Já ouviu falar de Taizé? – EB

Em síntese: O mosteiro protestante de Taizé é obra do Irmão Roger Schutz e seus companheiros. Roger Schutz, movido pelo desejo de propiciar a reconciliação entre os cristãos e, em geral, entre os homens divididos, houve por bem constituir, a partir de 1940, uma comunidade dedicada à oração, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos. A obra encontrou resistência durante os seus vinte primeiros anos, nos ambientes protestantes. Hoje em dia, porém, goza de estima e do apoio tanto dos protestantes como dos católicos; os Papas João XXIII e Paulo VI têm-lhe dado eloqüentes testemunhos de benevolência.

Os monges de Taizé restauraram no Protestantismo a prática dos votos religiosos: celibato de bens materiais e obediência. Dedicam algumas horas do dia à oração (comunitária e particular). Aplicam-se ao trabalho (manual e intelectual) para sobreviver e para auxiliar as pessoas e populações necessitadas: na América Latina, promoveram a operação “Esperança”, que se destina a favorecer os mais pobres do continente. A fim de incentivar a sua obra de reconciliar, os irmãos de Taizé têm fundado pequenas Fraternidades fora de Taizé, na Europa e na América (inclusive na cidade de Vitória, ES, Brasil).

Os jovens têm sido fortemente atraídos pela mensagem de reconciliação e otimismo proveniente de Taizé. O afluxo dos mesmos ao mosteiro é vultuoso, principalmente nas férias de verão e de Páscoa. De 30/VIII a 1/IX/74 inauguraram o Concílio dos Jovens, que se protrairá por diversas sessões em várias partes do mundo durante alguns anos. Os temas do Concílio visam a despertar a juventude e, em geral, os homens de hoje para a responsabilidade que a história lhes impõe.

Em suma, Taizé é um sinal de esperança cristã em nossos dias.

Comentário : O movimento ecumênico visa à restauração da unidade entre os cristãos. Essa unidade foi violada por cismas sucessivos:

– em 431 e 451, separaram-se da comunhão da Igreja os nestorianos e monofisitas (que hoje constituem pequenas comunidades esparsas pelo Oriente);

– em 1054, sob o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla, separaram-se os bizantinos, arrastando consigo vários povos da Europa Oriental. São os cristãs chamados “ortodoxos” (ortodoxos, porque no séc. V não haviam caído nas heresias do nestorianismo e do monofisismo);

– em 1517, Lutero deu início ao movimento cismático protestante, que se continuou no Calvinismo, no Anglicanismo (ao menos na “Low Church”) e nas denominações protestantes posteriores.

Frente a essas comunidades cristãs não católicas, existe a Igreja Católica, que se deriva, sem interrupção até hoje, de Jesus Cristo e dos Apóstolos.

Ora nos últimos tempos têm-se verificado tentativas numerosas de aproximação dos cristãos entre si. Uma das mais belas e alvissareiras é o mosteiro de Taizé, fundado por monges protestantes, mas aberto a todos os cristãos, na expectativa de um reencontro de todos na hora e nas circunstâncias que a Providência Divina houver por bem assinalar.

O mosteiro de Taizé, desde a sua fundação, há trinta e seis anos, vem chamando mais e mais a atenção do mundo cristão e não cristão por causa do ideal que representa. Eis por que nos propomos, nas páginas que se seguem, apresentar Taizé e as grande linhas de pensamento que inspiram a sua comunidade.

1. Origens e desenvolvimento

O fundador do mosteiro de Taizé é o Irmão Roger Schutz. Nasceu aos 12 de maio de 1915 na Provença (França) como filho de família protestante; seu pai, Charles Schutz, de origem suíça, era pastor. Desde cedo foi atraído pela Igreja Católica, como refere o próprio Roger Schutz:

“Quando eu tinha cinco anos, entramos numa Igreja católica. Tudo aí mergulhava na penumbra. A luz que iluminava a Virgem e a reserva eucarística, deixou em mim uma imagem até hoje inalterada” (“Ta fête soit sans fin”, 30/05/69).

Quando o menino tinha treze anos, seus pais pensaram em mandá-lo estudar numa cidade vizinha, onde ficaria hospedado em casa de família. Poderiam escolher entre uma família protestante e outra católica. Esta era pobre, pois constava de uma viúva com numerosos filhos. Os pais de Roger eram propensos a ajudar essa viúva, pagando-lhe o preço da pensão do menino, mas hesitavam por causa da fé católica da viúva. Finalmente optaram pelo alvitre mais generoso, confiando a esta o seu filho protestante. Em conseqüência, Roger Schutz, em seus anos de formação, compartilhou o estilo de vida de uma família protestante (a sua) como também o de uma família católica.

Durante os seus anos de estudos na Universidade de Lausanne, o jovem protestante leu obras clássicas do Catolicismo, que nele foram aumentando as tendências ao ecumenismo. Estas desabrocharam na idéia de fundar uma comunidade religiosa que se dedicasse à causa da aproximação dos cristãos.

Em 1940, durante a segunda guerra mundial, Roger Schutz procurava um lugar onde estabeleceria a sua fundação. Na Borgonha, perto de Cluny (território francês não ocupado pelos alemães), o jovem idealista encontrou o vilarejo de Taizé, onde lhe apontaram uma casa favorável aos seus propósitos. Foi lá que Roger resolveu fixar-se. Começou então a sua obra, acolhendo os refugiados de guerra que o procurassem. Esta situação se prolongou por dois anos, quando em 1942 Roger Schutz teve que deixar Taizé, pois o território fora ocupado pelos alemães; retirou-se então para Genebra (Suíça), onde conheceu os seus primeiros discípulos: Max Thurian, Pierre Souvairam, Daniel de Montmollin. Em 1944 Roger, com seus três companheiros, voltou a Taizé, onde a comunidade começou a se dedicar a meninos vítimas da guerra e a prisioneiros alemães.

Na festa de Páscoa de 1949, os irmãos de Taizé, em número de sete, emitiram os votos que os consagravam para o resto da vida ao serviço do Senhor. Este passo se revestia de enorme significado. Com efeito, Martinho Lutero, que deu início à Reforma protestante em 1517, rompeu os seus votos religiosos e os condenou. Conseqüentemente, o protestantismo nunca conhecera vida monástica nem comunidades constituídas por votos religiosos. Os teólogos protestantes desaconselhavam aos irmãos de Taizé a introdução desse tipo de vida na Reforma, alegando que os votos eram contrários à liberdade sugerida pelo Espírito Santo. Não obstante, Roger Schutz e seus companheiros julgaram que deviam firmar seu gênero de vida mediante uma profissão religiosa, não somente para dar certa estabilidade à obra iniciada, mas também, e principalmente, para serem coerentes com o próprio Evangelho. Eis como o Irmão Roger Schutz expõe o seu pensamento:

“Muitas vezes nos fizeram a nós (Irmãos de Taizé esta pergunta: “Vocês adotaram esses três pontos (os votos de castidade, pobreza e obediência) para copiar o cenobitismo tradicional ?” Temos de responder logo que tentamos sinceramente não nos deixar impressionar pela experiência do passado. Quisemos apagar tudo para experimentar tudo de novo. E, apesar disto, encontramo-nos um dia diante da evidência: não podíamos sustentar a nossa vocação sem nos comprometer totalmente na comunhão de bens, na aceitação de uma autoridade, no celibato” (“Naissance de communautés dans l’Église de la Reforme”, em “Verbum Caro” 1955, p. 20). ¹

Em 1951, foi pela primeira vez editada a “Regra de Taizé”, que estipulava as estruturas e os objetivos do novo mosteiro. Em 1952, os irmãos de Cluny começaram a fazer fundações em territórios de missão. Em novembro de 1958, Roger Schutz foi recebido em audiência pelo Papa João XXIII, e em fevereiro de 1962 pelo Patriarca Atenágoras. Em 1964, a comunidade já contava 65 irmãos.

Os primeiros vinte anos do mosteiro de Taizé foram difíceis, pois os monges, tidos como inovadores do Protestantismo, não eram compreendidos pelos seus irmãos na Reforma. Todavia a figura e a obra do Papa João XXIII, que mais de uma vez recebeu e encorajou o Ir. Roger Schutz, contribuíram notavelmente para que a nova comunidade superasse os primeiros obstáculos de sua existência e se implantasse definitivamente. Durante o Concílio do Vaticano II (1962-1965) os Irmãos Roger Schutz e Max Thurian foram convidados a comparecer às sessões respectivas como observadores.

Nos dias 5 e 6 de agosto de 1962, foi inaugurada em Taizé a Igreja da Reconciliação, símbolo das aspirações ecumênicas que alimentam a comunidade monástica local. A construção desse templo deve-se a jovens alemães, que a quiseram empreender em sinal de expiação e reconciliação. À entrada da Igreja, lêem-se em francês, alemão e inglês os seguintes dizeres:

“Vós que entrais aqui, reconciliai-vos:

o pai com seu filho,

o marido com sua esposa,

o que crê com aquele que não crê,

o cristão com seu irmão separado”.

É em vista de oferecer a todos os cristãos, e mesmo a todos os homens, uma ocasião de se aproximarem e unirem entre si que o mosteiro de Taizé existe primordialmente. É esta nota que o caracteriza no mundo inteiro.

Além disto, Taizé tem a vocação de servir aos homens também no plano material; os irmãos são úteis aos habitantes da região em que vivem, mantendo cooperativas agrícolas e pecuárias, dedicando-se à medicina e à saúde da população, trabalhando em olaria, pintura e confecção de vitrais. Em 1952 alguns monges foram enviados em missão entre os operários na região de Monceau-les-Mines; todavia esta experiência não durou muito. Dilataram seus horizontes até a América Latina: em 1962, organizaram uma coleta para atender às vítimas de um terremoto no Chile; em janeiro de 1963, o Ir. Roger Schutz lançou a “Operação Esperança” destinada a auxiliar as populações necessitadas do nosso continente; em conseqüência, no Brasil foi, entre outras coisas, distribuída gratuitamente uma edição do Novo Testamento.

Nos últimos dez anos, Taizé assumiu ainda outra faceta: tornou-se um ponto de convergência dos jovens. Estes vão ao mosteiro atraídos pela mensagem de esperança que daí decorre; muitos são protestantes, outros católicos e ainda outros são indefinidos e curiosos, à procura de uma resposta para as suas indagações. De 30 de agosto a 1º de setembro de 1974, teve início o chamado “Concílio de Jovens”, do qual falaremos adiante.

Importa-nos agora realçar as notas principais da espiritualidade de Taizé, que, de resto, vêm a ser, em grande parte, as da vida monástica ou religiosa sempre vivida na Igreja Católica.

2. Taizé : as grande linhas de pensamento

2.1. O ideal e suas etapas

O ideal dos irmãos de Taizé é o da vida monástica, ou seja, o da consagração total ao Senhor; é a procura comunitária do Único e Definitivo em meio às coisas transitórias deste mundo. Para tanto, os monges se nutrem da espiritualidade bíblica e procuram viver segundo a Regra monástica, que estipula três grande atitudes interiores e exteriores: pobreza, castidade e obediência. Está claro que a fé dos monges de Taizé é a protestante; os membros da comunidade se recrutam entre as diversas denominações do Protestantismo: luteranismo, presbiterianismo, anglicanismo, congregacionanalismo…

Por conseguinte, o candidato que deseje incorporar-se ao mosteiro de Taizé, submete-se, antes do mais, a um período de três anos de formação (equivalente ao noviciado das comunidades católicas). Terminado esse prazo, o novo irmão, caso seja aceito pela comunidade, é admitido aos votos monásticos; estes são emitidos geralmente no decorrer da liturgia da manhã de Páscoa, depois da renovação das promessas do Batismo. O candidato prostra-se então por terra, enquanto a comunidade canta a Sl 125. A seguir, o Prior dirige-lhe uma exortação; o candidato profere os seus votos; troca o ósculo da paz com os irmãos; estes, por fim, lhe impõem as mãos em sinal de comunhão e partilha dos mesmos bens espirituais. Eis o texto dos compromissos que o monge de Taizé assume ao professar:

“- Queres, por amor a Cristo, consagrar-te a Ele com todo o teu ser…?

– Queres dedicar-te ao serviço de Deus, na nossa comunidade, em comunhão com os teus irmãos…?

– Renunciando a toda propriedade, queres viver com os teus irmãos não só na comunidade de bens materiais, mas também na dos bens espirituais, esforçando-te por abrir o teu coração ? …

– A fim de estares mais disponível a servir aos teus irmãos e a fim de te dares sem partilha ao amor de Cristo, queres permanecer no celibato ?…

– Para que sejamos um só coração e uma só alma e para que a nossa unidade de serviço se realize plenamente, queres adotar as decisões tomadas em comunidade e expressas pelo Prior…?

– Vendo sempre o Cristo em teus irmãos, queres vigiar sobre eles nos dias bons e maus, na abundância e na pobreza, no sofrimento e na alegria…?”

Como se vê, os três votos de pobreza, castidade e obediência são enquadrados na moldura do amor a Cristo e do serviço a Deus e aos homens.

O Prior Irmão Roger Schutz explica o significado de cada um desses compromissos:

“Pela castidade desejamos ser homens de um só amor, de um só amor de Cristo,… homens de tal modo voltados para a esperança de Deus que desejam ter os braços abertos a todos e a tudo, ao universal, à catolicidade, ao ecumenismo… Aquele que se compromete na castidade do celibato, só a pode sustentar se vive na espera de Deus. Ser homem de um só amor é ser o homem que dá a sua vida, e por sua vida dá sinais do único amor de Deus que o anima”.

Sobre a obediência diz o Prior:

“Em Taizé chegamos à conclusão de que a autoridade tem por função suscitar a unidade, reunir aqueles que sempre tendem a se dispersar ou mesmo, por vezes, a se opor.

…O que se impôs à nossa evidência dia após dia, é que a tarefa pastoral de quem recebeu função de autoridade… é a de tender a suscitar a unanimidade, uma anima, uma só alma na comunidade”.

A respeito da pobreza, Ir. Roger Schutz faz as seguintes ponderações:

“Pobreza!  Eis uma palavra que esfola os lábios. Redigindo a Regra de Taizé, não ousei utilizá-la; preferi falar de compromisso com a comunhão de bens; esta pode levar à pobreza.

Hoje, se ouso falar de vocação para a pobreza, faço-o porque a solidariedade com o mundo dos pobres se impôs a nós. E, apesar disto, fica sempre um mal-estar, pois no nosso Ocidente teremos sempre o pão sobre a mesa.

O espírito de pobreza está nas antípodas da necessidade de segurança profundamente inscrita no nosso ser. Aquele que vive em espírito de pobreza, tem sua segurança em Deus; seu hoje é o de Deus. A pobreza em espírito fica sendo a atitude em que se realiza a nossa dependência em relação a Deus; no espírito de pobreza, sabemos que os dons pessoais inteligência, sensibilidade, ficam sendo muito relativos em relação ao dom por excelência (caridade)”.

As tendências da instituição monástica em Taizé voltam-se fortemente para a vida contemplativa ou a oração. O mosteiro dispõe de pequenas ermidas, nas quais os monges se podem retirar ou por alguns dias ou para passar a noite em oração. A prece e a solidão são atitudes cristãs que alimentam a grande expectativa do Definitivo, o qual porá fim ao provisório, ou ainda… a expectativa do Senhor como Juiz e Consumador da história.

Passemos a uma segunda nota de espiritualidade de Taizé.

2.2. Ecumenismo e Reconciliação

O mosteiro de Taizé foi fundado sob o signo da procura da unidade entre os cristãos separados e, mais amplamente,… entre todos os homens divididos por rixas ou por preconceitos de raça, classe, religião… Essa tendência à unidade em Taizé foi notavelmente reforçada sob o pontificado do Papa João XXIII, que, da parte católica, exprimiu, com eloqüência singular, o apelo ao ecumenismo. Conservando-se protestantes, os irmãos de Taizé aspiram à unidade dos cristãos entre si “como e quando o Senhor a quiser”.

Em vista de tão nobre fim, dedicam-se principalmente à oração. O Ofício litúrgico no mosteiro é celebrado três vezes por dia no coro: de manhã, ao meio-dia e à tarde; em certas datas, celebra-se também o Ofício de Vigílias, que é noturno. A Liturgia das Horas consta de textos bíblicos (salmos, leituras do Antigo e do Novo Testamento), cantos e preces, cujos dizeres fazem ressoar a espiritualidade cristã comum a católicos, protestantes e ortodoxos. Dessa oração participam numerosos visitantes e peregrinos, que não são curiosos, mas cristãos que desejam pedir em prol da unidade cristã, procurar  alguma forma de reconciliação e iniciar um diálogo fraterno. Milhares de pessoas, em grupos ou a sós, casais e solteiros, vão anualmente fazer um retiro espiritual em Taizé sob  a direção de um monge do mosteiro ou de um sacerdote católico. Para ajudar a comunidade nas tarefas materiais da hospedagem, Religiosas católicas e diaconisas protestantes têm prestado sua colaboração. A Igreja da reconciliação foi traçada em vista de grande cerimônias religiosas e dos Ofícios da comunidade. Tem uma cripta (capela subterrânea) destinada ao culto católico. O arquiteto e o pintor dos vitrais são irmãos de Taizé.

Eis como o Prior Ir. Roger Schutz manifesta seu pensamento a respeito da reconciliação:

“Fomos tomados de improviso. Não pensávamos, em absoluto, que o silêncio do nosso retiro se transformasse naquilo que Taizé é hoje: lugar em que as pessoas vêm orar em prol da reconciliação.

A todos aqueles que vêm ter aqui, desejamos dizer e redizer incessantemente o que está inscrito no frontispício da Igreja: que o pai se reconcilie com o filho, o marido com a esposa, o crente com aquele que não pode crer, o irmão de uma confissão com o irmão separado.

De certo modo, a oração da nossa comunidade, em meio a esses peregrinos, consiste em dizer com eles: “Olha-nos, Senhor; vê o que somos hoje: divididos, separados pela história, incapazes de realizar a unidade”. E eles que, na verdade, homens e mulheres vêm rezar aqui, pedindo a reconciliação de uma esposa com seu esposo, de um irmão com o seu irmão. E todas estas intenções de oração estão inscritas preto sobre branco e nos são confiadas. Levamo-las em nossa própria oração, certos de que o ecumenismo é a reconciliação. O ecumenismo começa sempre por essa reconciliação do homem com Deus e, depois, do homem com o homem, na família, profissão, na sociedade. É somente a partir dessas formas de reconciliação mais próximas que se pode caminhar em demanda da grande reconciliação universal de todos nós na Igreja una”.

Como dito atrás, as aspirações ecumênicas dos monges de Taizé não foram devidamente entendidas nos seus primeiros vinte anos de existência, principalmente por parte de denominações protestantes. Atualmente, porém, o mosteiro é ponto de convergência e objeto de profunda estima para numerosas comunidades eclesiais protestantes, bispos luteranos e pastores de outras confissões cristãs dos países escandinavos, germânicos, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Verificou-se evidente mudança de mentalidade, que é certamente um dos frutos obtidos pela oração e o esforço dos monges de Taizé. Quanto aos fiéis católicos, costumam olhar com simpatia o movimento de Taizé, ao qual os Sumos Pontífices João XXIII e Paulo VI têm dado vivo apoio: é entrando em diálogo e procurando a aproximação que os cristãos derrubarão as barreiras humanas que os separam. A maneira como a unidade dos discípulos de Cristo se dará, não é objeto de discussão em Taizé, pois isto foge à alçada do programa dos monges e de seus visitantes; católicos e protestantes talvez encarem de maneiras diferentes essa questão. Como quer que seja, é somente o Espírito de Deus, com a sua graça, que pode restaurar a unidade dos irmãos separados, iluminando as inteligências e movendo os corações. E o Espírito há de ser invocado pela oração assídua: “Se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!” (Lc 11, 13).

A espiritualidade de Taizé, baseada, antes do mais, sobre a oração, se alimenta e exprime também pelo trabalho.

2.3. Trabalho

A comunidade de Taizé dedica-se intensamente ao trabalho, não só porque este é um fator de ascese e disciplina na vida dos monges, mas também porque, sendo pobres, os irmãos necessitam de exercer um ganha-pão. O dinheiro que eles assim adquirem não beneficia apenas a comunidade, mas também os semelhantes necessitados que os irmãos possam atingir.

As atividades dos monges são variadas.

Há os que se entregam à confecção de obras de arte: pintura, vitrais, cerâmica (certos artefatos de cerâmica de Taizé, por exemplo, têm sido levados a exposições internacionais, inclusive no Japão). Outros se dedicam à arte gráfica, atendendo ao setor de edições do mosteiro. Também o trabalho intelectual estudo, redação e publicação de livros interessa aos irmãos: alguns se aprofundam na teologia, principalmente na teologia ecumênica; outros pesquisam no setor da sociologia, considerando com olhar cristão as questões e conclusões da mesma.

A hospedagem de visitantes e peregrinos solicita outrossim o trabalho dos irmãos. Já que este setor é, por vezes, absorvente, bom número de amigos da comunidade colabora com os monges na recepção dos que batem à porta do mosteiro; estes são convidados à oração comunitária e, se possível, à participação da mesa fraterna. Ainda para receber os peregrinos em Taizé, há geralmente sacerdotes católicos e ortodoxos.

Dada a irradiação que o mosteiro vem tendo, foi necessário que os irmãos construíssem novas e novas dependências em torno do núcleo central. Não raro a mão-de-obra tem sido gratuita; alguns irmãos tomam parte da mesma.

A finalidade ecumênica do mosteiro faz também que os monges se desloquem freqüentemente, não raro em pequenos grupos de dois ou três e por um tempo mais ou menos longo Vão a países da Europa (Holanda, Alemanha, Escandinávia e Inglaterra), como também os Estados Unidos e à América Latina. Fundam pequenas Fraternidades em tais regiões, no intuito de propiciar reconciliação e renovação de vida entre os homens. No Brasil, os irmãos de Taize constituíram uma pequena Fraternidade junto ao mosteiro beneditino de Olinda (PE), mantendo boas relações com os monges de São bento e a população local. Passaram posteriormente para Vitória (ES), onde continuam até hoje, sem intenções proselitistas.

Não poderíamos terminar estas apreciações sem referir algo de mais explícito a respeito do movimento de jovens em Taizé.

3. Taizé e os jovens

3.1. O afluxo

A mensagem de reconciliação e otimismo proclamada pelos monges de Taizé tem encontrado eco particularmente significativo entre os jovens das diversas partes do mundo. Desde 1965 registra-se um afluxo crescente da juventude ao mosteiro de Taizé, principalmente por ocasião das férias de verão e de Páscoa. Em 1974, 19.000 jovens se encontravam em Taizé por ocasião da Páscoa.

Os observadores têm procurado indicar as causas precisas de tal afluxo: por que  vão os jovens a Taizé com tanto interesse ?

Há quem responda que eles assim procedem porque gostam de viajar… e viajar como aventureiros. Poder-se-iam lembrar as aglomerações de jovens em Woodstock (ilha de Wight). Tal tendência a viajar exprimiria o desejo que os jovens têm, de fugir do mundo dos adultos ou da sociedade de consumo; seria, em outros termos, uma expressão de contestação. Ora inegavelmente Taizé é uma espécie de desafio ou contestação à sociedade de consumo. Lá não existe luxo; os visitantes não raro dormem sobre palha e comem precariamente.

Pode-se crer que essa mentalidade dos jovens explique, até certo ponto, o afluxo dos mesmos a Taizé. É o  que se deduz, por exemplo, das palavras de Annick, peregrino em Taizé:

“A primeira vez que alguém vai a Taizé, creio que seja por curiosidade. Amigos, vizinhos voltam de lá entusiasmados, animados por nova força de vida e, não obstante, procuram não divulgar o que lá acontece”.

Parece, pois, que a curiosidade e o desejo de estar na moda (de receber a cruz e a pedra azul de Taizé) explicam a primeira visita de muita gente ao mosteiro. Mas o fato de  lá voltarem repetidamente já requer outra explicação. Esta parece consistir em algumas notas características de Taizé, que os jovens vão descobrindo aos poucos:

– a partilha.  O ambiente de Taizé é estritamente comunitário, mesmo para os visitantes. Cada qual destes é incorporado a um grupo, onde há intercâmbio de idéias e valores humanos e cristãos; ora a descoberta desta realidade atrai;

–  a oração.  O ambiente de Taizé é fortemente marcado pelo espírito e a prática da oração. Os Ofícios litúrgicos convidam regularmente a esta; além disto, a calma e a beleza do lugar, o silêncio de certos recantos têm o mesmo efeito. É o que atesta Virgínia, visitante à qual muitos companheiros fariam eco:

“Aqui encontrei de novo o sentido da oração e da contemplação”.

Um jovem belga, movido primeiramente pela curiosidade, assim se exprimiu:

“Havia sete anos que eu não entrava numa Igreja. Que silêncio ! Fiquei surpreso por não ver cadeiras. Quase tive vontade de puxar um cigarro… e rezar”;

–  engajamento ou compromisso. Em Taizé os jovens se conscientizam da missão que lhes cabe nesta fase da história e dispõem-se a agir.

Em conclusão, pode-se dizer que é a descoberta destes valores que, em última análise, prende os jovens a Taizé, de modo a explicar a crescente procura do mosteiro por parte da juventude.

3.2. O Concílio dos jovens

Vendo o interesse da mocidade por Taizé, o Prior do mosteiro, Ir. Roger Schutz, organizou em setembro de 1966 o primeiro Encontro Internacional dos mesmos. Nos anos seguintes, outros Encontros se realizaram, tendo sempre um tema próprio: “Viver”, “Crer”, “Um desafio: esperar”. Diante do êxito obtido e por influência de Margarida Moyano, Secretária-Geral da Juventude Católica Latino-Americana, o Prior Ir. Roger Schutz resolveu lançar a idéia de um “Concílio de Jovens”. Na Páscoa de 1970, uma equipe internacional de jovens anunciou a “Alegre Notícia” … Todavia, antes da concretização da idéia, foi necessário proceder a uma série de preparativos: em diversas partes do mundo criaram-se grupos ou células destinados a refletir sobre a maneira de levar a termo a idéia com o máximo de êxito.

Finalmente na Páscoa de 1972 foi anunciada a data de realização do Concílio: agosto – setembro de 1974.

Com efeito, de 30 de agosto a 1º de setembro de 1974 uma multidão de 30.000 a 35.000 jovens, provenientes de 120 países, participou do grande Encontro. Este, porém, seria (e foi) apenas a primeira sessão do Concílio, que se protrairá por diversas sessões no decorrer de alguns anos, tomando sedes sucessivas nos vários continentes do globo. Os congressistas acamparam em tendas no vale próximo à colina de Taizé; nesse vale e na colina foram constituídos cinco centros de distribuição de refeições; vendiam-se também, em diversos lugares, alimentos, bebidas e utilidades a baixo preço. Os participantes do Congresso pagaram a sua diária, dentro dos moldes do seu possível; em geral, o Congresso e os congressistas procuraram autofinanciar-se, renunciando a doações. Muitos jovens fizeram horas “extra” de trabalho a fim de poder ganhar a sua subsistência no Congresso.

Os debates do certame levaram fortemente em considerações a situação angustiada de numerosos grupos e populações do globo; os representantes do terceiro Mundo relataram as condições de vida dos respectivos países, despertando assim os demais congressistas para o desafio da época aos cristãos e aos homens de boa vontade. O S. Padre Paulo VI, o Patriarca Dimitrios de Constantinopla (Istambul) e o Pastor Philip Potter, do Conselho Mundial das Igrejas, enviaram sua mensagem aos jovens reunidos, comunicando-lhes a orientação da fé neste momento, em que as posições extremistas exercem forte sedução.

Em conclusão, não se pode deixar de registrar a ação do Espírito Santo na comunidade de Taizé. Esta é realmente um sinal de reconciliação tanto para os cristãos como para todos os homens que desejem viver mais freqüentemente esta fase da história.

***

¹  Aliás, não é este o único testemunho de irmãos protestantes contemporâneos em favor dos votos religiosos. Sim; uma diaconisa protestante na África declarou:

“Quando uma jovem toma consciência desse convite de Deus a uma consagração total, deve fazer frente a três exigências muito precisas: a castidade, a pobreza e a obediência” (citada por Esnault, “Luther et lê monachisme acutel” p. 11, n. 1).

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Autor: Estevão Bettencourt, Osb
Nº 195, Ano 1976, p. 113

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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