Masturbação: ”De pecado a remédio” – EB

Em síntese: A revista VEJA publicou o resultado de um inquérito segundo o qual a prática da masturbação é um preventivo contra o câncer de próstata. A propósito observe-se que tal inquérito tem significado relativo, não decisivo, como aliás se dá com todo inquérito. Além disto, não se podem esquecer as consequências nocivas que a prática da masturbação acarreta, criando dependência a tal ponto que o próprio adulto se vê obrigado a ceder ao vício inveterado, mesmo a contragosto. Daí a não conveniência de estimular ou legitimar a masturbação. A teoria dos médicos australianos citados por VEJA não prevalece contra a sentença negativa da Psicologia e da Moral.

A revista VEJA, de 23/07/03, p. 64 apresenta uma reportagem significativa da qual vai abaixo reproduzido o trecho inicial:

DE PECADO A REMÉDIO

Estudo australiano sugere que masturbação ajuda a evitar o câncer de próstata.

A novidade partiu de um grupo de médicos australianos. Depois de analisar o histórico de mais de 2.000 homens, entre 40 e 69 anos, eles concluíram que a masturbação talvez proteja contra o câncer de próstata, o mais comum dos tumores masculinos. Para chegarem a essa conclusão, os pesquisadores enviaram um questionário a 1.079 homens vítimas da doença, a fim de que detalhassem seus hábitos sexuais ao longo da vida. As respostas foram comparadas às de outros 1.259 homens saudáveis da mesma faixa etária. O resultado indica que, quanto mais ejaculações um homem teve entre os 20 e os 50 anos, menos é a chance de ele desenvolver o tumor.  A proteção seria ainda efetiva quando o entusiasmo onanista se concentra na faixa dos 20 anos. Quem ejaculou mais de cinco vezes por semana nesse período estaria 30% menos propenso a desenvolver o câncer em idades mais avançadas.  Para a prevenção do tumor de próstata, ejaculações que são fruto de masturbação seriam bem melhores do que as originadas por relações sexuais, porque não implicam o risco de contrair infecções de um parceiro – essas infecções apontam pesquisas precedentes, contribuiriam para o aumento do risco de aparecimento do tumor.

A ejaculação, segundo os pesquisadores australianos, ajudaria a evitar que algumas substâncias cancerígenas presentes no sêmen ficasse armazenadas por tempo demais na próstata, onde parte desse fluído é fabricada.

QUE DIZER?

Proporemos quatro considerações:

Pesquisas e estatísticas

Todos reconhecem o valor das pesquisas, mas sabem que estão sujeitas a imprecisões, de modo que não podem ser tidas como dirimentes ou como palavra definitiva. Ao lado dos resultados apregoados pelos médicos australianos, é preciso registrar outros aspectos da prática da masturbação.

Antinatural

O amor humano é naturalmente voltado para um parceiro do outro sexo e num amoroso encontro com ele procura sua satisfação. Ora a masturbação vem a ser o inverso desse procedimento, fazendo que o instinto sexual se volte para o próprio sujeito, procurando aí seu prazer.

Quando essa prática atinge certa freqüência, pode tornar-se mania ou mesmo obsessão, prejudicando o equilíbrio nervoso. Isto afeta a personalidade do indivíduo. Toda prática contrária à natureza é uma ameaça à identidade do sujeito. O hábito da masturbação pode arraigar-se de tal modo que mesmo o adulto se veja constrangido a ceder-lhe ainda que reconheça a anormalidade do ato.

As origens de tal hábito são muito diversas: o costume pode decorrer da simples curiosidade que tem o adolescente, de conhecer melhor seu organismo; pode também provir de maus exemplos ou da parte de colegas já viciados; pode também resultar de uma predisposição psicopatológica. A princípio o menino vê em tal prática uma brincadeira inofensiva e só mais tarde percebe a aberração (sendo muitas vezes tarde demais para dela se livrar).

São vários os fatores que alimentam o hábito. Vítima de uma situação infeliz, à pessoa procura sua compensação em tal tipo de prazer, assim quem sofre uma decepção, quem tem dificuldades no estudo, quem não consegue emprego, quem é mal sucedido no namoro… A propósito se exprimem Azpitarte, Basterra e Orduña em sua obra Práxis Cristã, vol. II, pp. 341s:

“Seria falso sustentar que a melhor forma de amadurecimento humano e sexual seja precisamente essa prática concreta. Quem quisesse viver sua sexualidade desse modo teria sérias razões para se preocupar, pois estaria optando por um caminho oposto ao sentido relacional que a sexualidade encerra. O simples abandono à necessidade que se experimenta, sem uma dose de esforço e renúncia para superá-la, implica uma séria dificuldade para a evolução posterior, pois “somente suportando a tensão pode-se fazer com que o desenvolvimento progrida”. Os próprios psicólogos não deixaram de apontar os perigos inerentes à masturbação e que se manifestam com relativa facilidade quando, sobretudo, ela se converte em um hábito adquirido: o risco de permanecer em um estágio narcisista, a excessiva genitalização do sexo, a sua utilização como uma droga para escapar a outros compromissos ou convertê-lo em analgésico para encobrir outros problemas – essas são as consequências apontadas com maior freqüência, mesmo quando ela não se apresenta como sintoma de um desajuste mais profundo.

Os sentimentos de culpa nem sempre têm raízes religiosas. Constituem a manifestação de uma incoerência interna, já que o alterocentrismo aparece como um movimento característico do crescimento pessoal e sua negação provoca uma sensação de vazio e falta de plenitude, com ressonâncias psicológicas que podem ser detectadas inclusive naqueles que, conscientemente, não experimental nenhum complexo de culpa.  Até o próprio prazer obtido revela-se insatisfatório pela ausência das emoções despertadas pelo parceiro, bem como devido a um clima em que a relação e o diálogo humanos não tem relevância.

Essas considerações fundamentais, que apontamos apenas sucintamente, são suficientes para que o juízo ético e objetivo sobre a masturbação seja negativo. A sexualidade possui um significado decisivo para o amadurecimento do homem e para a sua integração com os outros.  Ela envolve um destino e uma meta para a qual deve-se orientar o esforço e a educação. Quem não se preocupa e não se compromete com a realização dessa tarefa renuncia a uma grave e importante obrigação de sua vida. Aquele que, tendo chegado à convicção de que se trata de um gesto sem maior transcendência, abandona o esforço para superar essa prática, está adotando uma posição absurda e lastimável, com a qual o único prejudicado será ele mesmo”.

É importante notar que até aqui falou tão somente a Psicologia, pondo em evidência os aspectos negativos da masturbação. Em particular chama a atenção a observação de que a entrega irrefreada ao prazer desfigura a personalidade; esta só se realiza se o sujeito sabe dizer Não ao prazer que o estorva e, afinal de contas, nem prazer é. Sem autodomínio não há crescimento interior nem grandeza da pessoa. Passemos agora ao aspecto ético.

E a Moral?

As razões psicológicas atrás aduzidas são mais persuasivas ou falam mais alto, recusando a prática da masturbação, do que os motivos médicos citados pelos pesquisadores australianos.

A Moral católica acompanha a sentença de rejeição. O que viola a lei da natureza viola a lei de Deus. Pio XII exprimia essa rejeição nos seguintes termos:

“Assim, repelimos como errônea a afirmação daqueles que consideram como inevitáveis as quedas nos anos da puberdade, que, por isso, não mereceriam que se fizesse grande caso delas, como se não fossem faltas graves, pois comumente, acrescentam, a paixão suprime a liberdade necessária para que um ato seja moralmente imputável” (AAS, nº 44, 1952, p. 275). Cf. também o discurso aos psicoterapeutas (AAS, nº 45, 1953, pp. 279-280).

Aliás já em 1929 o Santo Ofício foi consultado sobre a liceidade de se obter, mediante masturbação direta, o sêmen masculino no intuito de se fazer exame médico necessário ao combate à blenorragia. A resposta foi simplesmente negativa.

Em 1979 a Congregação para a Doutrina da Fé publicou a Declaração Persona Humana, em que se lê:

“Com efeito, falta-lhe a relação sexual requerida pela ordem moral: aquela relação que realiza o sentido integral da entrega mútua e da procriação humana no contexto de um amor verdadeiro” (n. 9).

A masturbação consciente e voluntariamente praticada constitui pecado grave. Precisamente um pecado é grave quando preenche três condições:

1) haja matéria grave (como é a masturbação);

2) pleno conhecimento de que o ato é mau;

3) vontade deliberada de o cometer. Ora as duas últimas condições nem sempre se cumprem, seja porque o adolescente pratica o ato sem conhecer o seu caráter pecaminoso, seja porque o jovem e o adulto o cometem às vezes semiconscientemente ou semivoluntariamente. Também é menos grave a masturbação que ocorre no caso de pessoas que lutam para vencer o hábito mau e, apesar disto, caem imprevistamente.  É o que se lê na Declaração Persona Humana:

“A imaturidade da adolescência, que às vezes pode se prolongar para além dessa idade, o desequilíbrio psíquico ou o hábito contraído pode influir sobre a conduta, atenuando o caráter deliberado do ato e fazendo com que nem sempre haja falta subjetivamente grave.  No entanto, não se pode presumir como regra geral a ausência de responsabilidade grave” (n. 9).

Conclusão

Os argumentos aduzidos pelos médicos australianos vêm a ser uma recomendação do hábito da masturbação – o que, segundo bons psicólogos, seria altamente nocivo à personalidade do indivíduo. Verdade é que nem todos os psicólogos encaram tão severamente tal prática. É de crer, porém, que o narcisismo, sendo contrário à natureza, é contrário ao bem de quem o pratica.

Do ponto de vista moral, a masturbação continua sendo ilícita. A hipotética possibilidade de evitar o câncer não justifica o emprego de meios ilícitos.  A Providência Divina não falta àqueles que lhe querem ser fiéis (como aliás também não falta aos infiéis).

Aliás, antes que a revista VEJA publicasse sua reportagem, a notícia já fora contestada pelo Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, como se lê no JORNAL DA TARDE (de São Paulo) com data de 18/07/03.

   “A NOTÍCIA NÃO É BEM ASSIM

O médico Eric Wroclawski, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia e professor da Faculdade de Medicina do ABC, não acredita que a masturbação previna o câncer de próstata, conforme foi amplamente noticiado ontem. Ele está preocupado. “Ao mesmo tempo que não vejo um fato físico-patológico que justifique a notícia, acho, inclusive, que ela pode ter repercussões inadequadas no comportamento coletivo”, diz o urologista”.

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 497 – Ano : 2003  –  p. 509(Revista VEJA)

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.