A
reconciliação pelo sacramento da penitência – que abriria o caminho ao
sacramento eucarístico – pode ser concedida àqueles que, arrependidos de ter
violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de
vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimônio. Isto tem
como conseqüência concretamente, que,
quando o homem e a mulher; por motivos sérios – quais, por exemplo, a educação
dos filhos – não se podem separar; assumem a obrigação de viver em plena
continência isto é, de abster-se dos atos próprios dos conjuges” 1.
Em suma, o
livro reflete o ânimo de quem sente profundamente o problema dos casais infeliz
e os quer ajudar, baseando-se na misericórdia divina. Todavia cede ao
subjetivismo, que menospreza não somente leis objetivas da Igreja, mas também
as normas do Evangelho, como se verá sob o subtítulo seguinte.
2.
OBSERVAÇÕES
O livro do
Pe. Hãring não pode deixar de sugerir algumas ponderações, pois toca em
pontos-chaves da vida cristã.
1) Antes do
mais, notemos que o autor tem boa intenção, procurando, de um lado, manter-se
fiel à Igreja e, de outro lado, atender aos casos de matrimônios infelizes:
“Aqueles que buscam conselho e aquele ou aqueles que o dão, buscam a maior
fidelidade possível ao mandamento final do matrimônio indissolúvel, mas
completamente dentro do mandamento final ainda mais amplo: ‘Sede
misericordiosos como vosso Pai do céu”‘ (p. 55).
Todavia a
maneira como o Pe. Hãring concebe essa fidelidade ao preceito do matrimônio
indissolúvel, anula propriamente a fidelidade, como se verá a seguir.
2) Em nome
da misericórdia, Hãring chega a legitimar a dissolução de qualquer matrimônio
fracassado. Basta que os esposos divorciados tenham a convicção pessoal de que
“o seu primeiro matrimônio era inválido de antemão e estava condenado ao
fracasso; deveriam então ter a faculdade de voltar a se casar no Senhor”
(p. 66).
A esta
afirmação podem-se fazer duas ponderações:
– a
misericórdia nunca deve ser tal que permita ou legitime uma Infração da lei de
Deus; ora a indissolubilidade do matrimônio decorre da lei de Deus; cf. Mc
10,11
1 A mesma doutrina foi reafirmada pela
Congregação para a Doutrina da Fé em Carta datada de 14/9/94.
“Todo
aquele que repudiar a sua mulher e desposar outra, comete adultério contra a
primeira; e, se essa repudiar o seu marido e desposar outro, comete
adultério”.
Ver,
outrossim, Lc 16, 18; Mt 5, 32; 19, 9; 1Cor 7,11:
– a
nulidade do matrimônio, devidamente avaliada ou comprovada, permite, sim, a
separação dos cônjuges com novas núpcias. Mas essa nulidade há de ser objetiva
e lealmente demonstrada, para que não venha a acontecer que um adultério (o
segundo enlace) passe por legítimo casamento. O tuciorismo, no caso, tem plena
razão de ser, porque se trata do dilema “Virtude ou Pecado?”; não é
lícito, em hipótese nenhuma, aceitar o risco de cometer um pecado; quem aceita
tal risco, já está pecando. Com outras palavras: quem quer legitimar um novo
casamento sem ter certeza de que o primeiro foi nulo, está aceitando legitimar
talvez um adultério; ora nunca me é lícito praticar um ato cuja identidade
ignoro ou que possa ser um pecado grave. Paralelamente nunca me é lícito dar a
um enfermo um remédio que possa ser contra-indicado; não basta a probabilidade
nem a certeza subjetiva de que não é contra-indicado; devo chegar à certeza de
que o remédio aplicado é o remédio certo, pois está em risco a saúde ou a vida
de um ser humano.
3) Para o
Pe. Hãring, como dizíamos, a convicção subjetiva dos Interessados sem o apoio
de provas objetivas, é suficiente para se contraírem novas núpcias. Tal
subjetivismo é apto a esvaziar e burlar toda e qualquer lei. É princípio que
torna impossível a vida dos homens em sociedade, pois a vida social requer
normas objetivas, que todos possam compreender, avaliar, e às quais todos
possam igualmente referisse. Se falta uma legislação social objetiva, a
sociedade se torna caótica, e disto são responsáveis aqueles que, por
“condescendência misericordiosa”, solapam o bem comum.
Mesmo que
alguém esteja sinceramente convicto de que seu matrimônio foi nulo, ainda não
se pode dizer que de fato ele foi inválido, pois a realidade das coisas não
depende da sinceridade das convicções. Alguém pode estar sinceramente convicto
de algo que não seja verdade.
Notemos
outrossim que a epiquéia é uma virtude que julga se, em tais ou tais
circunstâncias particulares, a norma objetiva obriga ou não obriga a pessoa.
Ora o juízo sobre a validade de um casamento não é um juízo de epiquéia; não é
um juízo sobre a aplicação ou não de determinada lei. É, antes, a verificação
de um fato: a união entre tal homem e tal mulher foi realmente um casamento ou
teve apenas a aparência de casamento? Doutro lado, a epiquéia (a dispensa da
lei) não pode ser aplicada quando a lei em foco não admite exceção, como é a
lei que proíbe o adultério.
4) O Pe.
Haring insiste em distinguir entre uma Moral legalista (como seria a da Igreja)
e uma Moral evangélica, que se inspira principalmente no amor e na misericórdia
de Deus (pp. 63-65). – A propósito observamos: “legalismo” é
aplicação cega de leis que ignora que a lei é para o homem e não o homem para a
lei; isto não é cristão. A Igreja não é legalista, pois ela conhece a dispensa
e a epiquéia; todavia ela insiste na observância de leis, mesmo quando penosas,
desde que redundem no bem do próprio homem; nem tudo o que é oneroso, deve ser
rejeitado; o bem particular e o bem comum pedem a fidelidade a deveres que
possam exigir algum sacrifício.
5) O Pe.
Häring afirma: “Hoje o direito ao matrimônio e a formar uma família é
considerado e sentido como um dos direitos humanos mais fundamentais” (p.
66). Daí se seguiria que segundas núpcias constituem um direito impreterível
(ou quase) para toda pessoa infeliz em seu primeiro casamento.
–
Respondemos: a perspectiva do Senhor no Evangelho é outra.
Com efeito,
em Mt 19, 12 diz Jesus:
“Há
eunucos que nascem tais desde o ventre materno. E há eunucos que foram feitos
eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino
dos céus”.
Os eunucos
que se fizeram tais por causa do Reino dos Céus, não são os que voluntariamente
abraçam o celibato. Na verdade, os antecedentes do texto falam da
indissolubilidade do matrimônio.. .Indissolubilidade que espanta os Apóstolos
aponto de exclamarem que, nessas condições, é melhor não se casar. Jesus não
Ihes respondeu positivamente, mas insistiu na sua proposição: deu a entender
que uma pessoa infeliz em seu casamento deve passar a viver como eunuco por
causa do Reino dos Céus. O terceiro tipo de eunuco, portanto, é o daqueles que,
não conseguindo viver seu matrimônio, são chamados à vida una por amor do Reino
dos Céus! A tal ponto chega a radicalidade do Evangelho, que certamente não é
bonachão
6) O
ecumenismo ou a aproximação dos cristãos separados não há
de ser cultivado
mediante derrogação à verdade revelada por Jesus Cristo. A genuína caridade não
pisoteia a verdade, mas, ao contrário, respeita-a, como diz São Paulo:
“Seguireis a verdade em amor” (Ef 4,15).
Hãring
insiste em que os católicos têm que aprender dos demais cristãos…
Não há
dúvida, mas isto não há de ser feito indistintamente; além do quê, a recíproca
também é verdadeira.
7) O
recurso à autoridade de S. Afonso Maria de Ligório (t 1787), freqüente no livro
em foco, toma características incompatíveis com a Moral católica. S. Afonso não
abonaria o pensamento do Pe. Hãring, muito marcado pelo subjetivismo e a
crítica à autoridade da Igreja.
Eis por que
lamentamos a publicação de tal obra não somente em sua língua original alemã,
mas em diversas traduções, propensas a disseminar incertezas e desordem (ou
mesmo subversão) na praxe pastoral da Igreja. Aos divorciados a Igreja dedica
especial solicitude expressa nas palavras da Exortação Apostólica Familiaris
Consortio :
“Exorto
vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a ajudar os divorciados,
promovendo com caridade solícita que eles não se considerem separados da
Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto batizados, participar da sua vida.
Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o Sacrifício da Missa,
a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da
comunidade em favor da justiça, a educaros filhos na fé cristã, 1 a cultivar o espírito e as
obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por
eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se mãe misericordiosa e sustente-os na fé e
na esperança” (nO 84).
É para
desejar que tais normas mais e mais reconfortem os fiéis cuja vida conjugal
fracassou e cuja fidelidade a Cristo e à Igreja permanece inabalável.
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1
Precisamente esta norma implica que os pais não casados na Igreja peçam o
Batismo para seus filhos e significa outrossim que os clérigos não devem
recusar o Batismo desses pequeninos, desde que haja certeza moral ou esperança
fundamentada de que receberão instrução religiosa. O que importa, no caso, não
é o tipo de vida dos pais, mas a formação religiosa dos filhos. (Nota do
Redator).