Liturgia da Palavra: “Alegrai-vos sempre no Senhor (…) O Senhor está perto”

Por Dom
Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração

 SÃO PAULO,
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Apresentamos o comentário à liturgia do
próximo domingo – III do Advento (Ano A) Is 35, 1- 6a.10; Tg 5, 7 – 10; Mt 11,
2-11 – redigido por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da
Transfiguração (Mogi das Cruzes – São Paulo). Doutor em liturgia pelo Pontificio
Ateneo Santo Anselmo (Roma), Dom Emanuele, monge beneditino camaldolense,
assina os comentários à liturgia dominical, sempre às quintas-feiras, na edição
em língua portuguesa da Agência ZENIT. 

III Domingo
do Advento – A

Leituras:
Is 35, 1- 6a.10; Tg 5, 7 – 10; Mt 11, 2-11

“Gaudete”
(Alegrai-vos) é o nome que a antiga liturgia romana dá ao terceiro domingo do
Advento, derivando-o da primeira palavra da Antífona da Entrada. Este
domingo nos introduz numa nova etapa do caminho do Advento e numa nova dimensão
da espiritualidade deste tempo litúrgico e da vida cristã: a alegria e a
paz. Ambas, quando autênticas, são dons messiânicos específicos que acompanham
a salvação de Deus e que brotam do Espírito do Senhor e da conformação de si
mesmos a Ele, graças a uma relação de intimidade progressiva com ele
mesmo. 

Gostaria de
tomar esta antífona da entrada como ponto de referência para iluminar a
mensagem da liturgia da Palavra deste domingo no seu conjunto.

A cor rosa
dos paramentos litúrgicos, vestidos pelos ministros segundo uma antiga
tradição, contribuem para destacar o caráter festivo da celebração.

“Gaudete –
Alegrai-vos sempre no Senhor… O Senhor está perto!”, canta a santa mãe Igreja
com as palavras apaixonadas do apóstolo Paulo aos filipenses (Fl 4,4-5). São
palavras dirigidas a uma comunidade cujos membros experimentam a incapacidade
de se relacionar uns com os outros e com os acontecimentos da vida através do
autêntico espírito dos discípulos de Jesus. São palavras repetidas hoje com ousadia
e confiança para nós, que conhecemos as mesmas dificuldades e estamos sob o
pesadelo dos muitos desafios que provêm da vida complicada de todos os dias.

Para sair
desta estrada sem rumo, Paulo indica aos filipenses o exemplo desafiador do
próprio Cristo: estando na forma de Deus, Ele despojou a si mesmo tomando a
condição de escravo, abaixou-se, tornando-se obediente até a morte sobre uma
cruz, e por isso Deus o exaltou e o fez fonte e critério de vida nova para
aqueles que o seguem (cf Fl 2,6-11). A proximidade do Senhor indicada
por Paulo como razão de alegria e esperança é, antes de tudo, a abertura à sua
amizade, a disponibilidade a partilhar seu estilo de vida e sua sorte. É
abertura ao futuro e à vida segundo o projeto de Deus para nós. É espera ativa
da sua vinda gloriosa, a qual faz assumir na vida cotidiana os sentimentos de
confiança em Deus e de entrega ao seu amor e ao dos irmãos, sentimentos estes
que caracterizaram Jesus até o dom de si mesmo.

Quando a
pessoa e a comunidade se abrem ao Senhor, completamente e com total confiança,
e permitem que ele se torne o único guia da existência, tudo se transfigura:
encontra-se a verdadeira paz e alegria. Numa certa maneira se antecipa a sua
vinda gloriosa. Eis a surpresa e o paradoxo da experiência cristã! Eis o
paradoxo do novo povo de Deus chamado e capacitado pelo Espírito a viver
segundo o estatuto da nova aliança proclamado nas bem-aventuranças, vivenciado
pelo próprio Jesus e entregue aos discípulos como fermento de nova humanidade
(cf Mt 5, 1-12). Paz e alegria são dom de Deus e tarefa a ser cumprida pelos
discípulos e discípulas de todo tempo.

A alegria
do discípulo não é algo de superficial e emocional, algo de individual e
“intimístico”. Algo que nasce da autorrealização ou da ausência de dificuldades.
Pelo contrário, é força do Espírito que alimenta a esperança e se traduz em
testemunho e empenho em prol da comunidade. Faz o cristão enxugar as lágrimas
do irmão que chora e transforma seu coração e seus braços nos do bom samaritano
atento aos feridos e abandonados às margens das estradas da vida (cf Lc 10,
29-37).

Entram em
jogo as melhores energias da pessoa: “Ocupai-vos – acrescenta o apóstolo
– com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso,
tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor” (Fl 4,7). 

A espera é
dimensão que atravessa toda nossa existência pessoal, familiar, social,
cultural. política. Mas surge uma pergunta radical: O que cada um de nós deve
esperar de verdade como horizonte do seu caminho, para fundamentar sua luta de
cada dia, suas expectativas, para não desanimar e perseverar frente aos atrasos
e mesmo diante dos insucessos? A relação de intimidade na fé com o próprio
Jesus é a fonte daquela alegria e paz de origem divina, que “ultrapassa todo
entendimento humano” (Fl 4,7), e acompanha surpreendentemente os discípulos no
caminho pessoal e ao longo da história. “Não fiqueis perturbados. Crede em Deus
e crede em mim” (Jo 14,1). “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha
paz;  não vo-la dou como a dá o mundo. Não vos perturbeis nem vos
acovardeis” (Jo 14,26). Partindo deste horizonte divino se assiste ao paradoxo
evangélico da alegria de sofrer por e com Jesus. Desde os primeiros
discípulos diante do tribunal de Jerusalém (At 5,41-42), até os intrépidos
cristãos e cristãs, que ainda hoje em dia enfrentam com coragem e perseverança
a perseguição e a morte por amor de Jesus. 

A sociedade
secularizada, sem perspectivas espirituais e transcendentais, tenta responder
ao inextinguível desejo de felicidade do coração humano oferecendo paraísos
artificiais de breve duração: é o bem estar baseado na procura e no consumo
incessante de bens materiais; é o poder e o dinheiro; é a corrida pelo sucesso
social; é o culto pela própria imagem; são as drogas, etc. Mesmo um certo
ativismo pastoral pode tornar-se busca inconsciente de um arremedo da alegria
evangélica. Ninguém está imune contra os possíveis desvios do ânimo humano.

O Advento
nos indica o caminho certo para construir sobre a rocha a casa da felicidade e,
ao mesmo tempo, a encontrar uma resposta para os desafios das armadilhas e dos
sofrimentos que acompanham nossa peregrinação na fé. O Advento constitui uma
verdadeira proposta alternativa de cultura e de civilização, fundada sobre a
energia transformadora do Espírito que abre e dilata os corações à procura e à
promoção do que é autenticamente humano, na medida em que se deixa construir
sobre a relação profunda com Senhor.

A carta
de Tiago destaca como o dinamismo da espera e da esperança faz os cristãos
ficarem firmes e criativos diante das vicissitudes da existência. Exemplos
inspiradores desta atitude são o agricultor e os profetas. O agricultor tem a
coragem de entregar a semente à terra e esperar com ânimo forte, com alegria
antecipada, o tempo da colheita; embora exposta aos imprevistos das estacões.
Os profetas do antigo testamento, por sua vez, experimentaram a profunda tensão
determinada pela espera do cumprimento das promessas de Deus. Eles conseguiram
somente vislumbrar de longe o que anunciavam e confiaram na fidelidade de
Deus. 

Os cristãos
são os sucessores dos profetas nesta vocação de reconhecer e testemunhar a
novidade de Deus e a esperança, ainda escondidas nas frágeis contradições do
presente. A dimensão profética inscrita no batismo felizmente voltou a ser
colocada em destaque pelo Concílio Vaticano II, como parte integrante da
identidade e da vocação de todo cristão e cristã. Recuperar esta consciência e
esta atitude profética por parte dos cristãos hoje em dia se faz
particularmente urgente, devido ao vazio espiritual e à falta de perspectivas
capazes de darem sentido à existência e que afligem tantos homens e mulheres.
Tarefa exaltante e desafiadora ao mesmo tempo. “O fato de sermos cristãos exige
que tenhamos fé e esperança, mas a paciência é necessária para que elas possam
dar seus frutos” (São Cipriano). 

“És tu,
aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?”(Mt 11,3). João Batista é o
exemplo de como deixar-se renovar na espera e na confiança em Deus. Ele é aquele que
fez ressoar no deserto sua voz potente, convidando o povo à conversão para
acolher o Messias de Deus. Ele é aquele que por fidelidade à sua missão desafia
o potente Herodes arriscando a vida. Diante do “estilo inusitado” com que Jesus
atua e prega a Boa Nova do Reino de Deus, fazendo-se próximo sobretudo aos
pecadores e marginalizados de todo tipo e proclamando a misericórdia de Deus,
João fica perplexo, pois Jesus parece caminhar num estilo messiânico bem
diferente daquele que ele havia destacado (Mt 3,10-12). “És tu, aquele que há
de vir, ou devemos esperar um outro?”. 

Jesus
responde simplesmente mostrando que a potência transformadora do Reino está já
operando, segundo a promessa de Deus (Is 35,5-10). É preciso somente se adequar
ao estilo de Deus em Jesus: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de
mim” (Mt 11,6). João vive dedicado totalmente à própria missão ao serviço de
Jesus, apontando-o a seus discípulos como o Cordeiro de Deus destinado
a tirar o pecado do mundo (Jo 21,29) e afirmando com lealdade de amigo: “É
preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). Por isso Jesus o exalta como “mais
do que profeta” e como o maior entre os homens (Mt 11,9-11). Mas surpreendentemente
acrescenta que todo aquele que consegue entrar na lógica nova que Deus
manifesta em Jesus “é maior do que João Batista”, pois vive afinado com o
próprio Deus.

Somos
convidados a escutar com toda atenção o convite de João à conversão, mas também
a segui-lo no caminho da sua própria conversão ao estilo de Deus e à esperança
que o acompanha. É o caminho indicado por Jesus. Se seguirmos, todo deserto
voltará a florescer e mesmo as histórias mais complicadas se abrirão a um novo
futuro: “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável, exulte a solidão e
floresça como um lírio… Criai ânimo, não tenhais medo!” (Is 35,1;4).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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