Liberdade religiosa, a quem interessa?

No dia 8 de dezembro de 1864, o Papa Pio IX publicou a Encíclica “Quanta Cura”, em que apresentava o “Sílabo” (lista, síntese) dos principais erros então propugnados pelo liberalismo. Entre eles, estavam a tolerância religiosa e a liberdade de consciência. O documento pontifício criticava os que «não temem fomentar a opinião desastrosa para a Igreja Católica e a salvação das almas, de que a liberdade de consciência e de cultos é direito próprio e inalienável do indivíduo, que há de se proclamar nas leis e se estabelecer em todas as sociedades constituídas».

O texto queria ser a resposta a uma concepção filosófica que avançava em toda a parte, fomentada pelo Iluminismo, onde a liberdade religiosa se identificava com o relativismo, o sincretismo e a indiferença, já que todas as religiões se equivalem, por não existir nenhuma verdade absoluta. Para seus fautores, a religião representava um retrocesso para a humanidade, própria de pessoas ingênuas e ignorantes.

Na atualidade, após a evolução incentivada pelo Concílio Vaticano II, por liberdade religiosa a Igreja Católica entende o direito que cada pessoa tem de não ser forçada nem impedida – por indivíduos, grupos ou Estados – de assumir uma crença religiosa. Ela não se limita aos atos internos e privados praticados pelo indivíduo através do culto, mas abrange também as manifestações externas e coletivas, expressas nas atividades pastorais, culturais e sociais. O exercício desse direito pressupõe o reconhecimento e o amparo legal do Estado, a quem cabe definir seus limites, em vista do bem comum e da ordem pública.

Em vários países, a data de 21 de janeiro assinala o dia mundial da religião e o dia nacional de combate à intolerância religiosa. Em 2011, na celebração que realizou em Roma, o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, após lembrar que a liberdade religiosa «é um direito humano universal e inalienável», descreveu alguns dos escolhos que a ameaçam: o secularismo, que se opõe a toda expressão da religião; o fundamentalismo que, por transformar a fé num fato político, gera a intolerância; e o relativismo, que manipula a globalização, empobrece a cultura humana e prega o sincretismo.

O Cardeal Turkson recordou ainda que o apelo da Igreja à liberdade religiosa «não se baseia num simples pedido de reciprocidade por parte de uma comunidade cristã, disposta a respeitar os direitos dos membros de outra comunidade, desde que esta retribua com a mesma medida. Respeitamos os direitos dos outros porque é justo, e não em troca de um tratamento equivalente ou de um favor recebido. Os cristãos defendem a liberdade religiosa nas regiões do mundo onde são maioria, como também não deixam de buscá-la em outros contextos onde são minoria».

Pouco depois, no dia 2 de março, Dom Silvano Tomasi, Observador Permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas, em Genebra, ao discursar durante a 16ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, voltou ao assunto: «A dimensão espiritual é de extrema importância para a existência humana. Apesar disso, ela é desrespeitada em diversas partes do mundo com a proliferação de episódios de violência contra minorias religiosas, ferindo um princípio que, inclusive, deveria ser protegido pela lei».

Em seguida, referindo-se aos atos de barbárie cometidos seguidamente contra quem muda de religião em países onde ela se identifica com um exacerbado nacionalismo, acrescentou: «O direito de adotar uma religião ou de trocá-la por outra é baseado no respeito que a dignidade humana merece. Por sua vez, o Estado deve defender a liberdade de quem busca a verdade».

Dom Silvano encerrou sua alocução relembrando as palavras do Papa Bento XVI no discurso que dirigiu aos membros do corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, no início deste ano: «A liberdade religiosa é o caminho para a paz. E a paz é construída e preservada somente quando os seres humanos podem buscar e servir a Deus livremente em seus corações, em suas vidas e em suas relações com os irmãos».

Liberdade religiosa, porque, num mundo onde todos têm direito a expressar suas opiniões mais disparatadas, ela parece negada apenas aos cristãos…

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Bispo de Dourados (MS)
Dom Redovino Rizzardo

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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