O cristão e a ética sexual – EB (Parte 1)

Revista:
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Autor:
Estevão Bettencourt, Osb

Nº 196, Ano
1976, p. 139

 

Em síntese:  A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé em
Roma publicou, com a data de 29 de dezembro, uma importante Declaração sobre
questões de ética sexual. Esse documento, que S. S. o Papa Paulo VI aprovou e
mandou publicar, pretende a mal-entendidos e desvios que se vêm propagando em
torno da vida sexual,… mal-entendidos às vezes acobertados por teorias
psicológicas e sociológicas de valor precário.

Em tal Declaração, a S. Igreja
lembra a existência de uma lei moral natural, congênita em todo homem e não
sujeita a oscilações em suas linhas essenciais (ela tolera, sim, adaptações de
índole secundária e acidental). Em virtude dessa lei, incutida pelo Criador e
corroborada pelo Evangelho, a Igreja ensina que

– as relações sexuais
pré-matrimoniais estão fora de propósito visto que o consórcio sexual supõe o
amor comprometido e estável que só existe com o contrato matrimonial :

– o homossexualismo, como tal, é uma
aberração contra a natureza. Pode, em certos casos, explicar-se por anomalias
mórbidas congênitas ou por defeitos de educação – o que contribui para atenuar
a culpa de quem cede a tal aberração, isto, porém, jamais pode legitimar a
prática do homossexualismo :

– o
onanismo (ou masturbação) também é contrário à natureza humana, constituindo em
si grave falta moral. Todavia há condições subjetivas atenuantes nos casos de
pessoas que sofram de desequilíbrio psicológico ou pratiquem o ato
indeliberadamente.

Recorda
ainda a S. Igreja que pode haver pecado grave mesmo quando o cristão não desdiz
explicitamente à sua opção fundamental ou à sua adesão a Deus. Violar
deliberada e conscientemente um grave preceito do Senhor significa violar (ao
menos implicitamente) o amor a Deus.

Por último,
o documento mostra que a castidade não consiste apenas em evitar o pecado, mas
implica a prática da pureza em toda a sua integridade. O exercício da castidade
será favorecido pela oração, a freqüentação dos sacramentos e os meios de
ascese (autocontrole) que a Tradição cristã sempre recomendou aos fiéis.

Comentário:
 No início de 1976, a opinião pública foi
interpelada por uma Declaração oriunda da S. Congregação para a Doutrina da Fé (Roma)
referente a questões de Ética sexual. A Igreja se pronunciou então sobre
relações sexuais antes do matrimônio, homossexualismo, masturbação, pecado em
geral (…), procurando dissipar mal-entendidos e abrir pistas lúcidas para o
comportamento do cristão na sociedade de nossos dias, impressionada por teorias
e exemplos contraditórios.

Tal
Declaração, datada de 29 de dezembro de 1975 e publicada aos 15 de janeiro de
1976, foi preparada desde 1968 por estudos de uma Comissão Internacional de
teólogos moralistas e por alguns membros da Comissão Teológica Internacional,
em colaboração com a S. Congregação para a Doutrina da Fé. Foi atentamente lida
e relida por S.S. Papa Paulo VI, que finalmente houve por bem confirmá-la e
mandar publicá-la.

Como outros
documentos da Santa Sé, também este suscitou aplausos e … contestação; aliás,
diz o Evangelho que o próprio Cristo seria “sinal de contradição” (Lc 2,34). A
fim de possibilitar ao leitor um juízo pessoal, proporemos abaixo um resumo
objetivo do conteúdo da Declaração de Roma, acompanhado de um ou outro
comentário.

Os números
que o nosso texto colocará entre parênteses em cada subtítulo, correspondem à
numeração dos sucessivos incisos da Declaração.

1. O
problema (nº 1-2)

A
sexualidade afeta profundamente a pessoa humana, determinando-lhe as
características biológicas, psicológicas e espirituais e fundamentando o modo
de sua inserção na sociedade. Eis por que os assuntos de sexo são freqüente e
abertamente considerados em publicações e através dos meios de comunicação
social.

Nessa
abordagem são propostas ao público as mais diversas teses e teorias, das quais
algumas favorecem, com rótulo científico, o hedonismo (= a filosofia do prazer
pelo prazer) e a licenciosidade. Daí resulta que mesmo entre os cristãos haja
não poucos que experimentam ânsias e dúvidas sobre as normas do autêntico
comportamento e da mulher de hoje no tocante ao sexo.

A Igreja
não podia ficar indiferente ao problema. Em várias dioceses, os respectivos
bispos se pronunciaram sobre o mesmo. Dando, porém, que teorias errôneas
continuam a se propagar e não poucos pastores demonstraram o desejo de uma
palavra oficial da Igreja sobre o assunto, a S. Congregação para a Doutrina da
Fé elaborou a Declaração em foco.

2. Lei
natural e lei evangélica (nº 3-4)

A conduta
moral do ser humano tem seus princípios fundamentais não no arbítrio de cada
um, mas, sim, no íntimo de sua consciência. É o que o Concílio do Vaticano II
lembra na sua Constituição “Gaudium et Spes”:

“Na
intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo.
Mas a ela deve obedecer. Chamando-o, sempre a amar e fazer o bem e a evitar o
mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe faz ressoar nos ouvidos do
coração: “Faze isto, evita aquilo”. De fato, o homem tem uma lei escrita por
Deus em seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será
julgado de acordo com essa lei. A consciência é o núcleo secretíssimo e o
sacrário do homem, onde ele está a sós com Deus e onde ressoa a voz de Deus”
(nº 16).

Além disto,
Deus se dignou revelar aos homens o seu desígnio de salvação, do qual decorrem
normas próprias de comportamento: a doutrina e o exemplo de Cristo vêm a ser,
para o cristão, a suprema lei da vida.

Por
conseguinte não pode haver autêntica promoção da dignidade humana senão em
consonância com a ordem inscrita na natureza do próprio homem (ordem que o
Evangelho de Cristo confirma e eleva a plano superior). É certo que os tempos
mudaram e ainda mudarão; todavia a evolução dos costumes decorrentes de novas
circunstâncias históricas há de ser mantida dentro dos limites impostos pelos
princípios imutáveis que caracterizam a natureza humana; estes princípios
transcendem as contingências históricas.

A lei
natural, como também a lei divina revelada por Cristo, não se limitam a ditar
ao homem apenas o preceito genérico da caridade (ou do amor) para com o próximo
e o do respeito a dignidade humana. Segundo teorias recentes, os demais
preceitos – específicos e particulares – contidos na lei natural e nas Escrituras
reduzir-se-iam apenas a expressões da cultura humana, sempre variável segundo
as diversas fases da história. Tenham-se em vista aqui, de modo especial, os
preceitos referentes à castidade, que se resumem nestas palavras: “Não violar
as leis que a natureza fisiológica instituiu para o sexo e o uso do sexo”.
Esses preceitos são, por vezes, postos em antítese ao preceito do amor; este
vale sempre, ao passo que aqueles já não valeriam hoje. Ou mesmo há quem diga
que, em nome do amor, pode alguém tranqüilamente violar as normas da castidade,
tendo relações pré-matrimoniais ou também relações extra-conjugais ou ainda
relações homossexuais (…).

Na verdade,
a sã razão humana – que se manifesta na sabedoria filosófica – e a Lei Divina
revelada põem em evidência autênticas exigências da natureza humana, que são
leis imutáveis inscritas no fundo de todos os seres humanos. A consciência fala
do mesmo modo e sempre em todos os homens, propondo-lhes normas básicas: “Não
matar, não roubar, não dar falso testemunho, honrar pai e mãe, ser comedido no
uso dos sentidos e dos prazeres (não comer ou beber intemperantemente…)”.
Essas normas podem ser obnubiladas nos casos de tara psicológica ou moral
(trata-se, porém, de casos de deformação ou anormalidade).

Ademais a Igreja
foi instituída por Cristo para que, com a assistência  do Espírito Santo, conserve, transmita e
interprete autenticamente os princípios da lei moral natural e os da Revelação
Divina, tendo sempre em vista a santificação do homem.

3. Ética
sexual objetiva (nº 5-6)

As verdades
até aqui apresentadas aplicam-se ao que diz respeito ao uso do sexo e à ética
sexual; esta considera valores fundamentais da vida humana e da vida cristã.
Existem a propósito normas objetivas derivadas da própria natureza humana e da
lei divina,… normas que não se derivam dos variáveis tipos de cultura humana
e que, por isto, não podem ser tidas como ultrapassadas desde que se apresentem
novas situações culturais.

Por
conseguinte, deve-se dizer que a bondade moral dos atos da vida sexual não
depende apenas da reta intenção subjetiva daqueles que os praticam, nem tão
somente das circunstâncias contingentes em que se vê colocada a pessoa humana,
mas também, e primeiramente, de critérios objetivos, que têm vigência através
de todas as fases da história humana.

Em síntese,
esses critérios objetivos podem ser assim formulados: o ato sexual tem suas
finalidades naturais; tais finalidades naturais só podem ser respeitadas e
atingidas devidamente no contexto do casamento legítimo; donde se vê que “a
função sexual só tem seu verdadeiro sentido a sua retidão moral no casamento
legítimo” (nº 5).

Daí se vê –
comentamos nós (PR) – o que julgar do axioma: “O que se faz por amor, é sempre
bom; não é pecado”. Na base desse axioma (entendido em termos subjetivos e não
raro arbitrários), muitas pessoas cedem à liberdade ou libertinagem sexual,
violando valores que integram a dignidade e a honra da pessoa “amada”. Nesses
casos, o amor é entendido muitas vezes como uma atitude subjetiva, talvez mesmo
passional e descomprometida. Ora na verdade o amor tem suas notas objetivas (é
benevolência, que pode exigir sacrifícios e renúncias de quem ama); essas notas
objetivas devem ser  respeitadas para que
“o que se pratica por amor seja moralmente bom e isento de pecado”.

Feitas
estas observações, a Declaração da Santa Sé afirma seu intento de lembrar aos
fiéis a doutrina da Igreja (que é baseada sobre a lei natural e o Evangelho) a
respeito de alguns pontos particulares da conduta sexual que merecem atenção,
dados os graves erros que a propósito se verificam em nossos dias. – O
documento não pretende abordar todos os desvios ocorrentes nem propor tudo o
que está incluído na genuína prática da castidade.

4. Relações
pré-matrimoniais (nº 7)

São três os
pontos sobre os quais a Declaração se detém de maneira explícita: a castidade
pré-nupcial, o homossexualismo, o onanismo (ou masturbação).

No tocante
às relações pré-matrimoniais, sabe-se quanto é difundida a tese de que é lícito
praticá-las desde que o homem e a mulher (o jovem e a jovem) tenham a intenção
de se unir em matrimônio; a psicologia de ambos exigiria já antes do matrimônio
essa complementação natural, principalmente nos casos em que a celebração das
núpcias tem que ser diferida por circunstâncias alheias à vontade dos noivos.

Ora tal
tese contradiz à doutrina cristã segundo a qual é no quadro do matrimônio que
se situam as funções genitais do homem e da mulher. A união sexual exige
comunhão de vida estável e definitiva entre o homem e a mulher; fora do
compromisso matrimonial, ela se arrisca a ser fruto da fantasia e do capricho.
Conseqüentemente o Senhor Jesus ensina no Evangelho: “O homem deixará pai e mãe
para aderir à sua mulher e serão dois numa só carne… O que Deus uniu, não o
separe o homem” (Mt 19,4-6). E São Paulo, referindo-se àqueles que sentem com
veemência o calor do atrativo sexual, recomenda que, se alguém (celibatário ou
viúvo) não pode viver em continência, procure a união estável do casamento: “É
melhor casar-se do que arder (em desejo sexual)” (1Cor 7,9).

É de notar
ainda que as relações pré-matrimoniais geralmente excluem a perspectiva do
filho (os interessados recorrem então a processos anticoncepcionais); ora isto
mutila o amor, que, por sua natureza mesma, é unitivo e fecundo. Caso não se
exclua a prole da relações pré-matrimoniais, estas podem dar origem a crianças
gravemente prejudicadas pelo fato de não terem o ambiente estável da família
que lhes proporcione a inserção orgânica na sociedade. São notórias as tristes
conseqüências que têm a criança o fato de não usufruir da assistência regular
de pai e mãe  a ela conjuntamente
dedicados.

Quanto à
união matrimonial, ela não se pode reduzir a um consentimento de foro
particular ou mesmo tácito e descomprometido entre o homem e a mulher, mas há
de ser firmada por um contrato sancionado e garantido pela sociedade e, no caso
de fiéis católicos, pela Igreja; esse contrato inaugura um estado de vida que
tem importância não somente para os cônjuges, mas também para a família e o bem
da comunidade humana; no caso de fiéis católicos, a vida matrimonial é
santificada por um sacramento próprio e elevada à dignidade da união de Cristo
com a Sua Igreja.

5.
Homofilia ou homossexualismo (nº 8)

Outra tese
que se difunde em nossos dias, com base em observações de índole psicológica,
refere-se às relações homossexuais: há quem as queira legitimar em parte ou
mesmo totalmente.

Os fatores
desta tese distinguem:

– os
homossexuais que são tais de maneira congênita ou por uma constituição patológica
tida como incurável;

– os
homossexuais que se tornaram tais em virtude de educação errônea ou de maus
exemplos e maus hábitos contraídos na infância ou na adolescência; o mal de
tais pessoas, não sendo congênito, pode ser suscetível de tratamento e cura.

Ora, no
tocante ao primeiro tipo de homossexuais, dizem certos mestres que a sua
tendência deve ser considerada com naturalidade, a ponto mesmo de justificar
relações homossexuais em comunhão de vida e amor análoga à do matrimônio.

A
propósito, a Igreja propõe a seguinte orientação:

1)
Objetivamente falando, o homossexualismo é uma grave aberração, que contraria
profundamente tanto à fisiologia como à psicologia do homem e da mulher. A
Escritura Sagrada o condena, apresentando-o até mesmo como conseqüência da
apostasia religiosa (cf. Rm 1,24-27; 1 Cor 6,10; 1Tm 1,10). Por conseguinte, o
homossexualismo não pode, em hipótese alguma, ser aprovado ou legitimado.

2) Todavia
deve-se reconhecer que há pessoas cujo homossexualismo pode ser, parcialmente
ao menos, isento de culpa; tais pessoas não são plenamente responsáveis por tal
aberração (ou porque sofrem de constituição patológica congênita ou porque
padecem momentaneamente as conseqüências de mau hábito contraído, que tende a
se transformar em uma segunda natureza). Reconhecendo estes fatos, o cristão
não está aprovando ou legitimando o homossexualismo, mas aplica uma clássica
regra da Teologia Moral: esta distingue entre responsabilidade plena,
responsabilidade diminuída e responsabilidade nula da pessoa que age. Em casos
de responsabilidade diminuída ou nula, pode haver grave pecado material, mas
culpa formal atenuada ou mesmo nula. Estas proposições significam que, diante
dos casos de homossexualismo, o cristão não deve apenas reprovar, mas há de se interessar
também pela eventual recuperação da pessoa anômala mediante tratamento médico.
Verdade é que dificilmente os tratamentos médicos ou psicoterapêuticos
conseguem a plena cura dos pacientes homossexuais; o seu êxito depende do grau
de enraizamento da anomalia.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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