Jejum e Ascese

Na Bíblia tem um significado profundo a prescrição do jejum, ou seja privação de alimento ou bebida com um fito religioso. Trata-se de uma homenagem a Deus, acompanhada de preces. É um ato, portanto, de fé e de notável humildade.

Jesus mesmo jejuou quarenta dias e quarenta noites (Mt 4,2), enquanto seus discípulos não se entregavam a esta prática e o questionaram a respeito. Sua resposta foi esta: “Podem porventura jejuar os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? Todo o tempo que têm consigo o esposo não podem jejuar. Mas virão os dias em que lhes será tirado o esposo; e então nesses dias jejuarão” (Mc 2,18-21). Segundo os melhores biblistas isto mostra que o verdadeiro jejum é o da fé, isto é, a privação da presença visível de Jesus e sua permanente busca por entre as incongruências da vida. Entretanto, enquanto o cristão espera a volta de seu Redentor há lugar para práticas físicas do jejum penitencial como uma maneira de mortificar o corpo e dispor o espírito para as ascensões espirituais. Há, de fato, valores espirituais de rara valia nesta maneira de agir. Hoje, na Igreja Católica, o jejum está restrito a dois dias:

Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa, mas o espírito penitencial deve abranger todos os dias do ano, sobretudo as sextas-feiras, o que necessariamente não se trata de uma mera abstenção de algum alimento. Qualquer ato penitencial se traduz numa disciplina de vida, num auto domínio na relação corpo-espírito. Toda austeridade redunda em benefício espiritual. A própria resistência ao sofrimento que é sublimado com uma aplicação em benefício próprio e alheio é de extrema valia. Não se trata nem da busca de um condenável angelismo, nem ainda de um funesto masoquismo que seriam desvios lamentáveis. Atitudes duras e incontroladas fogem inteiramente da mortificação evangélica. A verdadeira penitência começa no interior de cada um com a repulsa absoluta do pecado. Exteriormente ela é antes de tudo e sobretudo o cumprimento exato do dever de cada hora, sempre penoso, fatigoso. Seria um grave erro alguém se entregar a grandes sacrifícios, mas fugindo das obrigações cotidianas de seu estado de vida. Adite-se que o necessário exercício da caridade traz consigo louváveis abstenções como o suportar o próximo, o se privar de algo não necessário à saúde e drenar tal economia para a ajuda ao mais necessitado, o esforço muitas vezes penoso de se ir ao encontro de quem padece. Deixar a comodidade para socorrer quem precisa, eis aí o que, realmente, agrada muitíssimo a Deus. O desapego dos bens materiais é outra forma de penitência. Como ensina o Apóstolo Paulo a ambição lança o batizado na ruína e na perdição (1Tm 6,8-9). É que isto impede a busca de Deus que foi sempre a meta de todos os que procuraram a perfeição prescrita por Cristo.

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A acesse, assim concebida, é transformadora e imprescindível para o progresso espiritual do epígono de Jesus. É a renúncia colocada a serviço dos valores maiores. Ao se purificar através da mortificação, o cristão saboreará grande paz e até seus sentidos servir-lhe-ão de instrumentos para a posse mais total de Deus. O verdadeiro cristão antecipa a vida gloriosa do céu onde todo o ser é espiritualmente transformado, uma vez que passa a não viver escravizado às exigências corporais, porque tem total domínio sobre si mesmo. No fundo de toda esta experiência está o desejo de união com Jesus paciente e padecente o que sobretudo os mártires realizaram em plenitude. Não se trata, pois, de uma fuga do mundo, mas de uma transfiguração no mundo e das coisas temporais em vista a um bem maior que é o reino de Deus. Eis por que o autêntico asceta tem muito mais facilidade de se entregar à oração, pois está muito mais apto para as realidades do espírito. A mortificação é deste modo a prova definitiva do compromisso de secundar os dons salvíficos que o Espírito Santo oferece para a construção de um mundo menos materializado, no qual se realize inteiramente o vasto e rico projeto divino da felicidade de todos.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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