Iêmen: Cresce a revolta contra o casamento infantil

images“Uma menina-esposa de 8 anos morre por hemorragia”

O site de notícias Zenit.org publicou uma notícia nesta quarta-feira (11/09/13) relatando a triste realidade vivida pelas meninas no Iêmen, que bem jovens,  muitas ainda crianças, são vendidas por suas famílias, ou entregues a seus maridos, ao menos para que as famílias tenham “uma boca a menos” para alimentar.

A notícia traz relatos como o testemunho de Nada al- Ahdal , uma menina de onze anos que fugiu do casamento imposto pela família, e deu a volta ao mundo. O vídeo postado no mês de Julho passado no YouTube(http://www.youtube.com/watch?v=-J7_TKgw1To )foi traduzido para o Inglês, foi analisado e alguns até questionaram a autenticidade:

“Eu quero ir morar com meu tio. O que aconteceu com a inocência da infância? O que as crianças fizeram de errado? Por que têm que casar dessa forma? Eu consegui resolver o meu problema, mas outras garotas inocentes não conseguem, poderiam morrer, suicidar-se ou fazer outra coisa. São só crianças. O que elas sabem? Não têm tempo para estudar ou para fazer qualquer outra coisa. Não é culpa nossa. Eu não sou a única. Pode acontecer a qualquer um. Há muitos casos como o meu. [ … ] Mataram os nossos sonhos. Mataram tudo o que tínhamos dentro. Não há mais nada . Isso não é crescer. Isso é um crime, um crime ” .

O fato é que tanto faz se é uma denúncia “construída” ou se se trata de uma tragédia real, isso não altera a substância do vídeo. É do 6 de setembro passado a notícia da enésima vítima inocente: Rawan, garota yemenita de oito anos, morreu durante a assim chamada “noite da penetração”, em outras palavras a primeira noite de núpcias. O marido de 40 anos de idade a teria levado a um hotel do vilarejo de Hardh e a teria penetrado provocando-lhe uma hemorragia letal.

Vale a pena ler a notícia na íntegra:

Salvar as meninas-esposas

“[…]Um relatório da Human Rights Watch de dezembro de 2011 diz que na terra da rainha de Sabá, 14% das meninas são dadas em casamento antes dos 15 anos, enquanto que o 52 % antes dos 18. A maioria das meninas são casadas com homens adultos, enquanto uma porcentagem menor é casada com coetâneos, obrigadas também ao contrato nupcial .

A notícia ainda afirma que as razões que levam à tragédia das esposas-crianças, não somente no Yemen, são principalmente as seguintes: a pobreza, ou seja, famílias que vendem as suas filhas por motivos econômicos, tais como o balanço de uma dívida ou simplesmente para ter uma boca a menos para alimentar; a “proteção” da sexualidade feminina porque protegeria a mulher, mas principalmente a família dela, de eventuais desonras caso ela não chegasse virgem ao matrimônio; a discriminação de gênero em culturas e tradições que desprezam tanto a mulher que justificam todo tipo de violência; finalmente, leis inadequadas ou também inexistentes, ou que não são aplicadas.

Estes fundamentos se aplicam in toto no caso do Iêmen , onde encontramos as tradições ancestrais protegidas por uma legislação insuficiente e às vezes por responsáveis religiosos islâmicos que confirmam a sua validade.

A sociedade iemenita, mas, acima de tudo os movimentos para a proteção das mulheres, recentemente deu mostras de reações a uma tragédia já cotidiana. No passado dia 20 de agosto foi lançada uma Campanha nacional para salvar Warda .

A alma deste ato corajoso e árduo é a jovem ativista Hend Nasiri de 21 anos. O principal objetivo é fazer pressão em vários níveis e chegar a obter a reforma do Código do Estatuto Pessoal para que se coloque a idade mínima para o casamento de uma mulher: 18 anos.

Uma leitura do Código revela de fato que não se menciona nenhuma idade aos noivos. Somente o artigo 26 citam os impedimentos do matrimônio para o esposo que não pode assinar o contrato nos seguintes casos : Se a mulher não pertence a uma das religiões do Livro (portanto, se não é muçulmana, judeu ou cristã); se a mulher apostatou do Islã; se está casada com outro homem; se foi acusada de adultério; se já foi rejeitada três vezes pelo noivo e, entretanto, não voltou a casar com outro homem; se se encontra no período de espera (‘idda ) depois de ter sido repudiada; se está no estado de pureza durante a peregrinação ou visita à Meca; se a mulher é um hermafrodita ou mulher de uma pessoa desaparecida, mas não declarado morto pela lei.

Portanto, nada impede que uma criança seja dada em casamento. No dia 10 de junho o jornal iemenita Al- Mohmah publica um editorial de Nishwan Hammoud al-Barida, advogado da União de mulheres iemenitas, significativamente intitulado ” O casamento das meninas no Iêmen é um crime que precisa de uma lei”. O autor ressalta imediatamente que o casamento infantil é uma tradição que não tem suas raízes no Islã e um pai que obriga a filha a tal casamento deve ser julgado e punido.

Al- Barida, consciente do exemplo de Maomé, que se casou com Aisha, com a idade de seis anos e a teria penetrado aos nove, explica que isso não justifica o crime. Se Maomé foi o profeta do Islã e tinha cuidado de Aisha e lhe permitido viver a infância deixando-a até mesmo brincar com as outras meninas, bem, isso não pode justificar a prática horrível hoje.

O advogado pede uma lei que proclame antes de mais nada a igualdade entre os sexos no que diz respeito à idade do matrimônio e especialmente o limite mínimo de 18 anos para a mulher, uma lei que proteja as crianças iemenitas de qualquer tipo de discriminação, que lhes garanta proteção sanitária, econômica , social, uma lei que garanta um salário mensal às meninas em risco de matrimônio por razões econômicas, uma lei que garanta informação e formação a nível escolástico para erradicar a cultura e as tradições que levam à prática.

Nesse mesmo sentido, a nível de ativismo militante por baixo, já foi mencionado a campanha para salvar Warda, que é assim descrito por Hend Nasiri: ” Warda é o símbolo de todas as meninas iemenitas que querem assumir as suas vidas e capacitar-se. Queremos esclarecer o crime das “crianças esposas”.

Warda representa todas as meninas iemenitas vítimas de violência, estupro, agressão sexual e abusos. “Escolhi este nome porque é um nome muito divulgado no Iêmen”. Em uma das últimas reuniões organizadas pela Nasiri muitas mulheres e homens foram fotografados com cartazes escritos à mão com reclamações e claras denúncias: “É preciso que surja uma lei que impeça qualquer um de contribuir com o matrimônio das crianças, os tutores, os esposos, o notário (ma’dhun )”,”Salvem a inocência da infância dos tutores e maridos assassinos”, “Matrimônio das crianças= abuso sexual”, “Estou com Salve Warda porque o casamento infantil é abuso sexual legalizado”.

São iniciativas importantes, que devem ser sustentadas, que mereceriam por si só um Prêmio Nobel porque, como destacou a Nasiri, as meninas Iemenitas, assim como as meninas afegãs e tantas outras, têm que esperar para terem um dia uma pátria fundada na justiça e na igualdade, uma nação onde rege o Estado de direito no qual os direitos humanos são respeitados” E, especialmente, em memória de todas as pequenas vidas prematuramente arrancadas não só da brincadeira, mas da vida. (Traduzido do original italiano por Thácio Siqueira)”

Fonte: http://www.zenit.org/pt/articles/salvar-as-meninas-esposas

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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