História da Igreja: As Cruzadas – Parte 1

Por “Cruzadas medievais” entendemos, as expedições empreendidas pelos cristãos do Ocidente para libertar do domínio muçulmano o S. Sepulcro de Cristo em JerusalémTêm início em fins do séc. XI (1095) e terminam em 1291, quando os últimos bastiões dos cruzados no Mediterrâneo oriental sucumbiram sob os ataques dos turcos.

Recobrem, pois, os séculos XII e XIII. Verdade é que houve expedições bélicas para libertar a Terra Santa ou o Oriente da Europa ameaçado pelos turcos também nos séculos XIV e XV, como antes de 1095 se falava de reconquistar a Espanha ocupada pelos árabes… Antes de entrarmos no tema propriamente dito, importante observação deve ser feita, a saber: não se pode entender um episódio do passado sem se reconstituírem previamente o quadro geral respectivo e as categorias de pensamento dos atores desse episódio. A propósito damos a palavra a Profª. Regine Pernoud no seu livro “Les Croisades” (Paris 1960, p. 7):

É de notar quanto a historiografia nos tempos modernos se tornou moralizante e quão poucos historiadores resistem à tentação de se transformar em juízes e censores dos acontecimentos que eles referem. Ora os julgamentos que os historiadores possam proferir sobre o passado, arriscam-se muitas vezes a ser inadequados ou injustos, porque, sem que o próprio estudioso tenha sempre consciência disto, ele julga segundo critérios que datam da sua época, e não da época analisada. Especialmente estranho é o fato de que esse moralismo histórico se tenha propagado precisamente nos séculos XIX e XX, quando se registra admirável esforço em prol da historiografia objetiva, imparcial configurada às ciências exatas, que seguem métodos rigorosos. Os julgamentos dos historiadores acarretam o inconveniente de introduzir um dos elementos mais subjetivos, ou seja, as opiniões políticas ou religiosas abraçadas pelo estudioso…

Essas sentenças arbitrárias, simplistas demais para poder ser verídicas, não provém do fato de que em geral o estudioso está mais apressado para julgar do que para compreender?’

Conscientes do valor destas advertências, procuraremos, antes do mais compreender – o que não significa legitimar indistintamente os fatos narrados.

Causas da “Viagem da Cruz”

O fundo de cena histórico

1. O termo “Cruzada” mesmo nunca ocorre nos documentos medievais; é vocábulo posterior, como também moderno é o vocábulo corporação, utilizado de maneira um tanto inadequada quando se fala de instituições medievais. Na Idade Média falava-se de “caminho de Jerusalém, passagem, viagem, via da cruz, peregrinação”.

É, pois, a partir deste vocabulário que havemos de começar o estudo do que posteriormente foi chamado “Cruzadas”.

“Peregrinação” é uma das práticas mais ancoradas na Bíblia ou – ainda – na tradição judaica, na tradição cristã e na tradição muçulmana; ver Deuteronômio 16,16; Lucas 2,41.

Em particular, a peregrinação a Jerusalém e aos lugares santos da Redenção do gênero humano foi sempre uma das expressões de fé mais caras aos cristãos. No séc. IV após a era das perseguições, quando o Cristianismo começou a usufruir de liberdade no Império Romano, vê-se a Imperatriz Helena, mãe de Constantino, ir à Palestina para descobrir e restaurar os testemunhos da vida, da morte e da ressurreição de Cristo, que haviam sido sufocados pela ocupação romana a partir de 70 e, máxime, após 135 d.C.

Pouco depois de Helena, mãe de Constantino, tem-se a figura de S. Jerônimo (?421), que resolveu estudar a Bíblia na Terra Santa, estabelecendo-se na gruta de Belém. Aos poucos, no país bíblico foram-se constituindo numerosos mosteiros de homens e mulheres, que queriam beneficiar-se do contato com os lugares sagrados.

Do séc. IV em diante, o movimento de peregrinações a Terra Santa não cessou entre os cristãos: Jerusalém, Roma e Compostela eram os principais pontos de atração da piedade. Têm-se mesmo ainda hoje numerosos “Itinerários” de Terra Santa escritos em latim através dos séculos por cristãos de nomeada, como o peregrino de Placência, Silvia, Etéria…

Na Idade Média tão arraigado era o hábito de peregrinar que até mesmo o servo da gleba (o homem estático por excelência, porque ligado ao campo, que ele não podia deixar e que ninguém tinha o direito de lhe tirar) gozava do direito de sair da sua terra para realizar uma peregrinação, sem que ninguém se lhe opusesse.

Leia também: O que foram as Cruzadas?

História da Igreja: As Cruzadas – Parte 2

2. No séc. VII a expansão árabe fez perecer as numerosas comunidades cristãs esparsas pela Síria, a Palestina, o Egito, o norte da Africa. Jerusalém em 638 foi ocupada e, em parte, transformada em cidade Árabe muçulmana. As condições dos cristãos que lá viviam ou que lá iam ter a fim de visitar os lugares santos, tornaram-se difíceis, embora oscilantes segundo as épocas; a tensão do ambiente foi as vezes abrandada por acordos, como, por exemplo, os de Carlos Magno (? 814) com o califa Haroun al-Rachid; esses pactos, porém, nem sempre foram respeitados, como no caso do califa Hakim, fundador da religião drusa, que em 1009 mandou destruir a basílica do S. Sepulcro em Jerusalém e durante dez anos moveu perseguição a cristãos e judeus.

Pouco depois, ou seja, a partir de 1055, os Turcos seldjucitas entraram no próximo Oriente. Em 1071, Jerusalém caia em suas mãos. Os cristãos, em conseqüência, sofreram opressão. Os peregrinos que voltavam da Terra Santa, narravam no Ocidente a ingrata situação em que se achavam os irmãos e os santuários na Terra Santa de Cristo. As condições de peregrinação eram extremamente penosas. Os relatos falam de peregrinos colocados no cárcere, sequestrados em troca de dinheiro, torturados, durante a viagem para a Terra Santa. Uma das crônicas mais impressionantes era a da peregrinação de Bünther, bispo de Bamberga (Alemanha), que, com milhares de companheiros, a pequena distância de Jerusalém, sofreu duro ataque dos beduínos da região durante três dias.

Certamente muitos episódios e casos particulares circulavam de boca em boca na Europa a respeito do que ocorria em Jerusalém e nos arredores; tais episódios constituíam o teor do que o cristão podia conhecer a respeito da Terra Santa. Dessas informações temos umespécimen ainda hoje numa crônica de Guilherme de Tiro, historiador do século XII:

“Aconteceu, por permissão de Nosso Senhor e para provação do povo, que um homem desleal e cruel se tornou senhor e califa do Egito. Tinha por nome Hakim e quis ultrapassar toda a malícia e a crueldade que tinham estado em seus ancestrais. Ele foi tal que os homens da sua lei o tinham também na conta de eivado de orgulho, de furor e de deslealdade. Entre outras deslealdades, mandou abater santa igreja do sepulcro de Jesus Cristo, que fora construída anteriormente por ordem de Constantino Imperador, pelo patriarca de jerusalém chamado Máximo e que fora refeita por Modesto, outro patriarca do tempo de Heráclio.53

Então começou a situação de nossa gente a ser muito mais dura e dolorosa do que fora, pois grande luta lhes entrara no coração por causa da Igreja da Ressurreição de Nosso Senhor, que eles viam assim destruída. Doutra parte eram dolorosamente sobrecarregados de impostos e tarefas, contra os costumes e os privilégios que eles haviam recebido dos príncipes incrédulos. Até mesmo o que jamais lhes fora imposto, chegou a ser lhes proibido: a celebração das suas festas. No dia que soubessem ser a maior festa dos cristãos, eles (os drusos) os obrigavam a trabalhar mais sob o jugo e a força; proibiam-lhes (aos cristãos) sair das portas de suas casas, em que eles eram encerrados para que não pudessem celebrar festa alguma. Em suas casas mesmas não gozavam de paz nem segurança, pois se atiravam sobre elas grandes pedras e pelas janelas lançavam excrementos, lama e toda espécie de lixo. Se acontecesse que alguns cristãos dissesse uma só palavra capaz de desagradar a esses incrédulos, logo, como se tivesse cometido um morticínio, era arrastado à prisão e lhe cortavam o pé ou a mão, ou podiam todos os seus bens ser confiscados pelo califa… Muitas vezes, os incrédulos tomavam os filhos e as filhas dos cristãos em suas casas e com eles faziam o que queriam; ora mediante adulação os incrédulos constrangiam muitos jovens a renegar a fé… Os bons cristãos esforçavam-se por sustentar tanto mais firmemente a sua fé quanto mais eram maltratados.

Seria longo contar todos os vexames e as desgraças em que o povo de Nosso Senhor se encontrava então. Eu vos contarei um episódio, para que mediante esse possais compreender muitos outros. Um dos incrédulos, malicioso e desleal, que odiava cruelmente os cristãos, procurava certa vez um meio de os fazer morrer. Viu que a cidade inteira (Jerusalém) tinha grande honra e reverência pelo Templo que fora refeito… Diante do Templo há uma praça que se chama a esplanada do Templo, que eles (os muçulmanos) guardavam e mantinham limpa, como os cristãos mantém limpas as suas igrejas e os seus altares. Esse incrédulo desleal tomou de noite, sem que alguém o visse, um cão morto, pútrido e fétido, e colocou-o nessa esplanada, diante do Templo. De manhã, quando os homens da cidade foram ao Templo para orar, encontraram esse cão. Fez-se então um grande grito, rumor e clamor por toda a cidade, a ponto que só se falava do ocorrido. Reuniram-se e não tiveram dúvida em dizer que os cristãos haviam feito isto. Todos concordaram em passar ao fio da espada todos os cristãos;já estavam mesmo desembainhadas as espadas que a todos deviam cortar a cabeça.

Entre os cristãos havia um jovem de coração generoso e de grande piedade. Falou ao povo e disse: ‘Meus senhores, verdade é que não tenho culpa alguma no que aconteceu, como aliás nenhum de nós a tem; isto, eu o dou por certo. Mas será extremamente doloroso se morrerdes todos assim e se todo o Cristianismo se extinguir nesta terra. Por isto pensei em vos libertar a todos com o auxílio de Nosso Senhor. Apenas vos peço duas coisas pelo amor de Deus: que oreis por minha alma em vossas preces e que tomeis sob os vossos cuidados e reverência a minha pobre família. Pois eu assumirei a causa sobre mim e direi que fui eu que fiz aquilo de que acusam a todos nós!’

Os que lamentavam morrer, tiveram grande alegria então e prometeram ao jovem fazer orações e honrar os seus familiares de tal modo que estes, no domingo de Ramos, trouxessem sempre a oliveira, que significa o Cristo, e a colocassem em Jerusalém. O jovem, portanto, foi ao encontro dos injustos e disse que os outros cristãos não tinham culpa alguma no ocorrido e que ele era o autor da façanha. Quando os incrédulos ouviram isto, puseram em liberdade todos os outros, e somente ele teve a cabeça talhada”.

Faça-se o desconto devido possivelmente ao estilo panegirista do cronista… É certo, porém, que ainda no séc. XII havia em Jerusalém uma família encarregada de fornecer aos fiéis as palmas para o domingo de Ramos, em memória (diziam) da dedicação desse antepassado generoso, que se teria sacrificado em prol da comunidade.

Concepções e características medievais

1. Note-se agora que os relatos corcernentes aos vexames da Terra Santa ecoavam nos ouvidos de sociedade e povos caracterizados por dois traços profundamente marcantes:

a) Eram populações nas quais todos os indivíduos (com raras exceções, que confirmavam a regra) tinham – ou ao menos julgavam ter – e professavam a fé cristã.

Essa fé não procedia de uma autoridade exterior (do Papa ou do Imperador), mas era uma convicção profundamente ancorada no coração de todos. Os valores da fé eram, para esses homens, o que fazia que a vida valesse a pena de ser vivida. O calendário da vida pública, as catedrais românicas e góticas, os nomes de acidentes geográficos e instituições, além de numerosos outros dados, atestam. o profundo impacto que a mensagem da fé causava sobre os povos medievais, ritmando as minúcias da vida cotidiana.

Não há dúvida, a fé dos medievais era muito propensa a demonstrações exuberantes, como também a dar crédito a visões, aparições, feitos extraordinários, sinais retumbantes de Deus… Ao lado das grandes Universidades de Paris, Oxford, Bolonha, Nápoles, havia também muita simploriedade e infantilidade na piedade cristã. Mas inegavelmente tudo que se ligasse com a fé, revestia-se de grande significado para os medievais.

b) A sociedade na Idade Média estava toda impregnada do espírito e da realidade dos cavaleiros. Efetivamente, a espiritualidade germânica, França, celta, goda levou a civilização medieval o ideal do cavaleiro. Este aspirava a servir a Deus na bravura destemida, magnânima, e até mesmo na guerra (caso julgasse que a honra de Deus exigia a intervenção da espada). A espiritualidade do cavaleiro retratada nas canções e trovas da Idade Média era apta a suscitar façanhas heroicas em nome da fé.

Mais deve-se lembrar que na Idade Média também os monges desenvolveram papel importante, professando, porém, uma espiritualidade assaz diversa da do cavaleiro. Enquanto o cavaleiro procurava intensificar suas atividades no mundo, aspirando assim a unir-se a Deus e chegar à vida eterna, o monge se separava do mundo secular para penetrar diretamente em Deus e na contemplação. Enquanto o cavaleiro aplicava os instrumentos da sua profissão, isto é, as armas, para servir ao seu Senhor, o monge, professando pobreza e silêncio, recusava o recurso a tais expedientes.

Ora os medievais haviam de conseguir fazer a síntese desses dois tipos de ideal cristão – o do cavaleiro e o do monge -, criando no século XII as chamadas “Ordens Militares”. Nestas o cavaleiro se consagrava a Deus para O servir com destemor e galhardia num quadro de pobreza, castidade e obediência. Referindo-se aos Templários, dizia S. Bernardo (? 1153):

“Não sei se os devo chamar monges ou cavaleiros; talvez seja necessário dar-lhes um e outro nome, pois eles unem, à brandura do monge a coragem do cavaleiro” De laude nova emilidae (IV8).

2. É, portanto, nas populações medievais, caracterizadas por tais traços, que ecoaram os relatos, de estilo simples e pungente, dos peregrinos da Terra Santa, no séc. XI. Compreende-se que tenham desencadeado reação espontânea e decidida da parte dos seus ouvintes. Somente o entusiasmo e o vigor comunicados pela fé (e que só a fé pode comunicar) explicam tal resposta: multidões se abalaram, prontificando-se a partir para terras longínquas, desconhecidas, sujeitas a surpresas e ciladas, sem reabastecimento seguro, sem guias peritos, sem planos de viagem muito definidos, mas conscientes (ao menos nos primeiros tempos) de que Deus o queria; “Deus lo volt”, eis o brado que em Clermont, no ano de 1095, impressionou os primeiros expedicionários e impulsionou a tantos outros que lhes seguiram o exemplo. Cosiam uma cruz de pano vermelho ao ombro direito; donde as expressões que se tornaram técnicas: “assumir a cruz” e “fazer a cruzada”. O ímpeto inicial teve suas repercussões durante os dois séculos de duração do movimento de Cruzadas.

Aliás, os medievais dedicavam grande devoção ao Santo Sepulcro do Senhor, que os cronistas lhes apresentavam sujeito a vexames. Era tido como o maior santuário do mundo cristão, como o centro do universo, segundo os sermões e os noticiários da época.

É somente a partir de tais concepções, muito vivas e significativas para os medievais, que se podem entender as Cruzadas. Nenhum tipo de guerra moderna, nem mesmo a chamada “guerra santa” (jihad) dos muçulmanos, pode servir de ponto de referência para se entenderem a inspiração e a força, motriz dos cruzados.

É mister, porém, reconhecer que as idéias religiosas dos primeiros expedicionários foram sendo, aos poucos, no decorrer de dois séculos, solapadas, de sorte que a imagem do cavaleiro que em seu fervor tomava sobre si a cruz para ir libertar o S. Sepulcro do Senhor, se foi modificando. É essa imagem posterior que muitas vezes predomina em certos tratados sobre as Cruzadas.

AS CRUZADAS (II)

As Cruzadas em resenha

Foi o Papa Urbano II quem, no Concílio de Clermont (França) em 1095, lançou o programa de expedições destinadas a reconquistar o S. Sepulcro em Jerusalém. O ambiente, como vimos, estava assaz motivado para receber tal apelo. Conseqüentemente, o brado de Urbano II suscitou entusiasmo delirante; muitos pregadores puseram-se a percorrer a Europa, incitando os homens a cerrar fileiras. Grande multidão de ouvintes, de origem social diversa, assumiu então a cruz, emblema da campanha. Os expedicionários, provenientes da França, da Inglaterra, da Itália, eram dotados de benefícios espirituais pelo Papa; a quem ousasse violar ou roubar as suas propriedades durante a respectiva ausência, tocaria a pena de excomunhão.

Em resposta imediata ao apelo e sem esperar a organização de exércitos devidamente constituídos (coisa que levaria tempo), grande número de simples fiéis pôs-se logo em marcha para o Oriente sem o equipamento necessario. Essa Cruzada Popular, chefiada por Pedro o Eremita e Gualtero “sem Haveres” (Gauthier sans Avoir), fracassou, pois os seus membros ou pereceram na estrada ou foram exterminados pelos turcos.

Assista também: Por que precisamos entender o que foram as cruzadas?

Quem eram os Cavaleiros Templários?

1ª Cruzada: Em fins de 1096, quatro exércitos de senhores feudais chegavam a Constantinopla:

1. os lorenos e alemães, com Balduíno de Hainaut e Godofredo de Bouillon;

2. os franceses do norte, sob o conde de Vermandois e o duque de Normandia;

3. os provençais, com o conde de Tolosa e o legado Ademar de Monteil;

4. os normandos da Itália, com Boemundo de Taranto e Tancredo. Nenhum rei os acompanhava, nem esses exércitos cuidaram de instituir um Chefe geral para todos. O Imperador bizantino Aléxis Comnene, em Constantinopla, esperava servir-se desses guerreiros para reconquistar parte da Ásia Menor, que fora arrebatada pelos turcos. A cidade de Nicéia perto de Constantinopla foi então realmente reconquistada, mas, em vez de ser atribuída aos ocidentais, voltou a ser domínio do Imperador bizantino. Este fato frustrou os latinos e concorreu para que doravante latinos e bizantinos concebessem desconfiança mútua! – Após dois anos e meio de lutas e sofrimentos atrozes, os cruzados, tendo vencido o exército de Solimão em Doriléia, havendo tomado Edessa (1097) e Antioquia (1098), chegaram finalmente a Jerusalém e dela se apoderaram (1099). Essa sangrenta expedição, que custara a vida a cerca de meio-milhão de homens, terminou com a fundação de quatro centros latinos: o reino de Jerusalém, o principado de Antioquia, os condados de Edessa e de Trípolis, aos quais foram atribuídos governantes latinos. As grandes cidades da costa palestinense foram ocupadas por navegantes e comerciantes ocidentais. Os peregrinos recomeçaram a afluir à Terra Santa. Para protegê-los e defendê-los, foram criadas as Ordens de Cavaleiros Militares (Hospitalários, Templários, etc.).

Como se compreende, os territórios latinos no Oriente eram constantemente ameaçados e só podiam subsistir com o auxílio de reforços vindos do Ocidente. É o que explica uma série de expedições, ora mais, ora menos vultosas, colocadas entre as grandes Cruzadas. Somente estas, em número de oito, serão aqui recenseadas.

2ª Cruzada: Os turcos tendo reconquistado e destruído Edessa, preparou-se nova Cruzada, que partiu do Ocidente em 1147. Exortados por S. Bernardo, o rei de França, Luís VII, e o da Germânia, Conrado III, tomaram a cruz sobre si e fundiram suas tropas num só exército. Mas não conseguiram tomar nem mesmo Damasco, e regressaram sem êxito
em 1149.

3ª Cruzada: O sultão Saladino apoderou-se de Jerusalém em 1187. Respondendo então a um apelo do Papa Urbano III, Filipe Augusto da França, Frederico Barbaroxa da Alemanha, e Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, apresentaram-se para partir. Os alemães, tendo seguido por terra, chegaram até a Ásia Menor; mas a morte de Frederico, afogado nas águas do rio Cydnus (Cilícia), provocou a dispersão do seu exército (1190). Os reis da França e da Inglaterra dirigiram-se por mar a S. João de Acre, que conseguiram ocupar (julho de 1191). Embora lutassem juntos, os dois monarcas nutriam desconfiança mútua. Filipe Augusto, tendo caído doente, voltou à Europa, e, apesar da palavra dada, pôs-se a tramar com João sem Terra a invasão dos domínios do rei da Inglaterra. Ricardo viu-se assim compelido a voltar (1192).

Naquela época, os cristãos já não possuíam senão o litoral, desde Tiro até Jafa, com S. João de Acre como capital, além do principado de Antioquia, assaz reduzido. Todavia Ricardo Coração de Leão havia conquistado Chipre, que se tornou um reino latino próspero.

4ª Cruzada: O Papa Inocêncio III (1198-1216) aspirava ardentemente à libertação de Jerusalém. Suscitou nova expedição, a qual, porém, se afastou da sua orientação, sob a influência de Filipe da Suábia, de Veneza e dos gregos. Os cruzados empreenderam a conquista de Constantinopla (!), que eles saquearam, fazendo da mesma a capital de um Império latino. Esse Império, que compreendia a península dos Balcãs, durou até 1261, quando Miguel o Paleólogo retomou Constantinopla.

5ª Cruzada: Entre 1219 e 1221, alemães e húngaros assumiram a cruz. Dirigiram-se para o Egito; mas a cheia do Nilo, que os cristãos não previam, obrigou-os a retirar-se.

6ª Cruzada: É também chamada “peregrinação sem fé” (1228-1229). Excomungado pelo Papa, Frederico II resolveu empreender uma Cruzada, não tanto para libertar o S. Sepulcro, quanto para unir em sua pessoa os títulos de Imperador da Alemanha e rei de Jerusalém; amigo da ciência e da cultura árabes, Frederico II aparentava amizade com os Árabes, de sorte que obteve do sultão do Egito, por dez anos, o domínio sobre Jerusalém, Belém e Nazaré. Terminado esse prazo, Jerusalém recaiu nas mãos dos Árabes.

7ª e 8ª Cruzadas: São Luís IX, rei da França, resolveu reconquistar a Cidade Santa. Em 1248, atacou o sultão Eyoub, não na Síria, mas no Egito. Como em 1221, também dessa vez os cristãos tomaram Damieta, mas caíram diante de Mansourah. Foram todos encarcerados, só conseguindo a liberdade mediante enorme preço de resgate.

Em 1270, S. Luís renovou seus esforços, conseguindo a muito custo constituir um exército para empreender nova expedição. O irmão do rei, Carlos de Anjou, persuadiu-o de ir primeiramente a Túnis; diante desta cidade, o monarca, acometido de peste, veio a falecer aos 25 de agosto de 1270.

Após estes fatos, a pressão dos exércitos turcos se intensificou, visando aos últimos redutos cristãos da Ásia. Em 1291, estes sucumbiram, encerrando-se assim a era das Cruzadas propriamente ditas.

Ainda, a título de ilustração, mencionamos as Cruzadas das crianças, pois são significativas do espírito da época.

Em 1212, um jovem pastor, chamado Estêvão, dizendo-se enviado por Deus, convocou as crianças da França para empreenderem uma Cruzada. O exército de 30.000 jovens que assim se formou, embarcou em Marselha. Dois condutores de frota haviam se comprometido a transportá-los ao Oriente gratuitamente; todavia venderam-nos aos mercadores de escravos no Egito. A maioria dos participantes pereceu; um pequeno número recuperou mais tarde a liberdade.

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Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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