Igreja Una e Santa

Falando da Igreja o Concílio nos ensina que:
“Esta é a ÚNICA Igreja de Cristo que no símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica” (LG, 8).
Esses atributos indicam os traços essenciais, característicos, da Igreja
e da sua missão, e foi Cristo que assim o quis para ela. Sem essas
quatro condições não existe a igreja de Cristo, pois foram dadas por Ele
mesmo. São essas características da Igreja que garantem a sua
credibilidade de dois mil anos, e a certeza de sua missão divina.
A unidade e unicidade da Igreja vem da própria unidade da Trindade
Santa. O único povo de Deus no Antigo Testamento (Israel), se prolonga
no único povo de Deus no Novo Testamento (a Igreja). Cristo tem um só
Corpo e uma só Esposa, daí vem a exigência monogâmica do matrimônio
cristão, que é espelho da união de Cristo com a sua única Esposa.
“Deste mistério, o modelo Supremo e o princípio é a unidade de um só
Deus na Trindade de Pessoas, Pai e Filho no Espírito Santo” (UR ,2).
Jesus, com a sua cruz, reconciliou os homens todos com Deus,
restabelecendo a união de todos com o Pai em uma só “família de Deus”(Ef
2,20). É o Espírito Santo que realiza essa unidade, habitando em cada
batizado, os une intimamente a Cristo num só Corpo, formando um só Povo.

São Clemente de Alexandria (+215) expressou bem esse mistério dizendo:
“Que estupendo mistério! Há um único Pai do universo, um único Logos do
universo e também um único Espírito Santo, idêntico em todo lugar; há
também uma única virgem que se tornou mãe, e me agrada chamá-la Igreja”
(CIC nº 813).
São Paulo também expressa de muitas maneiras a unidade da Igreja. Aos coríntios ele afirma:
“Por isso, se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; ou se
um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1Cor
12,26).
Na Igreja portanto, não há lugar para ciúmes, competições e rivalidades, pois formamos um só Corpo de Cristo.
“Ora vós sois o Corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros” (1 Cor 12,27).

Aos gálatas o Apóstolo afirma a mesma unidade, que deve vencer todas as divisões humanas, que são as piores chagas na Igreja:
“Todos vós, com efeito, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de
Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo , não há homem nem
mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,27-28).
De modo muito especial é pelo Batismo e pela Eucaristia que Cristo nos
faz unidos a Ele. Pelo Batismo participamos verdadeiramente de Sua morte
e Ressurreição, de uma forma misteriosa mas real (cf Rom 6,3s); e pela
Eucaristia o Senhor nos faz participar realmente do Seu Corpo. Por ela
nos tornamos consanguíneos e concorpóreos com Jesus. Aí então somos,
pelo Espírito Santo, levados à comunhão íntima com Cristo e com todos os
irmãos, formando um só Corpo.
A diversidade de membros do Corpo místico não destrói a sua unidade. É a “unidade na diversidade”, como ensina São Paulo:
“Mas um e o mesmo Espírito distribui todos estes dons, repartindo a cada
um como lhe apraz. Porque, como o corpo é um tendo muitos membros, e
todos os membros do corpo, embora muitos formam um só corpo, assim
também é Cristo. Em um só Espírito fomos todos batizados para formar, um
só corpo…” (1Cor 12,11-12).

São Paulo insiste neste ponto também aos romanos:
“Pois, como em um só corpo temos muitos membros e cada um dos nossos
membros tem diferente função, assim nós, embora sejamos muitos membros,
formamos um só corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro”
(Rom 12,4″5).
Essa maravilha de Deus para a Igreja, isto é, a “unidade na
diversidade”, tem, entre outras vantagens, a de alimentar a caridade
recíproca entre os membros do mesmo corpo. Cada um na Igreja recebe de
Deus um dom próprio que o capacita ao serviço aos irmãos e à Igreja, de
modo que ninguém se torne auto-suficiente e possa achar que tem
condições de fazer tudo sozinho, sem precisar da ajuda dos outros. Deus
fez a Igreja como uma Comunidade, uma família, onde cada um serve e é
servido pelos outros. É o que São Paulo ensina quando diz que “cada um
de nós é membro um do outro” (Rm 12,5).
Sem essa colaboração mútua, que faz a caridade ser exercitada e crescer,
nenhuma comunidade é forte, viva e edificante. É no somatório das
riquezas que Deus deu a cada um, que a Igreja se torna rica e salvífica
para o mundo.

É nesse sentido que o Apóstolo diz aos coríntios:
“Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo
ouvido, onde estaria o olfato? O olho não pode dizer à mão: “Eu não
preciso de ti”; nem a cabeça aos pés: “Não necessito de vós” (1Cor 12,
17-21).
É relevante perceber que o Apóstolo afirma que “os membros tenham o mesmo cuidado uns para com os outros” (v.25).
Ninguém na Igreja pode querer fazer algo sozinho, de maneira
auto”suficiente e presunçosa; seria a própria negação da natureza que
Deus quis para a Igreja. Quando dependemos uns dos outros para fazer a
evangelização acontecer, então somos, de fato, Igreja. Essa dependência
mútua, muitas vezes difícil de ser vivida por causa dos defeitos de cada
um, exercita a humildade de cada um dos membros.
O Apóstolo pede aos romanos:
“Adiantai-vos a honrar uns aos outros” (Rm 12,10).
“Recomendo a todos e a cada um: não façam de si próprios uma opinião maior do que convém” (Rm 12,3).
“Que vossa caridade não seja fingida” (v.9).
Nada pior para um membro do Corpo de Cristo do que a presunção; isto é,
achar-se melhor do que os outros; ou, pior ainda, “indispensável” para a
comunidade e o serviço da Igreja.
Nada é mais importante para a Igreja do que a sua unidade. O Senhor,
antes de sofrer a Paixão, na sua Oração sacerdotal, rogou ao Pai com
toda ênfase:
“Pai santo, guarda-os em teu nome (…), a fim de que sejam um como nós” (Jo 17,11).
“Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti,
para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste”
(v.21).
É importantíssimo notar o que Jesus diz nesta oração. Se não houver
unidade entre os que anunciam o seu nome, o mundo não poderá crer que
Ele é o enviado do Pai para salvar os homens. Unidade e conversão dos
fiéis estão intimamente relacionadas por Jesus. Por isso, como diz o
Papa João Paulo II, a quebra da unidade é o maior escândalo hoje para o
cristianismo.
“Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um:
eu neles, e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo
reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (v. 22-23).
Não podemos nos esquecer jamais dessa palavra do Senhor: “para que sejam perfeitos na unidade”.
Tudo estará perdido na Igreja se a unidade não for guardada com todo
carinho. Mas ela é o fruto doce de uma comunidade humilde, simples,
serviçal, onde cada um morreu para si mesmo, sem que ninguém queira
aparecer, se exibir, e todos saibam perdoar e compreender os mais
fracos.

São Paulo recomenda aos efésios “conservar a unidade do espírito no vínculo da paz” (Ef 4,3).
Esse vínculo da paz é a caridade que é “o vínculo da perfeição” (Cl 3,14).
Essa era a grande preocupação do Apóstolo. Aos efésios ele pede:
“Exorto-vos, pois “que leveis uma vida digna da vocação a qual fostes
chamados, com toda a humildade e amabilidade, com grandeza de alma,
suportando”vos mutuamente na caridade. Sede solícitos em conservar a
unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,1-3).
O Apóstolo é realista; ele sabe que não é fácil a vida em comunidade,
onde os defeitos de cada um geram problemas e divisões. Em nome da
“unidade do Espírito”, ele suplica que os fiéis “suportem-se
mutuamente”.

Aos filipenses ele pede também:
“Tornais então completa a minha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos
no mesmo amor; vivei em harmonia, procurando a unidade. Nada façais por
competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é
mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é
do outro” (Fil 2,1-4).
Essas palavras do Apóstolo mostram bem o que fere a unidade: competições e vangloria; e dá o remédio: humildade.

Aos coríntios São Paulo pede:
“Eu vos exorto, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo; guardai a
concórdia uns com os outros, de sorte que não haja divisões entre vós,
sede, estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar”
(1Cor 1,10).

Aos romanos ele insiste:
“O Deus da perseverança e da consolação vos conceda terdes os mesmos
sentimentos uns para com os outros, a exemplo de Cristo Jesus, a fim de
que, com um só coração e uma só voz, glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso
Senhor Jesus Cristo” (Rom 15,5).
Como poderemos glorificar a Deus num só coração e numa só voz se as nossas almas estiverem divididas?
As feridas da unidade da Igreja sempre foram e sempre serão as mais
dolorosas e prejudiciais para a sua vida. Muitas separações e cismas
aconteceram por causa dos pecados dos homens, como dizia Orígenes
(184-254):
“Onde estão os pecados, aí está a multiplicidade, aí o cisma, aí as
heresias, aí as controvérsias. Onde, porém, a virtude, aí a unidade, aí a
comunhão, em força da qual os crentes eram um só coração e uma só alma
(At 4,32)” (CIC nº 817).
Talvez ninguém melhor do que São Cipriano (+258), bispo de Cartago,
tenha escrito sobre a importância da unidade da Igreja. Nos seus
escritos ele mostra como o demônio age para dividir a Igreja. Ouçamos o
que ele ensina:
“O inimigo, desmascarado e derrotado pela vinda de Cristo (…), trama
nova emboscada para iludir os incautos, sob o rótulo do próprio nome de
cristãos. Inventa heresias e cismas para subverter a fé, corromper a
verdade e quebrar a unidade (…). Rouba homens da própria Igreja e os
imerge, inconscientes, em outras trevas, deixando”os pensar que se
aproximam da luz e escapam à noite do século. Continuam a se dizerem
cristãos sem guardarem a boa nova de Cristo, os seus preceitos e as suas
leis! Julgam ter luz e caminham nas trevas! O inimigo sedutor e
mentiroso que, nas palavras do apóstolo, se transforma em anjo de luz,
apresentando seus ministros como ministros da justiça, anunciando a
noite como o dia, a perdição como salvação (…), o Anticristo sob o
nome de Cristo, lhes escurece e frustra a verdade pela sutileza,
propondo como verdadeiras coisas ilusórias. Isto se dá, caríssimos
irmãos, porque não mais se volta à origem da verdade, não se vai mais à
sua fonte, nem se guarda a doutrina do magistério celeste” ( Sobre a
Unidade da Igreja).

E o grande bispo de Cartago pergunta, desde o terceiro século:
“Julga conservar a fé, quem não conserva esta unidade recomendada por
Paulo? (Ef 4,4″6). Confia estar na Igreja, quem abandona a cátedra de
Pedro sobre a qual está fundada a Igreja?
E continua a discorrer sobre a importância capital da unidade da Igreja.
Vale a pena ler com atenção os seus escritos de mais de 17 séculos:
“Principalmente nós, que presidimos a Igreja como bispos, devemos manter
e defender firmemente esta unidade, dando provas da união e
indivisibilidade do episcopado (…). O episcopado é único e dele possui
por inteiro cada bispo a sua porção. A Igreja é uma só, embora abranja
uma multidão pelo contínuo aumento de sua fecundidade. Assim como há uma
luz nos muitos raios do sol, uma árvore em muitos ramos, um só tronco
fundamentado em raízes tenazes, muitos rios de uma única fonte, assim
também esta multidão guarda a unidade de origem, se bem que pareça
dividida por causa da inumerável profusão dos que nascem. A unidade da
luz não comporta que se separe um raio do centro solar; um ramo quebrado
da árvore não cresce, cortado da fonte o rio seca imediatamente. Do
mesmo modo a Igreja do Senhor, como luz derramada estende os seus raios
em todo o mundo, e é uma única luz que se difunde sem perder a própria
unidade. Ela desdobra os ramos por toda a terra, com grande fecundidade;
estende”se ao longo dos rios, com toda liberalidade, e no entanto é uma
na cabeça, uma pela origem, uma só mãe imensamente fecunda. Nascemos
todos de seu ventre, somos nutridos com seu leite e animados por seu
espírito.”
A esposa de Cristo não pode ser adulterada, ela é incorrupta e pura, não
conhece mais que uma só casa, guarda com casto pudor a santidade do
único tálamo. Ela nos conserva para Deus, entrega ao Reino os filhos que
gerou. Quem se aparta da Igreja e se junta a uma adúltera, separa”se
das promessas da Igreja. Quem deixa a Igreja de Cristo não alcançará os
prêmios de Cristo. É um estranho, um profano, um inimigo. Não pode ter
Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Se alguém se pôde salvar dos
que ficaram fora da arca de Noé, também se salvará os que estiverem
fora da Igreja. O Senhor nos admoesta e diz: “Quem não está comigo está
contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa”( Mt 12,30). Torna”se
adversário de Cristo quem rompe a paz e a concórdia de Cristo; aquele
que noutra parte recolhe, fora da Igreja, dispersa a Igreja de Cristo.”
A Igreja católica olha com respeito os cristãos que estão fora dos seus
limites. O Catecismo nos ensina algo muito importante sobre isso:
“Os que hoje em dia nascem em comunidades que surgiram de tais rupturas e
estão imbuídos da fé em Cristo não podem ser arguidos de pecado de
separação, e a Igreja católica os abraça com fraterna reverência e amor
(…) Justificados pela fé recebida no Batismo, estão incorporados em
Cristo, e por isso com razão são chamados com o nome de cristãos, e
merecidamente reconhecidos pelos filhos da igreja católica como irmãos
no Senhor” (UR,3), (CIC nº 818).

A Igreja também reconhece que:
“Muitos elementos de santificação e de verdade existem fora dos limites
visíveis da Igreja Católica”: a palavra escrita de Deus, a vida da
graça, a fé, a esperança e a caridade e outros dons do Espírito Santo”
(UR, 3).

O Catecismo ainda afirma que:
“O Espírito Santo de Cristo serve-se dessas igrejas e comunidades
eclesiais como meios de salvação cuja força vem da plenitude da graça e
da verdade que Cristo confiou à Igreja Católica. Todos esses bens provêm
de Cristo e levam a Ele e impelem à “unidade católica” (LG, 8).
Essas palavras não querem de forma alguma dizer que podemos aceitar essa
triste realidade dos irmãos separados da fé católica, “como se tudo
estivesse bem”. Não. O verdadeiro ecumenismo nunca será uma forçada
justaposição de muitas igrejas, mas o reconhecimento de que só há uma
Igreja fundada por Jesus e que contém com garantia todo o “depósito da
fé” e “a plenitude dos meios da salvação”.
Infelizmente ocorreram rupturas na unidade da Igreja. São os cismas; a
quebra da comunhão com o Papa, sem que haja necessariamente uma heresia.
É a divisão do Corpo místico; é como que o rasgar a túnica inconsútil
(sem costura) de Cristo. Aquele manto que os soldados sortearam (Mt
27,35), sem rasgá-lo, sempre foi visto pela Igreja como um símbolo forte
da unidade querida por Cristo para ela.
“Repartiram entre si minhas vestes e sobre Meu manto lançaram a sorte” (Sl 21,19).

Essa túnica de Cristo foi rasgada
várias vezes na história da Igreja, e esses foram os momentos de maior
sofrimento para ela. No entanto, consola-nos as palavras de Santo
Hilário de Poitiers (+367):
“Foi sempre privilégio da Igreja vencer quando é ferida, progredir quando é abandonada, crescer em ciência quando é atacada”.
Foi exatamente nos tempos de lutas contra as piores heresias, surgidas
dentro da própria Igreja, que ela desenvolveu a solidez de sua doutrina
tal qual a temos hoje e professamos no Credo.
Cristo e os Apóstolos já tinham alertado os discípulos para o perigo dos
falsos doutores e falsos profetas. No Sermão da Montanha, Jesus avisou
desde cedo:
“Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores”(Mt 7,15).

Ao se despedir dos anciãos e bispos de Éfeso, São Paulo recomendava:
“Cuidai de vós mesmos e do rebanho que o Espírito Santo vos constituiu
bispos, para pastorear a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o seu
próprio sangue. Sei que depois da minha partida se introduzirão entre
vós lobos cruéis, que não pouparão o rebanho. Mesmo dentre vós surgirão
homens que hão de proferir doutrinas perversas, com o intento de
arrebatarem após si os discípulos. Vigiai (…)” ( At 20,28).
Note que São Paulo diz que é de dentro do próprio rebanho que surgirão os lobos.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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