Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 492 – Ano 2003 – p.
279
Em síntese: A gravidez ectópica
há de ser tratada à luz do princípio da causa com duplo efeito: o médico nada
faz que mate diretamente a criança, mas extirpa a trompa afetada como
extirparia qualquer órgão afetado, independentemente de estar grávido ou não.
Visa à saúde da mulher e tolera a perda da criança – o que é diferente do que
se dá no caso do aborto (homicídio direto).
A gravidez ectópica ou tubária
ocorre quando o feto se localiza não no útero da gestante, mas na trompa de Falópio,
causando grave perigo de morte para a mulher.
A propósito escreveu a PR um
jovem médico recém-formado:
“O problema é o seguinte:
nos casos em que uma gestante tenha algum problema de saúde que coloque sua
vida em risco, sei que não é lícito provocar aborto. Sei também que, por outro
lado, é lícito em alguns casos tratar a afecção da mãe, mesmo que um efeito
colateral não desejado da terapia seja a perda da gestação, por exemplo,
extirpar um tumor uterino. Chama-se a isto um ato voluntário indireto.
Entretanto, não sei o que
fazer nos casos em que ocorre gestação ectópica tubária. Trata-se de uma situação
em que é praticamente impossível a sobrevivência do concepto, e em que existe
uma chance enorme de rotura da trompa, com morte tanto deste como da mãe”.
QUE DIZER?
O missivista distingue
sabiamente o aborto propriamente dito e o que alguns autores chamam “aborto
indireto”.
O aborto propriamente dito é
algo que visa a matar diretamente a criança. Há vários modos de o fazer, todos
condenáveis, porque são homicídio. Todavia existem casos em que um procedimento médico destinado a debelar uma
moléstia da mulher grávida redunda em perda da respectiva prole, É o que ocorre
com um útero canceroso e grávido; o médico que deseja tratar da gestante, fará
o que é costume fazer diante de um câncer: extirpará o órgão canceroso (no
caso, o útero), acelerando o efeito indireto ou a morte da criança. – Tal operação
é lícita e justificada pelo princípio da causa com duplo efeito, princípio que
assim se pode enunciar.
Existem certas ações que
produzem dois efeitos: um bom e o outro mau. Ora é lícito praticar tais atos
desde que se preencham as seguintes condições:
1) o efeito bom seja
diretamente intencionado; o efeito mau seja apenas tolerado;
2) o efeito mau não seja
anterior ao efeito bom, pois não se devem cometer males para daí tirar algum
bem. O fim não justifica os meios maus;
3) o efeito bom sobrepuje,
por seus valores e sua densidade, o efeito mau;
4) não haja outro recurso
para obter o efeito bom.
Tal princípio legitima tanto
a extração do útero grávido canceroso quanto a extração da trompa ameaçada de
fortes hemorragias e ruptura. Em nenhum desses casos o médico realiza algo para
matar diretamente a criança, o seu procedimento visa tão somente à mãe e à
terapia que, independentemente da gravidez, lhe deveria ser aplicada.
Para maior clareza, notemos
bem que este procedimento difere essencialmente daquele outro, em que o médico
julga que a presença da criança dificulta o tratamento da mãe cardiopata,
turbeculosa, varicosa… e, por isto, mata a criança.
O missivista tinha, pois,
razão ao afirmar a liceidade da extração de um tumor no útero grávido. Estenda
seu arrazoado ao caso da gravidez e intervenha de consciência tranquila,
extirpando o mal.