História da Igreja: O Monaquismo

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Origem do Monaquismo

A palavra “monaquismo” vem do grego moncos = aquele que está só; designa uma forma de vida cristã totalmente consagrada a Deus no retiro, no silêncio, na oração, na penitência e no trabalho.

Houve formas de monaquismo pré-cristão na Índia, na Palestina (os essênios), no Egito (os terapeutas, os neoplatônicos)… O monaquismo cristão tem seus fundamentos imediatos no próprio Evangelho, onde o Senhor Jesus aconselha a deixar tudo e seguir incondicionalmente o Cristo; ver Lc 9,57-62; Mt 19,16-22, 1Cor 7,8s.25-35. Pode-se crer, na base do testemunho de S. Paulo em 1Cor 7, que já nas primeiras décadas do Cristianismo havia homens e mulheres que se abstinham do casamento para poder-se consagrar mais plenamente ao Reino de Deus.

No século III essa modalidade de vida ascética tomou a forma eremítica; os cristãos retiraram-se para o deserto, tendo como modelo S. Antão (251-356); este é considerado o “Patriarca do monaquismo”; filho de família rica, ouviu o apelo do Senhor proclamado na igreja e resolveu deixar tudo, retirando-se para o deserto do Egito, após ter providenciado a subsistência de sua irmã mais jovem. A “Vida de S. Antão”, escrita no século IV por S. Atanásio, exerceu grande influência sobre as gerações posteriores.

A vida eremítica teve expressões de grande generosidade: os monges viviam em silêncio, trabalhando com as mãos na confecção de cordames, cestas, esteiras e dedicando longas horas à oração; os jovens iam consultar os anciãos a respeito de seu tipo de ascese. Alguns eremitas se dedicaram a formas de penitência muito pessoais: por exemplo, S. Simão Estilita (?459) passou trinta anos sobre o topo de uma coluna de 40 cúbitos de altura; era conselheiro espiritual e defensor dos necessitados; teve vários imitadores, até mesmo entre as mulheres. Havia os monges reclusos, que ficavam fechados em cela estreita por muito tempo ou para sempre; existiam também os pascolantes, que vagueavam constantemente pelos campos e se alimentavam apenas de ervas. Mais: registravam-se também os giróvagos, que passavam de um mosteiro para outro, ficando como hóspedes em cada qual por três ou quatro dias; os sarabaítas, que, aos grupos de dois ou três, viviam em celas sem Superior nem Regra.

A vida eremítica foi cedendo aos poucos A vida cenobita ou comunitária. Esta apresentava suas vantagens, a saber: mais frequente ocasião de se praticar a caridade e controle da comunidade sobre atitudes e comportamentos, As vezes esdrúxulos, dos monges eremitas. S. Pacônio (?346) foi o primeiro organizador da vida cenobftica, que ele quis submeter a uma Regra e a um superior chamado “Abade” (= pai); a Regra visava a regulamentar a discipline dos monges na oração, no trabalho, no vestuário, na alimentação…, apresentando um caminho de santificação concebida pela sabedoria do Fundador. A casa dos cenobitas tomou o nome de monastérion em grego (donde mosteiro, em português). O primeiro mosteiro data de 320; fundou-o S. Pacônio em Tabenisi, a 575 km ao sul da moderna cidade do Cairo.

Os monges eram quase todos leigos, isto é, não recebiam as ordens sacras; o número de sacerdotes nos mosteiros correspondia As necessidades do serviço interno da comunidade. Só na Idade Média é que se difundiu o costume de conferir o presbiterado aos monges. São Pacônio era tão rigoroso neste particular que excluía por completo a possibilidade de ordenar algum monge, pois julgava que isto podia suscitar o desejo de honras a encargos de projeção. Conservam-se até hoje coletâneas de historietas e dizeres (Apoftegmas) dos Padres do deserto, cuja leitura revela a sabedoria e o heroísmo daqueles cristãos.

Estudada a origem do monaquismo, vejamos como evoluiu no Oriente e no Ocidente

O monaquismo no Oriente

O Oriente foi o berço do monaquismo, que se difundiu pelos lugares retirados (se não desertos) do Egito, da Palestina, da Síria…

Ao lado dos mosteiros masculinos, foi fundado grande número de mosteiros femininos. Estes tinham suas raízes especiais na prática de consagrar a virgindade ao Senhor seja mediante voto particular, seja mediante voto público de castidade (cf. 1Cor 7,37s); os escritores dos séculos III e IV Tertuliano (?220), S. Cipriano (?258), Metódio de Olímpio (?311), S. Ambrósio (?397) deixaram escritos que louvam e recomendam a virgindade consagrada. S. Pacômio mesmo fundou dois mosteiros femininos. Geralmente tais mosteiros ficavam situados nas proximidades dos cenóbios masculinos, a fim de facilitar o intercâmbio espiritual, o mútuo auxílio econômico e a proteção em casos de assalto (como ocorriam As margens dos desertos). Houve mesmo mosteiros duplos – o masculino e o feminino – separados entre si pela igreja conventual. Esta disposição acarretava perigos de ordem moral; por isto o concílio regional de Agde (Gália) em 506 e o Imperador Justiniano em 546 proibiram a existência de mosteiros duplos. O concílio de Nicéia II em 787 proibiu, ao menos, a fundação de novos e baixou medidas relativas aos já existentes. Todavia no Ocidente esse tipo de instituição perdurou até o fim da Idade Média, com bons frutos espirituais, principalmente no século XII.

O grande legislador do monaquismo oriental foi S. Basílio Magno. Visitou as colônias de monges da Síria, da Palestina, do Egito e da Mesopotâmia. Depois entregou-se à vida oculta As margens do rio Iris (Ásia Menor), com homens do mesmo ideal.

Nesse retiro escreveu duas Regras cenobíticas, que ficaram famosas na história da espiritualidade; louvava os cenóbios como lugares em que se pode exercer a caridade fraterna mais do que no deserto, e como depositários da plenitude dos carismas do Espirito Santo, como ocorre na grande Igreja. S. Basílio atribuiu grande importância não só à oração, mas também ao estudo, especialmente ao da Teologia; procurou desta maneira fundir entre si o ideal dos antigos monges e o gênio da cultura monges basilianos (com casas no Paraná-Brasil).

Em certas regiões desenvolveu-se uma forma mista de monaquismo eremítico e cenobítico; os monges viviam em colônias chamadas lauras sob a guia de um abade, mas ocupando habitáculos distintos uns dos outros.

Leia também: O que significa a palavra “Monaquismo”?

O Monaquismo no Ocidente

Começou sob a forma eremítica principalmente sob a inspiração de S. Atanásio, que escreveu a vida do primeiro eremita: S. Antão. Em algumas ilhas do mar mediterrâneo e em lugares retirados da Itália e da Gália registra-se a existência de anacoretas desde remotos tempos.

Todavia os ocidentais, dotados de senso prático e ativo, deram mais ênfase à vida cenobítica. Esta foi incentivada por grandes mestres como S. Ambrósio (?397),

S. Jerônimo (?420), S. Agostinho (?430), S. Paulino de Nola (?431)… que tiveram de defender a vida monástica contra adversários, como Elvídio, Joviniano e Vigilâncio; Joviniano, por exemplo, levou vida austera no Oriente; mas no fim do século IV foi para Roma, onde desdisse o seu comportamento anterior; alegava que aqueles que tivessem recebido o Batismo com fé, já não podiam pecar; em conseqüência, não precisariam de ascese, mas antes poderiam satisfazer a todos os impulsos naturais; isto o levou a uma conduta licenciosa, que o Papa S. Cirício condenou excomungando Joviniano (392). S. Jerônimo respondeu a este num opúsculo intitulado Contra Joviniano (393). Em Joviniano revivia algo do gnosticismo dos séculos II e III.

Quatro figuras se destacam no monaquismo ocidental: S. Martinho de Tours S. Agostinho S. Bento de Núrsia e S. Columbano.

S. Martinho (?397)

Martinho nasceu em 316 ou 317 na Panônia (Hungria de hoje). Recebeu o batismo aos 18 anos de idade e tornou-se eremita em Ligugé (França). Feito bispo em 371, empenhou-se pela difusão do monaquismo, ficando fiel ele mesmo ao seu ideal originário, pois uma coroa de monges se lhe juntou, levando vida comunitária com seu bispo.

Seu túmulo em Tours tornou-se um dos lugares mais visitados pelos peregrinos medievais; era o santo nacional dos francos. O seu manto, a respeito do qual se contavam milagres, era uma relíquia conservada em grande honra no reino dos francos.

A vida de S. Martinho escrita por Sulpício Severo, por volta de 400, compraz-se em exaltar a figura do Santo e exerceu grande influência sobre as gerações posteriores.

S. Agostinho (?430)

Já antes de se converter, Agostinho, com trinta anos de idade, concebeu o projeto de levar com alguns amigos uma vida comum, retirada do mundo e despreocupada de solicitudes materiais. Todavia, quando quiseram executar tal ideal, verificaram que não poderiam contar com o consentimento de suas esposas (os casados) ou de suas eventuais esposas (os que tencionavam casar-se).

Uma vez convertido em Milão, voltou à África e, em Tagaste, tratou de reunir em torno de si alguns irmãos dispostos a renunciar aos bens materiais para levar vida monástica: queria viver com seus clérigos e irmãos leigos segundo a regra dos apóstolos: nada possuíam de próprio; tudo era comum, de modo que cada qual recebia da comunidade o que lhe fosse necessário. Da carta 121 de S. Agostinho uma secção foi extraída, tornando-se a Regra de S. Agostinho, que ainda hoje inspira o modo de viver de várias famílias religiosas (Agostinianos, Dominicanos…) – Certa vez alguns monges de Hadrumetum (Norte da África) não queriam trabalhar para poder dedicar-se inteiramente à oração; ao saber disto, S. Agostinho escreveu o opúsculo De opere monachorum (sobre o trabalho dos monges), que se apoiava nos dizeres de S. Paulo: “Quem não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3,10); este opúsculo tornou-se um monumento da civilização ocidental.

S. Bento de Núrsia (?547)

É dito “o Patriarca dos monges ocidentais”. Nasceu por volta de 480 em Núrsia (Itália), de nobre família rural romana. Começou em Roma seus estudos de artes literárias, mas logo retirou-se para os montes Sabidos (Subiaco), onde levou vida eremítica por três anos. Descoberto e procurado por discípulos, fundou doze mosteiros na região de Vicevaro. Teve que deixar tal ambiente para ir residir em Monte Cassino (529), onde fundou o mosteiro-berço da Ordem Beneditina. Foi aí que escreveu a sua Regra, inspirada pelo senso de equilíbrio e discrição dos romanos. Valeu-se da tradição monástica anterior, tanto ocidental como oriental, e adaptou-a às condições de vida de sua época, procurando oferecer uma disciplina que permitisse aos fortes desenvolver os seus dons e, ao mesmo tempo, não afugentasse os fracos. Há quem julgue que S. Bento realizou sua obra legislativa a pedido do Papa Adapto ou até do Imperador Justiniano, desejosos de codificar e vivificar as diversas experiências de vida monástica até então ocorrentes no Ocidente.

Pode-se dizer que o lema de São Bento é Ora et labora (Ora e trabalha). Por isto deu importância primacial ao Oficio Divino ou à oração oficial de Igreja recitada no coro sete vezes durante o dia e uma vez durante a noite. O espírito de oração deve, pois, impregnar toda a vida do monge, inclusive o trabalho, que na época era principalmente o da lavoura e das oficinas (os monges era de origem goda, de pouca cultura; além do quê, a Itália era cenário de guerras, que deixavam pouca disposição para elevados estudos). A atividade intelectual nos mosteiros de S. Bento era originariamente a da lectio divina, ou seja, a da leitura meditada da S. Escritura.

Uma das notas típicas da Regra beneditina é o voto de estabilidade que fixa o monge física e juridicamente no seu mosteiro. Era oportuno para pôr termo às divagações dos monges, que redundavam não raro em fonte de decadência.

Aos poucos, os mosteiros beneditinos foram assumindo papel de relevo capital na história da Igreja, tanto no setor missionário quanto no da cultura em geral. Foram, em grande parte, os monges beneditinos que evangelizaram os anglo-saxões e outros povos germânicos (Inglaterra, Bélgica, Holanda, Norte da Alemanha…); ensinaram aos povos bárbaros que viviam nos arredores dos mosteiros, os princípios de nova cultura; transmitiram às crianças e aos adolescentes os conhecimentos científicos e a formação cristã mediante as escolas “monasteriais”. Foram também eles os copistas que salvaram da ruína os tesouros da cultura romana, que, através dos seus códigos e obras de arte, eles passaram para as gerações vindouras. Pode-se dizer que a grande obra cultural dos monges começou no próprio século VI.

São Columbano (?615)

Este é um monge irlandês que em 590 emigrou do seu mosteiro de Langor (Belfas, Irlanda do Norte),e com doze companheiros exerceu sua atividade no território da Gália, fundando diversos mosteiros, dos quais o principal foi o de Luxeuil. Era homem de ascese, que pregava a penitência. Aos monges irlandeses se deve a difusão da prática da direção espiritual, que foi associada, muitas vezes, à confissão sacramental. Contribuíram para a elaboração dos Códigos Penitenciais, que estabeleciam o tipo de penitência devido a cada tipo de pecado.

A Regra monástica escrita por S. Columbano prescrevia rigorosos exercícios de mortificação; até pequenas faltas eram punidas com penas corporais (que na época eram tidas como meio normal de coerção). Tal Regra teve grande voga no reino dos francos e na Itália Setentrional; mas já no fim do século VII foi cedendo o lugar à Regra de S. Bento, mais realista e mais adaptável a situações diversas.

A Igreja (e, com ela, o mundo ocidental) teve no Monaquismo um fecundo foco de vida espiritual, de teologia e de cultura geral.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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