Jesus Cristo é Ontem, Hoje e Sempre

* Prof. Hermes Rodrigues Nery

A última atividade do ano, antes de nos reunirmos para a ceia, foi a apresentação da parte final do filme “Abraão”, aos meus filhos Ana Victória e João Victor.1 Foram dezoito partes de dez minutos cada, que obtive no youtube, e nos momentos de nossa catequese, em casa,  fui apresentando as partes do filme, depois de já ter feito o estudo bíblico.

Atualíssima a história daquele que saiu de sua terra para atender o chamado da voz verdadeira, do Deus da vida, fiel cumpridor de suas promessas. Daquele que não há engodo algum, nem astúcia, nenhuma esperteza, mas somente a magna sabedoria e a profusão do bem. Belíssimas imagens, numa interpretação que reproduz de modo tocante como Deus age em nossa vida, com sua pedagogia sempre especial. É significativa a passagem em que Abraão, após o “sim” dado ao Senhor, atravessa o deserto, sinalizando a condição do discípulo e missionário do verdadeiro Deus.

Muitas vezes sentimos isto: um estar por muito tempo no deserto, e mesmo alimentados pelo maná do Senhor, somos tentados a pensar e a sentir que estamos abandonados. Muitas vezes, no dia-a-dia, “as promessas a Abraão e a Davi parecem terem se afundado no silêncio de Deus”2 e o deserto antecipa os sofrimentos da cruz. Ao terminar de ver o filme sobre Abraão, expliquei aos meus filhos: sabemos que “quem segue a vontade de Deus sabe que nunca deixará de ter a Sua proteção ante todo e qualquer horror com que se confronta. Sabe que o fundamento do mundo é o amor e mesmo aí, onde ninguém pode ou quer ajudá-lo, pode confiar n’Aquele que o ama”.3

Abraão soube, desde o início, que Deus o amava, e que o seu chamado era para que ele seguisse o caminho da verdade e da vida, “e só o poder que se coloca sob a benção de Deus pode ser seguro”.4 Cenas que se perpetuam na história da Salvação: em peregrinação no deserto, a água que brota da rocha, quando tudo parecia estar perdido; a partilha do pão e do vinho com Melquisedec.

Aos meus filhos, destaquei, desde o início de nossa catequese familiar, que “a Sagrada Escritura é um livro destinado a todos os tempos”5 e como São Paulo, “o apóstolo considerava a Bíblia como o maior tesouro do mundo”.

Tanto a instrução oral, quanto as imagens sagradas, os momentos de oração juntos, ajudam a criar uma atmosfera favorável para que sintam a presença de Deus – que não é uma grande ideia como apregoam alguns intelectuais, nem um fenômeno cultural, mas uma presença viva, um acontecimento. E mais: uma pessoa que se manifesta e que intervém na história. “É Deus quem governa o mundo, não nós”.7 Daí a imagem do anjo da guarda na cabeceira da cama, o da Sagrada Família na parede principal do quarto, a imagem de Belém e de Jerusalém na sala, e a da Última Ceia na cozinha. Estas poucas (mas imprescindíveis imagens) nos acompanham, para recordamos a cada dia, do quanto precisamos que Deus “fique conosco”, como quiseram os discípulos de Emaús.

Para isso, mantive-me também na catequese paroquial, aos domingos de manhã, para estar com as crianças e poder falar para eles da pessoa de Jesus Cristo. “Para mim, foi interessante deixar a esfera intelectual e aprender a falar com as crianças. Foi maravilhoso transpor todo o mundo conceitual abstrato, de modo que também dissesse alguma coisa a uma criança”.8 E nos nossos encontros, iniciando sempre com a oração do Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Glória ao Pai, partia logo para falar sobre a vida de Jesus, o anúncio do Reino de Deus, as parábolas, sua Paixão, Morte e Ressurreição.

Inspirava-me a recordação sempre viva de Jesus no filme de Zefirelli, seu olhar compassivo diante da multidão aflita. E procurava passar aos catequizandos o modo de ser e de agir de Jesus, para que eles de algum modo pudessem ser atraídos pela pessoa de Jesus, daí as nossas catequeses eram mais o contar das narrativas bíblicas, para que tivessem em seu coração as passagens do Evangelho, como as tive gravadas em minha infância.

A primeira imagem de que tenho recordação em minha vida é a de uma noite Natal, quando entendi pela primeira vez a associação do menino da manjedoura com o crucificado.  É que havia acima do presépio, um crucifixo, e alguém me dissera: “Ele doou a sua própria vida por amor a nós”. E mais: “para nos salvar!” Mais tarde entendi que Jesus Cristo é “o Reino de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o ‘Reino'”,9 pois “o Reino não é uma coisa, não é um espaço de domínio como um reino do mundo. É pessoa: o Reino é Ele.”10 E o encontro pessoal com Jesus me fez crer mais convictamente no grande mistério da fé: “de nada valem o querer e o correr do homem: a única coisa que importa é a misericórdia de Deus” (cf. Rom 9, 16).

Havia dentro da sala em que nos reuníamos no domingo antes da missa, um cercado de bolinhas coloridas, tipo cama elástica. Uns dez minutos antes de terminar as nossas atividades, as crianças pediam para irem brincar mergulhando nas bolinhas, ao que ia, de dois em dois, ficavam um pouco cada um e davam vez para os outros, até que após todos terem se descontraído no cercado, íamos juntos até a igreja matriz. Numa certa manhã, de sol muito suave, eles pediram para tivéssemos catequese ao ar livre, no jardim. Ao que fomos então para lá, cada um ficou sentado num banco ou numa gangorra, etc., e a céu aberto meditamos sobre as parábolas, especialmente a da multiplicação dos pães e peixes.

Na semana antes da Primeira Eucaristia, todos se prepararam para a confissão, com o ato de contrição na ponta da língua, mas recordando de que era preciso um coração realmente contrito para receber o Senhor eucarístico. No domingo da Primeira Comunhão, todos receberam a vela acesa representando Jesus “a luz do mundo”, e comungaram na esperança de afirmarem a fé por toda a vida, sabendo que “o cristianismo oferecerá, de um modo novo, modelos de vida e apresentar-se-á outra vez, na desolação da existência técnica, como um lugar de uma verdadeira humanidade”.

É isso que precisamos! Destaco aos meus catequizandos: de um heroísmo capaz de vencer o tecnicismo e afirmar o valor humano da vida, pois “não sois máquinas. Homens é que sois.”12 É certo que a sociedade atual está impregnada do individualismo, hedonismo e pragmatismo, mas o Evangelho da Vida oferece mais: “Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence a ele enquanto Redentor do mundo”13

E vejo cintilar nos olhos deles uma chama viva da alegria de aceitar e reconhecer Jesus como Mestre e Senhor, como alguém que lhes lança um olhar penetrante, e que cativa: “Jesus anuncia, à medida que fala do Reino de Deus, simplesmente Deus e precisamente o Deus vivo, que é capaz de agir de modo concreto no mundo e na história e que já está exatamente agora em ação. Ele nos diz: Deus existe. E: Deus é verdadeiramente Deus, quer dizer, Ele tem nas suas mãos os cordelinhos do mundo”.14

Os ateus militantes, liderados por Richard Dawkins, querem nos privar do direito que a Constituição garante de liberdade religiosa, de defender o que acreditamos. Pois justamente as crianças são as que mais recebem afetuosamente Jesus de coração aberto, porque há entre elas e Jesus a sintonia da verdade e do amor, a sintonia do caminho da vida, que elas agradecem, anos depois – como agradeço à minha catequista, Irmã Teresa Paula, por me ter falado e ter feito conhecer Jesus, e depois ter-me encontrado com ele pessoalmente, como Abraão, no deserto; e Moisés, na sarça ardente.

Na igreja matriz, após a celebração da Primeira Eucaristia, abracei cada um dos catequizandos, reafirmando o amor a Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador, pois “o discipulado é possível a quem quer que seja, vocação existe para todos: é assim que a partir da escuta se forma um Israel, um novo Israel, que não exclui nem acaba com o antigo, mas que o ultrapassa na dimensão de um envolvimento universal”.15 E ressalto: “Quem quer que seja que escuta e que acolhe a palavra pode tornar-se um discípulo”.

E assim iniciamos mais um ano, com a convicção firmíssima de que Jesus Cristo é ontem, hoje e sempre.

*Prof. Hermes Rodrigues Nery é catequista na Paróquia São Bento.

Notas:

1. http://www.youtube.com/watch?v=x-IwYTSR2TA

2. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 29, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

3. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 49, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

4.  Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 49, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

5. Josef Holzner, Paulo de Tarso, p. 30, Quadrante, São Paulo, 1994

6. Josef Holzner, Paulo de Tarso, p. 30, Quadrante, São Paulo, 1994

7. Papa Bento XVI, Encíclica Deus Caritas Est, 35.

8. Joseh Ratzinger, O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, p. 52, Ed. Imago, 1997.

9. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 59, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

10. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 51, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

11. Joseh Ratzinger, O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, p. 104, Ed. Imago, 1997.

12. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/discurso.htm

13. Catecismo da Igreja Católica, n. 679, p. 168; Editora Vozes, Edições Paulinas, Edições Loyola, Editora Ave Maria, 2ª edição, 1993.

14. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 64, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

15. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 72, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

16. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 72, Editora Planeta do Brasil Ltda, 2007.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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