Lei natural: um fundamento perene e universal

Ensina São Tomás de que a lei natural é a noção que o homem tem de praticar o bem e evitar o mal.1 Na ordem prática, estes dois princípios evidentes em si mesmos e universais, constituem a base de todos os juízos morais.2 São estes princípios reguladores descobertos pela razão à medida em que nela vai progredindo a consciência moral.

Essa noção de existência de uma lei natural inata no homem é herdada de uma tradição muito antiga. Muito antes de São Tomás, os Padres da Igreja e, antes deles, na antiguidade, os estóicos, Cícero, e até os poetas gregos como Sófocles, defendiam a sua existência, denominando-a como lei não escrita. Foi, contudo, o Doutor Angélico quem melhor soube fundamentar as teses sobre lei e direitos naturais, pressupondo três categorias de leis: lei eterna, lei natural e lei humana. No que diz respeito à lei natural, para o Aquinate ela não é senão a participação da criatura racional na lei eterna, ou seja, a lei eterna, que é a própria razão divina e o fundamento moral de toda a lei (Cf. S. Th. q. 93. a.6), está como que decalcada na razão humana. Deus ao criar o homem e todo o universo colocou uma ordem em cada natureza, através da qual cada ser age de acordo com o fim da sua natureza. Qualquer homem ao nascer está sujeito à lei e deve agir conforme ela.3

São Tomás segue a tradição de todos os Padres da Igreja. Já no século V, Santo Agostinho sublinhara a existência de várias naturezas, cada qual com leis próprias, às quais se submetem os seres criados: “A razão é que d’Ele (Deus) receberam a categoria de naturezas, e tornam-se defeituosas na medida em que se afastam da sua ideia-arquétipo, pela qual foram produzidas”.4

Segundo Étienne Gilson, no pensamento medieval a ideia de lei natural está subjacente à razão divina e à lei eterna, pois esta se confunde com a vontade ou a razão de Deus. O princípio analógico de que a lei natural está para a lei eterna assim como o ser está para o Ser, vale indistintamente para toda a ordem de criaturas. Deus

[…] concriou a lei natural aos seres que ele chamava à existência e como o facto de existirem se dá por uma participação analógica com o ser divino, assim também analogicamente participam da Sua lei eterna, pois a regra da sua actividade está inscrita na própria essência e estrutura do seu ser .5

1 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 91. a. 2. “[…] quasi lumen rationis naturalis, quo discernimus quid sit bonum et malum, quod pertinet ad naturalem legem, nihil aliud sit quam impressio divini luminis in nobis”.

2 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 94. a. 4. “Sic igitur patet quod, quantum ad communia principia rationis sive speculative sive praticae, est eadem veritas seu rectitudo apud omnes, et aequaliter nota. […] Sic igitur dicendum est quod lex naturae, quantum ad prima principia communia, est eadem apud omnes et secundum rectitudinem, et secundum notitiam”.

3 Cf. AQUINO. S. Th. I-II. q. 91. a. 2. “Unde cum omnia quae divinae providentiae subduntur, a rege aeterna regulentur et mensurentur […]. Inter cetera autem rationalis creatura excellentiori quodam modo divinae providentiae subiacet […]. Unde et in ipsa participatur ratio aeterna, per quam habet naturalem inclinationem ad debitum actum et finem”.

4 AGOSTINHO. O livre arbítrio. Braga: Faculdade de Filosofia da UCP, 1998. p. 42.

5 GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 407-409.

Por Pe. Jorge Filipe Teixeira Lopes, EP
 
Fonte: http://www.gaudiumpress.org/content/41043-Lei-natural–um-fundamento-perene-e-universal

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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