Laicismo e intolerância

Uma distinção interessante, proposta pelo papa Bento XVI, é a que se pode fazer entre laicidade e laicismo. Laicidade, segundo sua definição etimológica, é o caráter próprio do leigo. Laicismo, pelo contrário, é a ideologia e o movimento que propõe a exclusão de qualquer influência religiosa na vida pública, social e cultural.

A laicidade, diz o papa, decorre da justa autonomia das realidades temporais. Conforme ensina o Concílio Vaticano II, em seu precioso documento Gaudium et Spes, «Se por autonomia das realidades terrenas entende-se que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser uma exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo inteiramente de acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio fato da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os métodos peculiares de cada ciência e arte» (n. 36). Sobre esta sadia laicidade, acrescenta o Concílio, no mesmo documento: «As tarefas e atividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. (…) Compete à sua consciência previamente bem formada imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. (…) Os leigos, que devem tomar parte ativa em toda a vida da Igreja, não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas são também chamados a serem testemunhas do Cristo, em todas as circunstâncias, no seio da comunidade humana» (n. 43).

O laicismo, como ideologia e movimento político, vai além do simples anticlericalismo. Este pretendia apenas excluir a interferência do clero na política terrena, o laicismo pretende mesmo banir qualquer expressão religiosa na vida pública. O laicismo, mais que anticlerical, é propriamente antirreligioso. Neste sentido, o laicismo é intrinsecamente intolerante. Aliás, poderíamos dizer que o laicismo é a suma completa da intolerância religiosa: a intolerância laicista não se dirige a uma religião em particular, mas contra toda e qualquer manifestação religiosa, pelo simples fato de ser religiosa, não importando qual seja a religião.

O laicismo pretende fundamentar sua intolerância na pretensão de organizar o mundo sem Deus, o que é irrefragavelmente uma falácia. Conforme o Concílio Vaticano II, no já citado documento Gaudium et Spes: «Se, porém, com as palavras “autonomia das realidades temporais” entende-se que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a falsidade de tais assertivas. Pois, sem o Criador, a criatura não subsiste. De resto, todos os crentes, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se obscurece» (n. 36).

Fragoroso exemplo dessa intolerância laicista assistimos no começo deste mês, quando o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, atendendo a requerimento da Liga Brasileira de Lésbicas, determinou a retirada de todos os crucifixos e símbolos religiosos presentes nos edifícios do Poder Judiciário sul-riograndense. Segundo os laicistas, a presença de símbolos religiosos no espaço público ofende as lésbicas. O problema que seu argumento é via de mão única: não se reconhece o mesmo direito aos católicos ofendidos por manifestações de lesbianismo em espaço público. Mais que isso: ao mesmo tempo em que retiram os crucifixos das repartições, querem criminalizar todos aqueles que manifestem seu desagrado em relação a expressões de homossexualismo.

«Ó gálatas insensatos, quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, vós, ante cujos olhos foi já representado Jesus Cristo crucificado?» (Gl 3,1). A presença dos crucifixos não prejudica a laicidade das repartições públicas, ainda que atraia a sanha perseguidora do laicismo que, como dissemos, é a culminância e a suma completa da intolerância religiosa. A retirada dos crucifixos das salas de julgamento do Rio Grande do Sul, além de constituir desrespeito à insubstuível participação do catolicismo na formação histórica, cultural e moral do Brasil, é um ato de intolerância laicista que, como tal, deve ser combatido e repudiado não apenas pelos católicos, mas por todas as pessoas sensatas e de boa vontade.

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Rodrigo R. Pedroso, com 32 anos de nascido, é brasileiro, casado, advogado graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD/USP), mestrando em filosofia política pela FFLCH/USP e procurador da Universidade de São Paulo.

 

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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