Os textos revelam a complexidade teológica de sujeitos diversos que protagonizaram a caminhada conciliar. Torna-se difícil e problemático chegar a conclusões apressadas sobre o tema. O que é possível afirmar, com base nos documentos existentes, é o início de um processo de abertura dialogal e a presença de uma perspectiva mais positiva com respeito às religiões e otimista a propósito do mistério de salvação. Mas não há dúvida de que o concílio mantém viva a doutrina do caráter absoluto e definitivo do cristianismo, e nesse sentido, não rompe com a perspectiva eclesiocêntrica. Uma perspectiva que interdita ou obscurece os imperativos do diálogo inter religioso. Muitas foram as resistências na aula conciliar contra a ideia das religiões como caminhos ordinários de salvação. Firmou-se, ao contrário, a ideia de que só a igreja católica é caminho ordinário, indicando, assim, a necessidade de uma pertença à mesma.
Neste início de século XXI, quase quarenta anos depois do final do concílio Vaticano II, a questão do pluralismo religioso vai ganhando um terreno sempre mais decisivo na teologia cristã e no contexto vital dos cristãos. Há teólogos que dizem que este pluralismo será o grande horizonte da teologia neste novo século. Segundo Jacques Dupuis, o olhar retrospectivo sobre alguns textos do concílio com a sensibilidade plural atual provoca um certo desconcerto no leitor, uma “certa desilusão e insatisfação”. A “recepção” do concílio hoje exige uma “purificação da linguagem teológica” a propósito das religiões. Há ainda a presença no comum repertório léxico de uma visão deletéria sobre as religiões. Algumas expressões do concílio, como as que identificam a igreja católica romana como “única verdadeira religião” (DH 1), arranham negativamente a sensibilidade atual e provocam indisposição dialogal, ou mesmo a perda de credibilidade da instituição. Para Dupuis, “afirmações absolutas e exclusivas sobre Cristo e sobre o cristianismo, que reivindicassem a posse exclusiva da auto-manifestação de Deus ou dos meios de salvação, distorceriam e contradizeriam a mensagem cristã e a imagem cristã”. Abre-se hoje o desafio de uma “hermenêutica conciliar”, convocada a estabelecer uma leitura e interpretação dos textos à luz da dinâmica interativa entre a experiência cristã fundamental e as novas experiências humanas no contexto do pluralismo religioso, podendo inclusive provocar em certos casos uma reformulação do enunciado em vista de um novo alcance semântico.
A presença de uma sensibilidade plural exige de todos hoje em dia uma real transformação no modo de ver, entender e captar a dinâmica religiosa da alteridade. O outro é sempre mistério, enigma, novidade, trazendo consigo um “patrimônio espiritual” capaz de enriquecimentos inusitados. Trata-se de uma alteridade que nunca poderá ser complementada ou deslocada de sua irrevogável particularidade. O essencial não pode ser radicalmente compartilhado: é descoberta permanente, outras vezes é susto! O diálogo será sempre a busca da “identidade na diferença”, quando uma palavra, um silêncio, um gesto ou um olhar, desvendam as frestas de uma nova possibilidade de ser e de transformar-se
Em intervenção realizada em 10 de outubro de 1965, o cardeal Koenig, arcebispo de Viena, afirma que as religiões não cristãs são “meios de procurar a Deus”, e estão animadas por muitos valores, embora “não sejam caminhos de salvação”. Reconhece que a salvação possa ocorrer fora da igreja, e indica que é ela a “via ordinária de salvação para a qual tende também aquela graça que é dada fora da igreja”: Boaventura KLOPENBURG. Concílio Vaticano II. v. IV. Op.cit., p. 258-259. A visão de Koenig expressa a posição mais presente na assembléia conciliar que, segundo Ratzinger, reagiu com dureza às tendências teológicas mais abertas que apresentavam as religiões como caminhos ordinários de salvação, como é o caso do teólogo R.Schlette: Giacomo CANOBBIO. Chiesa perché. Op.cit., p. 156.
Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. Op.cit., p. 93
Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Op.cit., p. 135-136.
Ibidem, p. 485. Ver ainda p. 486.
Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. Op.cit., p. 39-50.
Lya LUFT. Perdas & ganhos. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 15-16.