Lei natural: Que é? Existe mesmo? – EB (Parte 2)

O princípio
fundamental da lei natural pode ser conhecido com certeza por todo homem
normal, pois é evidente por si mesmo. O mesmo se diga a respeito das conclusões
imediatas. Quanto às conclusões remotas, embora sejam por si mesmas acessíveis
à razão, podem não ser devidamente apreendidas por pessoas que vivam em
ambientes moralmente pouco evoluídos, onde a consciência moral esteja embotada
pela mediocridade e a dureza dos corações.

Quem se
aplica de coração sincero à reflexão sobre a vida moral, percebe que o preceito
básico de “fazer o bem” é altamente exigente, implicando conseqüências cada vez
mais delicadas e magnânimas. Todavia, para que as apreenda, a pessoa deve estar
isenta de covardia ou do medo de crescer interiormente.

Consideremos
as propriedades da lei natural

4.2.
Universalidade

A lei
natural é válida para todos os homens e todos os tempos. Isto se deduz da
unidade da natureza humana (na América, na Europa, na África, na Ásia…), da
unidade de Deus e do plano divino de salvação. Tal afirmação será ulteriormente
esclarecida nos parágrafos que se seguem.

4.3.
Imutabilidade

A lei
natural moral em si é imutável em virtude dos princípios que acabam de ser
apontados. Todavia a aplicação da lei natural nem sempre foi a mesma entre os
homens de bem no decorrer da história. Com efeito, para perceber certas
conclusões da lei natural, o homem depende de circunstâncias, como mostram as
considerações seguintes:

É imutável
o princípio natural segundo o qual todo homem tem direito ao uso da sua
liberdade pessoal e, por conseguinte, a escravatura é condenável. São Paulo,
aliás, exortava a tratar os escravos como irmãos (Filemon 16). Todavia a
emancipação imediata dos escravos no tempo de S. Paulo e a reestruturação da
sociedade eram algo de impensável naquela época. Na Idade Média, o servo da
gleba poderia ter sido tratado com mais liberalidade; todavia era-lhe
conveniente ficar fixo no solo do senhor feudal, porque este lhe garanta a proteção
e a defesa que ele não teria em outras condições.

Estas
considerações se estendem a outros tipos de comportamento dos antigos aceitos
tranqüilamente em épocas passadas, mas hoje tidos como contrários à lei
natural: o tratamento infligido às mulheres, a morte pelo fogo, as guerras
religiosas… Para julgar a moralidade de tais costumes, não nos é lícito
aplicar-lhes os critérios lúcidos que os tempos atuais nos oferecem, mas que os
séculos passados não propiciavam aos homens. Cometeria injustiça quem quisesse
defender a justiça tratando os antepassados como se trata em juízo um cidadão
contemporâneo. Para avaliar a conduta dos antepassados, temos de nos transferir
para a sua respectiva época e entender os valores morais dentro do grau de
compreensão então vigente.

Notemos
ainda o seguinte: assim como na vida de um indivíduo há três idades (a
infantil, a adulta, e a senil), assim também as há na história da humanidade em
geral e dos povos em particular. Ora, como não se pode imputar a uma criança e
a uma pessoa decrépita a responsabilidade de um adulto, também não se podem
argüir povos primitivos e menos primitivos como se argüi um povo plenamente
civilizado sim, há povos primitivos que ainda devem chegar à sua maturidade
como há outros que estão decadentes e em desaparecimento cometem faltas graves
contra a lei natural (a antropofagia, por exemplo), não porque esta não valha
para todos os homens, mas porque não têm condições históricas necessárias para
compreender todo o alcance da mesma. Estas ponderações projetam luz sobre a lei
do talião: “Dente por dente… olho por olho”. Para os homens primitivos, esta
fórmula já era muito exigente, porque 1) impedia que a pessoa danificada se
compensasse arbitrariamente infligindo ao adversário dano maior do que o
recebera; 2) valia para todos os componentes da tribo, de modo que os chefes e
maiores não ficavam isentos de sanção.

4.4.
Dispensabilidade da lei natural?

Para
responder a esta pergunta, devemos distinguir entre preceitos primários e
preceitos secundários da lei natural.

Preceitos
primários são aqueles sem os quais a ordem moral se torna totalmente
impossível: tenhamos em vista, por exemplo, a obrigação de não levantar falso
testemunho, a de não blasfemar contra Deus, a de não adorar ídolos… Tais normas
da natureza são absolutamente imutáveis e não admitem dispensa (pois uma
dispensa em tais casos não concorreria para o bem do indivíduo ou da
sociedade).

Preceitos
secundários são normas muito úteis, a tal ponto que a ordem moral já não
poderia subsistir ou ao menos ficaria seriamente comprometida, caso fossem
violados de maneira geral e estável. Admitem, porém, dispensas transitórias e
raras, devidas à fraqueza da natureza humana ferida pelo pecado original e
ainda não resgatada pela graça do Redentor. – Ora entre os preceitos
secundários da lei natural estão o da monogamia e o da indissolubilidade do
matrimônio; com efeito, a geração e a procriação da prole, assim como o auxílio
mútuo dos cônjuges, podem ser obtidos embora em termos precários, mesmo som uma
legislação poligâmica e divorcista É à luz destas considerações que se deve
entender a permissão dada pela Lei de Moisés em Dt 24, 1-4; 17, 17 (onde há
restrições à prática mesma do divórcio).

¹ Formulação
positiva em Mt 7, 12.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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