Estas palavras caracterizam
a conclusão do longo estudo de V. Messori, que procura, sim, auscultar
sinceramente todas as explicações racionalizas dadas ao fenômeno cristão, para
finalmente chegar à evidência de que nenhuma elucida satisfatoriamente o fato
“Cristianismo em suas origens e em sua história”. O fenômeno “Cristianismo” não se entende se não se admite nas suas
raízes e na sua continuidade uma real intervenção do Senhor Deus, que torna o
Cristianismo excelente e singular entre todas as demais correntes
religiosas. Se algo de censurável
ocorreu ou ocorre na história do Cristianismo, isto se deve não à mensagem
cristã, mas aos homens cristãos, que nem sempre foram ou não são a expressão
autêntica do Evangelho. Os escândalos
produzidos na história do Cristianismo ocorreram precisamente na medida em que
os homens não foram cristãos ou agiram à revelia dos ditames evangélicos.
Algumas reflexões sobre o livro
Procuremos avaliar o livro
de V. Messori.
Em favor…
Em seu conjunto, a obra é
valiosa, pelo fato de que o autor tenta prescindir da fé para encarar o
Cristianismo como o consideram os racionalizas (ou como podem ser tentados a
considerá-lo muitos cristãos), a fim de verificar se a fé tradicional não
resulta de certo bitolamento ou obscurantismo preconcebido.
Desempenhando sincera e
lealmente o seu papel, o autor mostra que o fato cristão supõe realmente a manifestação
de Deus aos homens em
Jesus Cristo; quem não admita o portento dessa manifestação,
terá que admitir outro milagre ainda mais retumbante, a saber: a mentira, a
fraude, a doença mental, a alucinação de pescadores da Galiléia seriam o
pedestal de vinte séculos de Cristianismo … do Cristianismo que berçou e
marcou a civilização ocidental ou mundial.
Ora aceitar esta outra hipótese significa ter fé maior e menos plausível
ou credenciada do que a fé dos cristãos propriamente ditos. Ainda é preferível este tipo de fé, que os
racionalistas, sem querer, propõem aos seus clientes.
Assim concebido, o livro de
Messori atende a ampla faixa de leitores.
Verdade é que não aborda diretamente a crítica dos Evangelhos movida
pelas mais recentes escolas exegéticas de Bultmann (a de-mitização, Entemvhologisierung)
e outros autores – o que seria objeto de livro de igual espessura1.
A bibliografia brasileira
precisava de um estudo como o de Messori, que é paralelo ao que Jean Guitton
publicou em francês com o título “Jesus”.
O êxito do trabalho de Messori pode ser aferido pelo fato de que foi
traduzido para oito idiomas, conta dezoito edições e mais de 240.000 exemplares
vendidos.
Mas …
A obra de Messori tem
desconcertado certos leitores católicos … E por que ?
Talvez por dois motivos :
Um de linguagem
jornalística, que é sempre provocadora e, por vezes, sensacionalista. Seriam desejáveis mais precisão e cuidado em
certas passagens do livro; assim
– no capítulo 2 (“Um Deus
escondido e incômodo”) o autor parece acentuar demais o ocultamente de Deus e a
insuficiência da razão natural para elaborar uma certa teologia. Afirmamos, sim, que o mistério íntimo de Deus
(a SS. Trindade) é insondável ao intelecto humano, mas cremos que a razão de
todo homem, isenta de paixões e preconceitos, pode descobrir Deus e alguns de
seus predicados, como lembrou o Concílio do Vaticano I em 1870);
– à p. 49, nota 3, o autor
não é muito feliz quando fala da filosofia grega e da sua influência sobre
“muitos teólogos cristãos”;
– à p. 51, o autor refere-se
com sarcasmo leve, mas inoportuno, à Concordata existente entre a Santa Sé e o
Governo Italiano;
– à p. 72, as palavras de
Messori parecem menosprezar o fato de que Jesus descende de Davi;
– à 344, o escritor não
aprecia suficientemente a resposta que a teologia sistemática costuma dar ao
problema do mal.
O livro poderia ser mais
conciso e sistemático (o que não quer dizer que não tenha planejamento
lógico). Isto facilitaria grandemente a
tarefa do leitor, que às vezes pode sentir-se fatigado pelas repetições e os
cruzamentos de idéias que cá ou lá encontra na obra. O essencial do livro parece-nos consistir nos
capítulos 5,6 e 7 (pp. 135-283).
É para desejar que, não
obstante estes senões, a obra de V. Messori continue a encontrar a merecida
aceitação do público estudioso, ao qual está destinada a oferecer importante
subsídio.
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1 “Aprendam pelo menos qual
a fé que rejeitam, antes de rejeitá-la” (Blaise Pascal, citado à p. 27).
1 Oportunamente observa V.
Messori:
“Manter-nos-emos a todo
custo longe do erro daqueles que, para suscitar a fé, apelam para argumentos de
fé” (p. 60).
2 A palavra Cristo vem do grego Christós, ungido, e
corresponde a Mashah = Messias, em hebraico.
3 “Pelo ano 250, um escritor
cristão, Orígenes, estima em mais de 150 mil os judeus cristãos. E é provável que Orígenes fale apenas dos
recém-convertidos… Se esta cifra é válida, trata-se de percentagem bastante
elevada”. (p. 62).
1 “O último passo da razão
pode consistir em reconhecer a existência de uma infinidade de coisas que a
superam” (p. 145).
1 Espécimen assaz
significativo de racionalismo dogmático é a seguinte declaração de Ernest
Hauvet, famoso crítico dos Evangelhos :
“O primeiro dever que nos impõe o princípio racionalista, que é o
fundamento de toda crítica, é afastar da vida de Jesus o sobrenatural. Isto varre todos os milagres do Evangelho com
uma só vassourada. Quando a crítica recusa
crer em narrativas miraculosas, não tem necessidade de aduzir provas para
sufragar sua negação: o que é narrado é falso pela simples razão de não poder
ter acontecido”. (citado por V. Messori,
pp. 154s).
1 Com outras palavras
dir-se-ia: o Jesus da fé é o próprio Jesus da história.
2 Julga-se que a redação do
texto dos Evangelhos que hoje lemos, se deu entre os anos de 50 a 100.
1 Jesus a ignorava como
homem ou como mestre, visto que não estava dentro de sua missão revelá-la aos
homens.
2 Jesus respondeu
precisamente: “Por que me chamas bom ?
Ninguém é bom senão Deus só” (Mc
10,18). Com estas palavras Jesus queria
levar até as últimas conseqüências o pensamento do jovem que o interpelava: se
este O chamava bom, predicado que não se atribuía a um rabino, mas a Deus
somente, compreendesse que Jesus era mais do que um rabino, mas era o próprio
Deus.
1 As palavras do Senhor
assim consignadas se coaduram com a missão universal que Jesus mesmo confiou
aos Apóstolos em Mt 28, 12-20: significam a primeira etapa da pregação do
Evangelho; este deveria ser apregoado primeiramente aos judeus e depois, aos
não judeus.
1 Os evangelistas guardam
silêncio ao menos sobre nove décimos da vida de Jesus. Isto se deve não ao fato de nada saberem
sobre tal período nem a uma pretensa viagem de Jesus ao Oriente remoto (India,
Tibé …) ou ao Egito, mas simplesmente ao fato de que os Evangelhos não são
relatos biográficos; vem a ser tão somente o eco da pregação dos Apóstolos, que
enfatizava a Paixão e a Ressurreição do Senhor como acontecimentos salvíficos,
e a vida pública de Jesus como fundo de cena inseparável da última Páscoa de
Cristo.