkel, E. Eichhorn, W. Bousset. Procurou paralelos entre o judeo-cristianismo
e as religiões antigas; alguns de seus arautos chegaram a identificar as
proposições do Cristianismo com as da mitologia ou de outras crenças:

a) Assim a trindade cristã (Pai,
Filho e Espírito Santo) seroa análoga às tríades de deuses da Babilônia (Anu,
Bel, Ea) ou à Trimurti hindu (que professa Brama, o criador, casado com
Sarasvati, a deusa da sabedoria; Visnu, o conservador, casado com Lakchmi, a
deusa da beleza; Siva, o destruidor e o renovador, casado com Cali, a deusa da
destruição).

Como se vê, em religiões não cristãs
há tríades de deuses distintos uns dos outros e entendidos em sentido
politeísta. Têm suas aventuras e lutam entre si pela hegemonia. Acontece,
porém, que na mensagem cristã há um só Deus, cuja natureza é tão rica que ela
se afirma em três pessoas (que não são três deuses nem repartem a natureza
divina). E de notar que os cristãos passavam por “ateus” no Império Romano pelo
fato de não cultuarem os deuses da mitologia greco-romana – o que bem mostra
como eram infensos ao politeísmo.

b) As encarnações de Visnu, que se
manifesta em avatares (Buda, Krishnamurti…) seriam paralelas à Encarnação do Verbo…
Ora um exame mais detido mostra a oposição frontal entre um e outro termo. O
Cristianismo professa que a segunda Pessoa da SS. Trindade quis assumir a
natureza humana, sem nada perder do que é de Deus, a fim de santificar o homem
e o mundo. Ao contrário, as crenças hindus professam a metamorfose de Visnu em
sucessivos avatares como seriam o peixe, a tartaruga, o javali, o leão e…, no
fim do mundo, o  cavalo. Visnu aparece também em dois heróis (Rama e
krishna), da casta dos guerreiros, que a lenda divinizou. Krishna, com suas
façanhas cruéis e sua vida devassa, foi a antítese do que o Cristianismo
atribui a Jesus Cristo.

c) Quanto aos pretensos paralelos de
ressurreição, verifica-se que as narrações pagãs estão muito distantes do
evento professado pelo Cristianismo. Examinemos os mitos mais freqüentemente
aduzidos:

Dionísio Zagreu, nascido da união de
Júpiter com sua filha Perséfona, foi morto, despedaçado e devorado por Titãs,
instigados por Hera, esposa de Júpiter. Todavia, diz o mito, o coração de
Dionísio escapara à voracidade dos Titãs. Ora Júpiter (segundo uma lenda) ou
Semele (segundo outra) engoliu tal coração e em conseqüência deu à luz um outro
Dionísio. – Como se vê, este episódio da mitologia se diferencia radicalmente
do que se chama “a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo”. Seria
despropositado querer aproximá-los entre si.

Set ou Tifon mostra a seus convivas
um cofre maravilhoso e promete doá-lo a quem o achar exatamente proporcionado
ao seu tamanho. Apenas o seu irmão Osiris, que não suspeitava da cilada, nele
se acomodou, Set fez pregar a tampa e lançar o cofre no Nilo; pouco depois,
decepou o cadáver e dispersou os pedaços! – Tal terá sido a Paixão de Osiris! –
Ora, continua a lenda, Isis, irmã e esposa desse infeliz, consumada feiticeira,
tornou a unir os membros espalhados. Em vão, porém, se esforçou por
reanimá-los. Foi-lhe revelado, contudo, que, enquanto a múmia reconstituída se
conservasse em Heliópolis, seu marido poderia ter uma vida nova no outro mundo;
reinaria doravante sobre os mortos. Tal terá sido a “ressurreição” de Osiris!

A belo Adônis, amado simultaneamente
por Vênus e Proserpina, rainha dos infernos, foi morto por um javali; as duas
deusas o reclamaram então. Para dirimir o litígio, Júpiter decidiu que passaria
quatro meses com uma e quatro meses com outra, ficando livre para dispor dos
quatro meses restantes. – Como se vê, tal seria a paixão e a ressurreição de
Adônis!

 

Cibele, mãe dos deuses, fez morrer a
ninfa, que Átis preferia à própria Cibele. Depois disto reteve consigo o jovem
pastor Átis. Este, porém, sucumbiu à ferida que sofrera no segundo instante do
seu desespero. Cibele então obteve pelo menos que o corpo de Átis permanecesse
incorrupto; Júpiter concedeu ainda  a Cibele que a cabeleira do seu protegido
continuasse a crescer e que o seu dedinho ficasse sempre em movimento. Tal terá
sido a “ressurreição” de Átis!

Como se percebe, todos esses mitos
estão muito longe de transmitir o autêntico conceito de ressurreição da Divindade;
não podem ser tidos como paralelos ou analogias da Paixão, Morte e Ressurreição
de Jesus. É simplório ou anticientífico aproximar entre si termos cuja
inspiração fundamental é antagônica; na verdade, o Cristianismo é
essencialmente monoteísta, ao passo que a mitologia é politeísta… Aliás,
sabe-se que a idéia de ressurreição era muito estranha ao pensamento helenista;
ela não representava ideal algum a que os gregos aspirassem, pois para muitos
destes o corpo era o cárcere ou o sepulcro da alma; não brotaria do âmago da
mentalidade helenista a concepção de ressurreição como meta para os homens.
Muito a propósito diz o escritor cristão Tertuliano no começo do século III: “A
pregação da ressurreição, inaudita até então, abalou as nações com a sua novidade”
(De resurrectione carnis 3).

d) O conceito de salvação nas
religiões pagãs geralmente se refere ao plano medicinal e mágico, tendo em
vista o alívio dos sofrimentos terrestres. O Cristianismo, sem negligenciar tal
aspecto da salvação (tenham-se em vista os milagres realizados por Jesus),
apregoa a expiação e o perdão dos pecados, a plenitude da vida em comunhão com
Deus mediante a oblação de Cristo. – O paganismo não tinha a noção de pecado
“ofensa a Deus”, ao passo que o Cristianismo a propõe como fundo de cena da sua
mensagem; é o que reconhece o crítico liberal R. Reitzenstein: “O que há de
novo no Cristianismo, é a redenção enquanto remissão do pecado. A temerosa
seriedade da pregação do pecado e da expiação não se acha no helenismo”
(Poimandres, Leipzig 1904, p. 180).

e) Se há semelhanças de expressões
entre as religiões helenistas ou orientais e o Cristianismo, devem-se ao fato
de que os sentimentos religiosos são basicamente os mesmos em todos os homens;
há, sim, uma religiosidade natural no pagão e no cristão, que recorre aos
mesmos símbolos e gestos para se exprimir; assim o uso da água e das abluções
rituais significa naturalmente a pureza interior; a ceia ou a refeição exprime
a comunhão ou participação; o Sol, a Luz, as estrelas exprimem o brilho da
Divindade que ilumina o homem… O Cristianismo não recusou adotar expressões
religiosas dos povos pré-cristãos na medida em que correspondem ao patrimônio
religioso comum de todos os homens e, conseqüentemente, dos próprios cristãos.
Tal fenômeno não implica dependência do conteúdo ou da mensagem do Cristianismo
em relação às religiões não cristãs, visto que a inspiração fundamental do
Cristianismo é diferente da do paganismo.

2.2. A fidelidade dos escritos do
Novo Testamento

1. A argumentação aduzida por Kryvelev
para tentar provar que Jesus Cristo não existiu, está ultrapassada; a escola
das religiões comparadas fez sua voga há quase cem anos; hoje está em descrédito. O livro
de Kryvelev ignora os mais recentes avanços da crítica dos Evangelhos; é o que
lhe tira qualquer verniz de autoridade aos olhos dos estudiosos, embora possa
iludir um ou outro leitor incauto.

A crítica atual, por mais ferrenha
que seja, não recusa a historicidade de Jesus Cristo. As novas correntes
críticas se aplicam a questões de hermenêutica, discutindo o sentido da
linguagem dos evangelistas; esta não teria expressado valores sobrenaturais e
transcendentes, como julgaram vinte séculos de Cristianismo, mas teria
apresentado um Jesus ornamentado de ficções, a respeito do qual o homem moderno
nada poderia dizer. Não há dúvida, a crítica contemporânea nem sempre é
objetiva, mas parte de preconceitos racionalistas dogmaticamente estabelecidos
sem discussão prévia.

2. As teorias que negam a historicidade
de Jesus, puderam ter alguma voga enquanto era viável admitir a redação dos
Evangelhos em meados do século II, como faz Kryvelev. Atualmente, porém, isto
já não é possível. A crítica admite, com certa unanimidade, o surto do texto
dos Evangelhos canônicos no século I. Entre outras razões para tanto, estão os
progressos dos estudos paleográficos: novos e novos manuscritos descobertos nos
últimos decênios levaram a recuar as datas de composição dos Evangelhos. Com
efeito, entre outros dados, note-se que no Egito foi descoberto em 1935 o
papiro neotestamentário mais antigo, de nº 457, que apresenta o texto de Jo
18,31-33.37s e que deve datar do início do século II. Acha-se guardado em
Manchester, na John Rylands Library. Isto mostra que já no início do século II
o texto do Evangelho de João havia passado da Ásia Menor (onde teve origem)
para o Egito – o que leva a admitir a redação do IV Evangelho em fins do século
I ou por volta do ano 100. Ora inegavelmente o Evangelho segundo S. João é
posterior aos sinóticos; donde se deduz que a origem dos sinóticos deve datar
da segunda metade do século II, como geralmente admitem os críticos
contemporâneos. Segundo Josef Scharbert, que representa o pensamento comum dos
estudiosos no caso, o Evangelho segundo Marcos foi escrito entre 66 e 70, ou
seja, antes da queda de Jerusalém; o Evangelho de Lucas é do ano de 75
aproximadamente; o de Mateus terá sido escrito primeiramente em aramaico por
volta do ano de 60, ao passo que a forma grega do mesmo (a única existente e
canônica) teve origem depois de 70; o de João é datado de 100 aproximadamente.
Cf. J. Scharbert, Introdução à Sagrada Escritura. Petrópolis, 1980, pp. 69.72.
83s.

Quanto ao Apocalipse, está longe de
ser o livro mais antigo do Novo Testamento, ao contrário do que afirma
Kryvelev. Supõe uma Cristologia assaz elaborada, que revê os acontecimentos da
vida terrestre de Jesus em perspectiva pascal (cf. 2,1.8.12.18; 3,1.7.14; 5,5);
alude a acontecimentos da história da segunda metade do século I (cf. Ap 13,18),
supondo já desencadeada a perseguição de Nero aos cristãos (iniciada em 64).

2.3. Critérios de autenticidade dos
Evangelhos

Existem em nossos dias estudos que
estabelecem critérios para se definir a autenticidade das secções dos
Evangelhos, ou seja, a criteriologia dos Evangelhos. Os autores católicos não
fogem ao exame crítico do texto. Um dos estudos mais significativos a propósito
é o de F. Lambiasi, cuja obra Autenticidade de histórica dos Evangelhos.
Estudos de Criteriologia merece toda a atenção. Sumariamente, o autor propõe
como critérios da genuinidade das seções do Evangelho os seguintes:

a) O testemunho múltiplo: “Pode ser
julgado autêntico um dado evangélico solidamente atestado em todas as fontes
dos Evangelhos (ou na maioria destas)… e nos outros escritos
neotestamentários” (p. 143). Com efeito, um dado atestado concordemente por
testemunhas independentes é presumivelmente autêntico. A esta conclusão levam
tanto a psicologia experimental quanto a filosofia. Na verdade, a psicologia
experimental ensina que duas ou mais pessoas independentemente uma da outra não
inventam o mesmo fato ou não o falsificam da mesma forma; com outras palavras:
diversos observadores independentes não podem errar da mesma maneira, suposto
que sejam verdadeiramente independentes. A filosofia, por seu lado, assevera
que o acordo de testemunhos verdadeiramente independentes, sobretudo se provêm
de pessoas ou ambientes com pontos de vista e interesses diferentes ou até
mesmo contrastantes, exige a realidade do fato como explicação adequada, se não
se quer recorrer ao acaso.

b) O critério da descontinuidade:
“Podemos considerar autêntico um dado evangélico (sobretudo em se tratando de
palavras e de atitudes de Jesus) irredutível, quer às concepções do judaísmo,
quer às concepções da Igreja primitiva” (p. 156).

Os polos de descontinuidade são dois,
como se vê: o judaísmo e a Igreja primitiva.

A irredutibilidade ou a novidade de
tal ou tal dado evangélico em relação ao judaísmo significa intervenção de
fonte heterogênea ou, no caso, ação de um mensageiro insólito.

Entre os episódios de ruptura com o
judaísmo, mencionam-se: as palavras “Eu, porém, vos digo…” com que Jesus se
opõe à Lei de Moisés (cf. Mt 5,21-44), todo o sermão da montanha (Mt 5-7), o
designativo Abbá que nenhum judeu aplicaria a Deus e que Jesus refere ao seu
Pai (cf. Mc 14,36)¹, o ideal messiânico.

A irredutibilidade em relação à
Igreja primitiva se verifica quanto nos Evangelhos ocorrem afirmações ou
expressões que por sua índole contrariam as expectativas religiosas naturais ou
espontâneas de uma comunidade. Assim, por exemplo, o episódio da Paixão e Morte
de Jesus na cruz, os ditos que pareciam minimizar Jesus (Mc 10,18; Mt 12,31. Mc
3,21…), o aparente insucesso da pregação de Jesus, as tentações de Jesus (Mt
4,1-11; Lc 4,1-13)…

c) O critério da continuidade externa
e interna). Por continuidade externa entende-se aqui a conformidade dos
Evangelho com os dados históricos, geográficos, sociais, políticos da Palestina
e do Império Romano no século I antes e depois de Cristo. Ora não há dúvida de
que os relatos evangélicos se situam no contexto histórico-geográfico-político
e cultural da Palestina que outras fontes documentam: aludem a personagens
conhecidos, como Herodes, Quirino, Antipas, Caifás, Pilatos… As escavações
arqueológicas na Terra Santa confirmaram as notícias evangélicas concernentes a
Nazaré, Cafarnaum, Cesaréia marítima, Cesaréia de Filipe… Os escritos de
Qumran (não bíblicos) confirmaram a existência de divisões entre fariseus e
saduceus, controvérsias rabínicas, expectativas escatológicas e messiânicas…

Por continuidade interna entende-se a
conformidade do texto dos Evangelhos com o núcleo já comprovado como autêntico
pelo critério de descontinuidade. Assim as parábolas do Reino e a sua exortação
à penitência ou à vigilância (cf. Mt 13), o sermão das bem-aventuradas (Lc
6,20-26), o Pai-Nosso (cf. Lc 11,2-4)…

Como se vê, a crítica contemporânea
também considera o ambiente histórico e geográfico no qual apareceu o
Cristianismo; mas isenta-se dos preconceitos de que estão imbuídos J. Kryvelev
e sua escola; com muito mais precisão e akribía científicas examina seção por
seção do Evangelho para averiguar a autenticidade de cada qual. Tal exame,
muito mais sério do que o da escola das religiões comparadas, resulta em favor
da genuinidade dos Evangelhos¹.

d) O estilo de Jesus (estilo
lingüístico e estilo vital). Podem-se considerar as palavras de Jesus e
reconhecer como autênticas quando nelas se encontram os traços característicos
do ambiente lingüístico do tempo de Jesus; há, sem dúvida, no texto do
Evangelho genuínas construções aramaicas ou aramaísmos (embora o texto original
dos evangelistas seja grego), que devem ser reduzidas ao próprio linguajar de
Jesus; são então ipsissima verba ou ipisissima vox Jesu (as mesmíssimas
palavras ou o mesmíssimo estilo de Jesus). Tal é o caso de Mt 16, 13-20, onde
se encontram as expressões “Simon Bar Jona”, “a carne e o sangue”, “o Pai…
que está nos céus”, “Tu és Pedro (Kepha)”, “ligar-desligar”…

Quanto ao estilo dos milagres de
Jesus, observam-se os seguintes componentes:

– benevolência de Jesus: realiza
prodígios para curar e salvar, jamais para punir, como se depreende da recusa
de fazer descer fogo do céu para aniquilar o povoado inóspito (Lc 9,51-56);

– simplicidade: nenhuma fórmula
mágica, nenhum processo de hipnose ou de sugestão; basta uma palavra ou um
simples gesto;

– instantaneidade da cura, na maioria
dos casos;

– religiosidade do contexto: o
milagre realiza-se numa atmosfera de oração e fé;

– discrição: Jesus recusa exibições
clamorosas;

– universalidade: Jesus não faz
seleção das doenças para reservar a si os casos mais fáceis e recusar os mais
difíceis.

Estas características definem ainda
mais nitidamente o estilo vital de Jesus se considerarmos os prodígios narrados
por autores gregos antigos ou pela literatura cristã apócrifa; tais outros
textos são contrastantes em relação ao estilo dos Evangelhos.

e) O critério da explicação
necessária: O Pe. René Latourelle assim formula tal critério:

“Se, diante de um conjunto
considerável de fatos ou de dados que exigem explicação coerente e suficiente,
foi apresentada uma explicação que ilumine e agrupe harmoniosamente todos estes
elementos (que, de outra forma, continuariam enigmas), podemos concluir que nos
encontramos diante de um dado autêntico (fato, gesto, atitude, palavra de
Jesus” (ver p. 238 do artigo citado na bibliografia à p. 39 deste fascículo).

Levem-se em conta, por exemplo, os
seguintes fatos importantes e seguros, que exigem explicação adequada: a
exaltação popular diante do fenômeno “Jesus”, a consideração de Jesus como
grande Profeta ou como “o” Profeta, a fé dos Apóstolos na messianidade de
Jesus, a inveja dos sacerdotes e dos fariseus provocada pelo poder de Jesus, o
recurso contínuo aos milagres na pregação primitiva, a coerência dos milagres
com os outros “sinais” de Jesus, o relevo singular que toca às narrativas de
milagres nos Evangelhos… Estes fatos só têm sua razão necessária e suficiente
nos milagres de Jesus, que devem ter sido fatos históricos sem os quais não se
explicariam suficientemente os dados reais acima recenseados.

Ainda outros critérios são apontados
pelos estudiosos para se avaliar a autenticidade das perícopes do Evangelho:
assim os critérios “da comunidade”, os referentes à formação dos Evangelhos, a
presença de particularidades “neutras” (isto é, que não supõem alguma tese
teológica, como é o caso do travesseiro sobre o qual Jesus dorme na barca
durante a tempestade; cf. Mc 4,38), o da vivacidade da narração, o da
“existencialidade”…

Estas ponderações, que poderiam ser
longamente ampliadas, sejam suficientes para evidenciar que os cristãos de
nossos dias, ao acreditar em Jesus e nos Evangelhos, não são cegos nem
anticientíficos. Muito ao contrário: anticientífico e obscurantista vem a ser
qualquer autor que, obcecado por preconceitos racionalistas, pretenda destruir
a historicidade de Jesus e a credibilidade dos Evangelhos na base de teorias
longe ultrapassadas,… teorias que os críticos contemporâneos mais agudos não
ousariam repetir!

Bibliografia:

CABA, J., De los Evangelios al Jesus
historico. Madrid 1971.

CERRUTTI, P., O Cristianismo em sua
origem histórica e divina. Rio de Janeiro 1963.

DE GRANDMAISON, L., Jésus-Christ. Sa
personne, son message, son oeuvre. 2 vols. Paris 1931.

JEREMIAS, J., ll problema del Gesù
storico. Brescia 1966.

LAMBIASI, F., Autenticidade histórica
dos Evangelhos. Estudos de Criteriologia. São Paulo 1978.

LATOURELLE, R., Authenticité
historique des miracles de Jésus. Essai de critériologie, em Gregorianumm 54
(1973), pp. 225-262.

IDEM, Critères d’authenticité
historique des Evangiles, em Gregorianum 55 (1974) 609-538.

LEON-DUFOUR, X., Os Evangelhos e a
história de Jesus. São Paulo 1971.

¹ Achamo-nos diante de algo novo e
inaudito, que ultrapassa os limites do judaísmo. Aqui vemos quem era o Jesus
histórico: o homem que fazia publicanos e pecadores participantes do Reino,
autorizando-os a repetir esta última palavra: Abbá, caríssimo pai” (palavras do
exegeta protestante Joachim Jeremias, A mensagem central do Novo Testamento.
Ed. Paulinas, São Paulo 1977, p. 35).

¹ A propósito transcreveremos as
observações de Lambiasi no seu estudo sobre “A autenticidade histórica dos
Evangelhos”:

  “Para não cairmos em asserções
genéricas, retomemos o caso da expressão Reino de Deus. Esta expressão
comprova, antes de mais nada, o argumento de continuidade; efetivamente, é
empregada com formas literárias tipicamente judaicas: passivo divino (cf. Mc
4,11: “A vós foi dado o mistério do Reino de Deus”; cf. também Mc 9,47; Mt
6,33; 16,19; 21,43); paralelismo antiético (cf., por exemplo, Mt 5,19: “Aquele,
portanto, que violar um só destes menores mandamentos e ensinar os homens a
fazer o mesmo, será chamado o menor no Reino dos céus. Aquele, porém, que os praticar
e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos céus”; cf. ainda Mc 4,11;
Mt 11,11; 12,28; Lc 17,20-21).

  A expressão comprova também o
critério de descontinuidade, seja do judaísmo, seja do cristianismo primitivo.
A descontinuidade do judaísmo pode ser constatada já na esfera da ocorrência
numérica: enquanto nos Evangelhos se encontra sessenta e três vezes (das quais
somente duas em Jo), na literatura judaica (apócrifos e pseudo-epígrafos do
Novo Testamento, Targum, Filon, Kaddish, José Flávio, Qumran…) a expressão é
muito rara. Além disso, nos lábios de Jesus encontra-se com construções que não
têm paralelo na linguagem contemporânea, harpazein, zetein, kleiein…
(arrebatar, procurar, fechar…).

  A descontinuidade com a Igreja
primitiva nota-se, quer no fato de a expressão tender a desaparecer no resto do
Novo Testamento, quer no fato, acima mencionado, de que a Igreja primitiva
alterou esses ditos, diminuindo-lhes o alcance escatológico e acentuando-lhes
mais e mais o aspecto missionário: dia martyresthai tem basileian, diaggelein,
euaggelizesthai… (testemunhar o Reino, anunciar, evangelizar…).

  Resumindo, podemos afirmar que
é anunciado um conteúdo único e original, numa linguagem tipicamente judaica.
Estas observações, ainda que parcas, e necessariamente esquemáticas a sustentar
que “Reino de Deus” pertence ao núcleo mais antigo do ensinamento de Jesus” (p.
173s).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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