O caso do matrimônio recusado a Edir Antônio de Brito e Elzimar de Lourdes Serafim, em Patos de Minas, suscitou grande alarde, em parte devido à incompreensão dos termos em foco.
O motivo da recusa não foi discriminação de deficiente físico, mas foi a impotência, (…) impotência de realizar a cópula sexual; tal situação pode ocorrer também a não deficientes físicos. Se é mister distinguir entre impotência e deficiência física, também é necessário não confundir impotência e esterilidade. A esterilidade supõe a possibilidade de cópula sexual; esta, porém, no caso, não tem fruto ou é infecunda.
Impotência é impedimento para o casamento, visto que fere o próprio conceito de matrimônio. Este é uma instituição natural. Com efeito; a natureza fez o homem e a mulher para que se complementem mutuamente tanto no plano psicológico como no físico; o casamento é precisamente o contrato pelo qual um homem e uma mulher resolvem unir-se em vista de plena complementação mútua, que pode resultar em fruto do amor ou prole (caso a natureza o propicie). Se não há possibilidade de cópula carnal, não se realiza o conceito de casamento. Não obstante, pode haver, sem casamento, convivência amiga sob o mesmo te to e apoio recíproco de um homem e uma mulher. – Com isto não queremos dizer que casamento se reduz ao consórcio sexual; é certo que ele tem muitas outras belas facetas, que valem como tais, mas essas facetas tendem, por si mesmas, a se consumar na união carnal.
Estas noções de ordem filosófica são corroboradas pelos textos bíblicos. Logo em sua primeira página a Escritura nos diz que Deus fez o homem e a mulher e os abençoou, dando-lhes a ordem: “Sede fecundos e prolíficos, enchei aterra e dominai-a” (Gn 1,28). Ao que o Senhor Jesus acrescenta, fazendo eco a Gn 2,24: “Serão dois numa só carne” (Mt 19,5).
A impotência (incapacidade de realizar a cópula carnal) sempre foi considerada impedimento para o matrimônio,até mesmo em legislações civis. O código de leis Canônico a sanciona em seu cânon 1084 § 1: A impotência coeundi antecedente e perpétua, absoluta ou relativa, por parte do homem ou da mulher, dirime o matrimônio por sua própria natureza”. Isto quer dizer que só SC trata da impotência anterior ao casamento se ela sobrevém a um dos conjugues, não anula o casamento validamente contraído trata-se também de impotência incurável – o que , aliàs, é o caso de Edir Antônio, que, como diz a imprensa, nem tem o órgão sexual masculino e, nem mesmo com a prótese, não é capaz de ejacular.
Estes dados bem mostram que, da parte da Igreja, não há preconceito contra os deficientes. Ao contrário, toda a história do Cristianismo manifesta grande número de instituições da lgreja em favor dos enfermos e carentes em geral.
Tem-se argumentado contra a decisão do Sr Bispo de Patos (MG). Lembrando que a Igreja faz o casamento de anciãos, às vezes septuagenários. Não há ai motivo de surpresa: mesmo que sejam estéreis, são potentes: especialmente a potência sexual masculina é duradoura. Mais uma vez se vê quanto importa distinguir entre impotência e esterilidade.
Há também quem apele para o casamento entre Maria SS. E S. José. Foi um casamento sin-gular: Sem dúvida, é irrepetível, pois Maria era chamada a ser a Mãe do Filho de Deus feito homem. Todavia notemos: não está dito que os cônjuges eram impotentes no caso.
Quanto a chamar o presidente da CNBB à Câmara dos Deputados para fornecer aplicações, pode-se admitir que o Cardeal Moreira Netas se preste a tal. Todavia é de notar que a Igreja no Brasil é livre; impedindo o casamento religioso, ela não está impedindo o matrimônio civil de Edir António e Elzimar Lourdes, caso o Estado o queira conceder. Como instituição particular, a Igreja tem o direito de possuir sua legislação própria atinente a assuntos direta ou indiretamente religiosos.
É de crer que, apaziguadas as primeiras emoções, possam todos compreender que o caso de Edir e Elzimar não feriu a justiça nem a caridade. A Igreja tem estima por esses dois filhos que poderão livremente realizar seu ideal de apoio mútuo não conjugal.
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº – Ano 1996 – p. 335