Hipóteses sobre Jesus – EB Parte 1

Revista : “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 257 – Ano: 1981 – Pág.
248

por Vittorio Messori

Em síntese: O livro de
Vittorio Messori considera as hipóteses que a crítica racionalista formulou a
respeito de Jesus.  Este, segundo
determinada corrente, seria mero homem 
endeusado pelos discípulos; segundo outra escola, seria um deus da
mitologia que nunca existiu.  As duas
hipóteses mostram-se insuficientes para explicar o fenômeno “Jesus Cristo e o
Cristianismo”, como se depreende das perspicazes e acertadas ponderações de
Messori (que, aliás, faz eco a Jean Gutton, Pascal e um conjunto de apologistas
católicos). – Resta, pois, a clássica tese – a da fé -, segundo a qual Jesus
era realmente Deus feito homem.  Esta
terceira posição supõe uma intervenção portentosa de Deus na origem e na
continuidade do Cristianismo; todavia é mais plausível e admite um milagre
menos retumbante do que as teses racionalistas, segundo as quais o pedestal de
vinte séculos de Cristianismo seriam a mentira e a alucinação de alguns
pescadores da Galiléia.

Estas considerações são
acompanhadas de muitas outras observações e citações aduzidas por Messori, cujo
livro muito se recomenda, embora seja um tanto profixo e por vezes recorra a linguagem
jornalística e sensacionalista.

Comentário: Vittorio Messori
é um jornalista italiano que, outrora incrédulo, tomou contato com a obra
“Pensamentos” do filósofo e matemático francês Blaise Pascal (+ 1662) e se pôs
a pesquisar a veracidade do Cristianismo durante muitos anos.  Finalmente, chegou à conclusão de que Jesus é
Deus e homem, portador da mensagem do Pai, e resolveu escrever o livro em pauta. 
Este leva em conta as diversas hipóteses que a crítica
desde o século XVIII levantou a respeito de Jesus; considera as objeções mais
comuns suscitadas contra a autenticidade da mensagem cristã.  Tem-se verificado, porém que algumas pessoas
não percebem, de imediato, a posição assumida pelo autor.

Em vista disto, as páginas
seguintes apresentarão sinteticamente o denso conteúdo do escrito de V.
Messori, ao que se seguirão sumárias reflexões.

O livro poderá ser útil a
quem procure sólida fundamentação para a sua fé num mundo em que se pergunta se
Jesus existiu, ou se não foi um impostor ou se não deveria ser tido como um dos
grandes iniciados do esoterismo, etc.

O livro

Na obra de V. Messori
distinguimos oito capítulos, além de uma Introdução (pp. 13-25).

A Introdução (“E se fosse
verdade?”) lembra a necessidade de se pesquisar a respeito de Jesus.  Se é verdade (ou se fosse verdade) o que
Cristo disse ao mundo, ninguém pode(ria) ficar indiferente à sua mensagem.  Daí a importância, para os incrédulos, de
tentar adquirir a certeza de que Jesus não merece crédito1.  Para os fiéis, impõe-se paralelamente um
conhecimento firme dos fundamentos de sua fé, a fim de que a possam justificar
perante aqueles que não creem.

“Queiramos ou não … há
séculos… estas duas sílabas (Jesus) estão ligadas ao sentido do nosso
destino”  (p. 17).

“Um Deus escondido e
incômodo” (pp. 27-54)

Deus não quis impor-se aos
homens com a evidência que caracteriza uma verdade matemática.

Não há dúvida, a razão pode
conceber provas filosóficas da existência de Deus, chegando a apontar o
Primeiro Movente Imóvel, o Ser Absoluto e a Inteligência suprema, que dispôs o
mundo e o homem com maravilhosa sabedoria … 
Esta possibilidade foi claramente afirmada pelo Concílio do Vaticano I
(1870) contra aqueles que depreciavam o acume do intelecto humano.  Todavia o mistério de Deus em si e o seu
plano de salvação ultrapassam os limites da razão, de modo que esta não explica
toda a grandeza do Altíssimo; além do quê, é de considerar que as paixões não
raro obnubilam a mente humana, impedindo-a de raciocinar sem preconceitos.

Por isto, além de dar ao
homem o instrumental da filosofia, Deus quis revelar-se à criatura: fê-lo
mediante os Patriarcas, os Profetas e, finalmente, pela mensagem de
Cristo.  A Palavra de Deus desconcerta,
por vezes, o homem, pois fala a linguagem da cruz, que é loucura e escândalo
(cf. 1Cor 1,23); ela se apresenta associada a fatos históricos, como são a
morte e a ressurreição de Jesus, de tal modo que, se tais episódios pudessem
ser comprovados como não-históricos, o Cristianismo já não mereceria ser levado
em conta.

Daí a necessidade, para o
estudioso, de pesquisar a historicidade de Jesus e dos feitos a Ele atribuídos
pelos Evangelhos.

“Desde sempre anunciado ou
adorado” (pp. 55-102)

O autor começa pelo Antigo
Testamento a sua pesquisa de história da salvação.

A noção de Messias vindouro
foi anunciada pelas Escrituras judaicas, nas quais se encontram mais de
trezentas passagens messiânicas.  Essas
profecias esboçam uma figura humana e um enredo de vida, que parecem só ter sua
realização concreta em Jesus de Nazaré. 
Verdade é que, ao abordar tais textos bíblicos o apologista cristã não
se pode valer dos critérios da fé1.

Foram justamente o número e
a veracidade de tais profecias que levaram muitos judeus a se converter a Jesus
Cristo2, o próprio Jesus e, depois, São Paulo e os subseqüentes pregadores
cristãos recorriam freqüentemente aos testemunhos do Antigo Testamento para
provar a messianidade do Nazareno; tal recurso foi válido para boa parte do
povo de Israel3.  “Se muitas vezes os
pregadores encontraram oposição, esta parece que se devia não tanto à falta de
acordo sobre o argumento profético quanto à recusa apriorística de qualquer
diálogo por parte dos chefes das comunidades judaicas” (p. 64).

Não há estudioso sério que
julgue terem sido interpoladas essas profecias nos livros do Antigo
Testamento.  Existem hoje critérios
seguros para estabelecer o teor autêntico do texto bíblico.

Mais:  deve-se notar que o monoteísmo do povo de
Israel é totalmente inexplicável pelas ciências humanas.  Com efeito: humanamente falando, não se
entende que um povo pequeno como o de Israel, inferior aos vizinhos no tocante
à indústria, à ciência e ao poderio bélico, tenha ultrapassado os demais no
plano religioso; enquanto egípcios, assírios, babilônios, fenícios … tinham sua
mitologia e seus deuses, os judeus, desde a origem no século XIX a.C.,
professavam o monoteísmo – o que certamente é a única forma de religião
condizente com a lógica.  Os israelitas
não aprenderam isto dos povos que os cercavam, mas (só fica esta hipótese) da
revelação que Deus fez de Si a Israel; o monoteísmo desta nação, portanto, já é
por si um sinal da intervenção de Deus na história dos homens; o Senhor se
revelou a Israel como sendo o único Deus não de um povo especial, mas de todos
os povos.  E – note-se bem – este
monoteísmo de Israel resistiu às seduções politeístas dos povos vizinhos, cujos
mitos podiam ter sufocado a crença pura dos judeus.

Foi a crença monoteísta de
Israel que inspirou a esta nação o seu conceito de história: enquanto os demais
povos assemelhavam a história a uma série de círculos que se repetem ou a uma
serpente cuja cabeça morde a cauda (símbolos da monotonia e do absurdo), os
judeus entendiam a história como um cone que se abre ou que tende à plenitude;
para eles, a história tinha seu dinamismo e seu significado valiosos.

Jesus veio em resposta às
expectativas messiânicas dos Profetas de Israel.  Ele respondeu às aspirações mais profundas do
ser humano: sem armas (antes, recusando o uso das armas; cf. Lc 22, 36-38), sem
dinheiro nem recursos materiais (cf. Mt 10,9s). 
Jesus conquistou multidões pelo cultivo dos valores mais elevados.  Com efeito, há três modos de reinar; 1) o dos
caudilhos e políticos, 2) o dos gênios da inteligência, 3) o dos santos.  Ora Jesus escolheu a terceira e mais sublime
maneira de se impor : a da santidade.

“Sem bens, sem manifestação
exterior de ciência.  Ele acha-se em sua
ordem de santidade.  Não dominou, nada
inventou.  Foi, porém, humilde, paciente,
santo, santo para Deus, terrível para os demônios, sem nenhum pecado.  Teria sido inútil que Ele, para ser glorioso
em seu reino de santidade, tivesse vindo como Rei terreno.  Mas veio com toda a glória de sua ordem”
(Pascal, citado à p. 99).

Vêm ao caso também as
palavras de Pascal, entre as quais Messori intercala os seus parênteses:

“Todos os corpos juntos (a
grandeza de César) e todas as inteligências juntas (a grandeza dos sábios, de
Arquimedes e de Aristóteles) todas as suas produções não valem o menor
movimento de caridade, isto pertence a uma ordem (justamente aquela em que Jesus se move)
infinitamente mais elevada” (p. 99).

Incutindo aos homens a ordem
de valores aparentemente mais frágil, Jesus realizou uma obra que atravessa os
séculos e não passará.  É o que atestam
pensadores não cristãos abaixo aduzidos:

Benedetto Croce, filósofo
italiano liberal (+ 1912), observava: “O Cristianismo foi a maior revolução que
a humanidade jamais realizou”.

Paul Louis Couchoud, médico
francês que negava a própria existência de Jesus (que ele concebia como figura
mitológica), escrevia no início do século XX:

“As proporções de Jesus
estão além de qualquer comparação; sua ordem de grandeza mal é concebível.  A história do Ocidente, do Império Romano em
diante, ordena-se em torno de um fato central, de um evento gerador : a
representação coletiva de Jesus e de sua morte. 
O resto saiu daí ou a isso se adaptou. 
Tudo o que se fez no Ocidente no correr de tantos séculos, fez-se à sombra
gigantesca da cruz”.

Acrescentava Renan (+ 1892),
o incrédulo historiador:

“Arrancar do mundo o nome de
Jesus seria o mesmo que abalá-lo nos fundamentos”.

Por último, seja citado
também Hélio Vittorini, autor de “Politecnico”, pensador neutro em matéria de
religião:

“Como cultura, Cristo não é
menos importante do que como fé ou vida dos fiéis.  Nada de quanto os homens disseram de novo ou
concreto ou mesmo apenas útil depois dele, foi dito em contraste com Ele”.

1.3.  “A plenitude de
tempo”   (pp. 103-133)

O momento histórico em que Jesus veio ao mundo,
chamado bíblicamente “plenitude dos tempos” (cf. Gl. 4,4), é marcado por fatos
importantes da história universal, que dão testemunho de expectativa
generalizada entre os povos civilizados. 
Com efeito,

Subjugados por estrangeiros
desde 587 a.C.,
os judeus do século I a.C. viviam na férvida expectativa de que o Messias
viesse quanto antes: vários falsos Messias se apresentavam, todavia sem
conseguir impor-se.

Uma facção de judeus ditos
“essênios” retirara-se para Qumran (deserto de Judá), a fim de esperar em
penitência e oração Aquela que havia de vir.

Na Mesopotâmia, os
astrólogos (quase certamente os magos de Mateus 2) esperavam o nascimento do
“Dominador do Mundo” a partir do ano 7 a.C., ano em que provavelmente Jesus deve ter
nascido. E por que assim esperavam ? – O calendário estelar de Sippar (cidade
às margens do Eufrates, sede de importante escola de astrologia), publicado
pela primeira vez em 1925, indica todas as conjunções de astros do ano 7 a.C.; ora a conjunção de
Júpiter e Saturno na constelação de Peixes devia, conforme o calendário,
verificar-se por três vezes: a 29 de maio, a 1º de outubro e a 5 de
dezembro.  Cumpre notar que tal conjunção
só se verifica uma vez em 194 anos; todavia em 7 a.C. deu-se três vezes;
provoca sempre luz intensa e deslumbrante no céu estrelado (luz que alguns
comentaristas querem identificar com a da “estrela” que apareceu aos magos no
Oriente, conforme Mt 2, 2.9).  A
conjunção de Júpiter e Saturno em 7
a.C. foi confirmada pelos astrônomos contemporâneos.

Aliás, na Mesopotâmia como
em todo o Oriente antigo, se esperava um Messias que devia vir de Israel.

Também os escritores latinos
do início da era cristã atestaram a expectativa de Alguém que havia de se
manifestar a partir de Israel.  Assim,
por exemplo, escreve Tácito (+ 120
a.C.):

“Muitos estavam persuadidos
de que constava das antigas escrituras dos sacerdotes que por esse tempo o
poder do Oriente subiria.  E da Judéia
viriam os dominadores do mundo”.

Suetônio (+ 140 d.C.), por
sua vez, refere :

“Aumentava em todo o Oriente
a antiga e constante opinião de que estava escrito no destino do mundo que da
Judéia viriam naquele tempo, os dominadores do mundo”  (Vida de Vespasiano).

Esse dominador (não político
nem militar) do mundo não seria o Cristo Jesus, cuja mensagem berçou a
civilização ocidental ou mesmo mundial ?

Trata-se agora de considerar
diretamente o fenômeno “Jesus” e tentar explicá-lo: uns o fazem aplicando-lhe
unicamente as luzes da razão; outros, verificando que estas são insuficientes
para elucidá-lo satisfatoriamente, admitem a transcendência de fatos que
aceitam pela fé1.

“Três hipóteses  (pp. 135-165)

Diante do fenômeno (ou
problema) Jesus os estudiosos propuseram três atitudes (e não é possível uma
quarta): duas negativas e uma afirmativa. 
As duas que negam, são:  1) a do
endeusamento de um homem e 2) a do mito. 
A que afirma, é a posição da fé.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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