Exigências cristãs de uma ordem política

Documento aprovado pela XV Assembléia Geral da CNBB

Itaici. 8 a 17 de fevereiro de 1977

INTRODUÇÃO
Por ocasião do 25 ° aniversário da CNBB, no décimo aniversário da ´Populorum Progressio´, reunidos em nossa 15:a Assembléia Geral, nós, bispos do Brasil, como Pastores do Povo de Deus, muito embora reconhecendo nossas limitações e fraquezas, sentimonos no direito e no dever de fazer chegar nossa palavra a esse mesmo Povo, porque todos somos chamados a construir uma Nação sempre mais justa, sempre mais fraterna, e, por isto mesmo, sempre mais cristã. Em outros momentos difíceis temos nos pronunciado. Também agora julgamos dever pronunciar´nos, enunciando princípios éticos e cristãos que possam facilitar e orientar o encaminhamento de soluções cristãs para problemas que preocupam o nosso País. Pastores da Igreja, pretendemos apenas que nossas palavras, inspiradas unicamente no amor que nos une a Deus e em Deus a nossos irmãos, sejam fraternas, claras e justas na enunciação das exigências cristãs de uma ordem política.
A SALVAÇÃO INAUGURADA POR CRISTO
´O próprio Verbo Encarnado… entrou, como homem perfeito, na história do mundo assumindo´a e recapitulando´a… O seu Reino já está presente em mistério aqui na terra. Chegando o Senhor, ele se consumará´ [G.S. n.&127;s 38, 39).
1. Comunicando´se aos homens de muitas maneiras, Deus o fez principalmente através de seu próprio Filho (Nb 1,1´2), que se tornou nosso irmão. O mìstério da Encarnação confere assim, a todos os homens, sem discriminação, uma dignidade nova e inalienável: todos são chamados a um destino eterno, prefigurado na Ressurreição de Jesus.
2. Pela presença de Cristo Jesus na História humana, toda ela assume o sentido pleno de realização do desígnio salvador de Deus. A salvação torna´se, deste modo, a única ordem real. A partir dela, todo mal é pecado ou conseqüência do pecado, e todo bem é fruto da graça. Toda ação humana tem, assim, uma referência objetiva à salvação.

A MISSÃO DA IGREJA
´No campo social a Igreja sempre teve uma dupla preocupação: iluminar os espíritos… e entrar na ação para difundìr as energias do Evangelho´ [Oct. Adv., n ´ 48).
3. Jesus mandou que a Igreja anunciasse e promovesse a salvação. Em plenitude ela será vivida na casa do Pai. Mas já deve começar aqui na terra a manifestar os seus frutos pelo amor e pela fraternidade. No desempenho de sua missão, a exemplo de Jesus, a Igreja tem que se comprometer com todos os homens, especialmente com os pobres (Ml 11, 5; Lc 4,18), cuja situação de miséria é eloqüente testerW nho do pecado que se instala no coração do homem, contaminando toda a sua vida individual, familiar e social (G.S., n ° 13).
4. Realizando a sua missão, a Igreja busca orientarse pelos critérios da Fé, que complementam os postulados da razão e natureza humana. Mostra o sentido último do homem e do mundo à luz da Ressurreição de Cristo, manifestação definitiva do sentido da História. Para a Igreja, a Fé deve ordenar toda a vida do homem e todas as suas atividades, também as que se referem à ordem política.
5. A ordem política está sujeita à ordem moral. A Igreja, iluminada pela Fé, procura definir com sempre maior clareza as exigências que da ordem moral decorrem para a ordem política. Nós, Pastores, temos consciência de não estarmos exorbitando de nossa missão, quando proclamamos estas exigências e exortamos os cristãos a assumirem sua função específica na construção da sociedade de acordo com estes princípios.
6. Salvag&127;lardando a legítima autonomia das realidades terrestres, sabemos que não nos compete agir diretamente sobre as estruturas, mas iluminá´Ias e formar a consciência dos homens. Temos a convicção de cumprir um dever e prestar um serviço, formulando as exigências morais, indicando as contradições entre essas exigências e a realidade e, sem pretender fazer um balanço crítico da mesma, alertar para os riscos, estimular o que há de bom e posìtivo, encorajando o esforço de todos os que se empenham na realização de modelos cada vez mais adequados àquelas exigências.

O HOMEM SER SOCIAL
´Ser social, o homem constrói o seu destino numa série de grupos particulares… que reclamam uma sociedade mais ampla… a sociedade política´ (Oct. Adv., n.° 24).
7. O homem, criado por Deus, é um ser naturalmente social. Precisa associar´se a seus semelhantes para criar &127;os bens indispensáveis ao seu desenvolvimento normal.
8. Alguns destes bens Ihe são garantidos pelo grupo familiar ou sociedade doméstica; outros Ihe são garantidos pelas mais diversas instituições ou formas de associação por ele livremente criadas para responderem a suas necessidades de natureza econõmica, social, cultural e religiosa.

A ORIGEM DA SOCIEDADE POLÍTICA
9. Além destas necessidades específicas, as pessoas, as famílias, as instituições experimentam urgentes necessidades de caráter mais geral, como a necessidade de paz baseada na justiça, de segurança, de ordem e de estímulo para o desempenho normal de suas atividades em vista do bem comum.
10. Para atender a estas necessidades de caráter mais geral, os homens associam´se em comunidades mais amplas e criam a sociedade política, representada pelo Estado, responsável, assim, pelo bem comum geral ou pelo bem público dos indivíduos, das famílias e das instituícões.
11. O Estado, em sua acepção moderna, como organização da autoridade política; é uma instância relativamente recente na história da evolução da humanidade; muito antes dele, já existiam pessoas humanas, famílias e instituições, com deveres e obrigações definidas e com direitos naturais e inalienáveis.

OS MODELOS
´Diversos modelos de uma sociedade democrática já foram experimentados. Nenhum deles satisfaz plenamente, e a busca continua´ (Oct. Adv., n ´ 24).
12. Nenhum modelo é perfeito ou definitivo; por isso, todos são questionáveis e precisam ser continuamente aperfeiçoados. Impede´se o diálogo autêntico quarrdo os regimes se pretendem inquestionáveis e repelem quaisquer reformas além daquelas por eles mesmos outorgadas. A Igreja não pode, assim, aceitar a acusação de intromissão indébita ou de subversão, quando, no exercício da missão evangelizadora, denuncia o pecado, questiona aspectos éticos de um sistema ou modelo e alerta contra o perigo de um sistema vir a se constituir a própria razão de ser do Estado.
13. A Igreja, pela sua hierarquia, não se atribui funções que não Ihe competem, nem propõe estratégias ou modelos alternativos, mas anuncia alguns princípios básicos visando ao aperfeiçoamento dos modelos. Entretanto, a fé não pode ser instrumentalizada a serviço de uma ideologia, nem o cristianismo reduzido a um fenômeno cultural, em nome de cujos valores se pretenda falar para justificar doutrinas que Ihe são alheias, ideologias ou modelos.

DIREITOS E DEVERES DO ESTADO
´O poder político… deve ter como finalidade a realização do bem comum no respeito às legitimas liberdades dos indivíduos, das famílias e dos grupos subsidiários´ (Oct. Adv., n´ 46).
14. Não é o Estado que outorga esses direitos às pessoas, às famílias e aos grupos ìntermédios. Ao Estado, como instituição fundada na própria natureza social dos homens, compete a realização de um bem comum que, eles isoladamente, não poderiam alcançar e que constitui, portanto, a própria razão de ser do Estado.
15. No nível dos fins, o Estado ordena´se à pessoa. Essa, como sujeito de direitos naturaìs inalienáveis, é origem, centro e fim da sociedade. No nível da execução deste fim, as pessoas subordinam´se ao Estado, que dispõe de autoridade para urgir a colaboração de todos no esforço comum. Em virtude desta autoridade, que tem sua justificação nos planos de Deus, sendo o homem ´por sua natureza íntìma, um ser social´ (G.S., n ° 12), o Estado pode tudo aquilo e só aquilo que é exigido e útil para a realização do bem comum.
16. É dever do Estado respeitar, defender e promover os direitos das pessoas, das famílias e das instituições. Toda ação exercida sobre elas pelo Estado deve fundar´se no direito que deriva de sua responsabilidade pelo bem comum.
17. É nesse direito que se funda a força da autoridade do Estado. Toda força exercida à margem e fora do direito é violência. Um Estado de direito se caracteriza, pois, por uma situação jurídica estável, na qual as pessoas, as famílias e as instituições gozam de seus direitos, e têm possibilidades concretas e garantias jurídicas eficazes para defendê´tos e reivindicá´tos legalmente.
18. Assim como a Igreja deve respeitar os direitos naturais e inerentes ao Estado legitimamente constituído, igualmente o Estado tem o dever de respeitar a liberdade religìosa das pessoas, bem como o direito divino que a Igreja tem de anunciar o Evangelho, sem constituir´se em árbìtro da ortodoxia da doutrina por ela anunciada.

DEVERES´DAS PESSOAS PARA COM O ESTADO
´Entre os deveres de todos os cidadãos é preciso lembrar o dever de prestar à Nação os serviços… exigidos pelo bem comum´ (G.S., n ´ 75).
19. Em correlação com seus direitos, e na medida em que eles forem assegurados pelo Estado, as pes´´ soas e os grupos tém também deveres cívicos e morais para com a comunidade política, representada pelo Estado. Tais deveres se exprimem em todas as justas prestações exigidas pelo Estado para a realização do bem comum, tais como: os deveres políticos, os deveres fiscais e o reconhecimento das autoridades legitimamente constìtuídas e conseqüente obrigação de respeito e obediéncia às mesmas.
Não pode, porém, o Estado impor deveres que ferem direitos fundamentais da pessoa humana.

O BEM COMUM
´O bem comum compreende o conjunto das condições de vida que permitam aos homens, às famílias e às instituições conseguir… a ,própria perfeição´ (G.S., n.° 74).
20. O bem comum é o conjunto de condições concretas que permitam a todos atingir níveis de vida compatíveis com a dignidade humana. Assim, a característica essencial do bem comum é, precisamente, que seja comum a todos, sem discrimínações culturais, sociais, religiosas, raciais, econõmicas, políticas ;ou partidárias.
21. De acordo com o princípio da subsidiariedade, compete ao Estado promover os grupos intermediários e não se substituir a eles, nem limitar´Ihes as iniciativas que não são contrárias ao bem comum. Sem a mediação das instituições, as pessoas ficariam facìlmente expostas ao arbítrio do Estado, que, assim, ou destruiria as instituições ou as reduziria à condição de meros transmissores das exigências e da ideologia de um sistema.

A MARGINALIZAÇÃO COMO NEGAÇÃO DO BEM COMUM
´Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos´ [Pop. Progr., n ° 33).
22. A existência, em vastas regiões, do fenômeno da margìnalização é prova da não realização do bem comum; entre outras causas, a marginalização tende a crescer na medida em que as grandes decisões são tomadas em funcão dos interesses de classes ou grupos e não em função dos interesses de todo o povo.
23. A margìnalização manifesta´se através de situações que favorecem aos beneficiáríos privilegiados do despojamento, da paciência e da miséria dos outros. Ser marginalizado é ser mantido fora, à margem; é receber um salárìo injusto, é ser privado de instrução, de atendimento médico, de crédito; é passar fome, é habitar em barracos sórdidos, é ser privado da terra por estruturas agrárias inadequadas e injustas. `Ser marginalizado é, sobretudo, não poder libertar´se destas situações. Ser marginalizado é não poder participar livremente do processo de criatividade que forja a cultura original de um povo. Ser marginalizado é não dispor de representatividade eficaz, para fazer chegar aos centros decisórios as próprias necessidades e aspirações; é ser contemplado, não como sujeìto de direitos, mas como objeto de favores outorgados na medida necessária à redução das reivindicações; é ser manipulado pela propaganda. Ser marginalìzado é não ter possibilidade de participar. É ser privado do reconhecimento da dignidade que Deus conferiu ao homem.
24. A correção destes males, que não são novos, é tarefa não só dos poderes públicos como de todas as instituições que possam contribuir para a educação do povo.

A PARTICIPAÇÂO
´Uma dupla aspiração do homem se exprime cada vez mais viva, na medida em que ele desenvolve sua informação e educação: aspiração à igualdade e aspiração à participação, duas formas de dignidade do homem e de sua liberdade´ [Oct. Adv., n ´ 24).
25. Estimular a participação consciente e responsável no processo político, social, cultural e econômico é um dever primordial do Estado. Tal participação constitui um dos elementos essenciais do bem comum e uma das formas fundamentais da aspiração nacional. A educação do povo é um pressuposto necessário para sua participação ativa e consciente na ordem política. Por sua missão divina, cabe à Igreja o direito e o dever de colaborar nesta tarefa. 26. A participação supõe e exige o direito de se reunir e de constituir associações, bem como o ´de conferir a essas associações a forma que a seus membros parecer mais idônea à finalìdade almejada´ (P. m T., n ° 23) , contanto que não atentem contra o bem comum.
27. A participação política é uma das formas mais nobres do compromisso a serviço dos outros e do bem comum. Ao contrário, a falta de educação política e a despolitização de um povo, e especialmente dos jovens, pela qual fossem reduzidos à condição de simples espectadores ou de atores de uma participacão meramente simbólìca, prepararia e consolidaria a alienação da liberdade do povo nas mãos da tecnocracia de um sistema.
28. A participação deve ser exercida e aceita com lealdade, mesmo quando, explicitando os anseios do povo e suas necessidades prementes, desempenhe uma função crítica construtiva.
29. A participação, embora diversificada, não pode ser discriminatória, aberta sem restrições a certos grupos e categorias sociais e limitada para outras categorias, como por exemplo, as dos estudantes, intelectuais, artistas, operários, lavradores e líderes populares.
30. A liberdade de discussão dos grandes problemas nacíonais, dentro do ideal democrático, é uma forma fundamental de participação nas sociedades políticas bem ordenadas. Só esta liberdade garante o direito à oposição, a possibilidade do debate sobre as alternativas do destino de uma Nação. Sem esta liberdade, o próprio direito de pensar gera suspeitas de ameaça à ordem pública, tornando´se objeto de ação repressiva. Uma censura arbitrária nesse campo não teria justificativas nas exigências do bem comum e levaria, rapidamente, à perda de credibilidade da parte do Estado como poder legal.
31. Só um povo convocado a participar do processo de seu desenvolvimento aceita com dignidade os sacrifícios exígidos, os quais, de outra forma, podem criar tensões e revoltas sociais, com agravamento do estado de violência, de repressão e de corrupção. 32. A participação se exercita através do uso responsável da liberdade, que é um direito inalienável e um dever para todos. Este uso não se confunde com a permissividade que deve ser coìbida precisamente em nome da liberdade e da ordem pública, visto que a permissividade precipita os homens e as famílias em formas degradantes de escravidão moral.

LIBERDADE E SEGURANÇA
´Trata´se de construir um mundo no qual a liberdade não seja uma palavra vã´ [Pop. Progr., n´ 47).
33. A segurança é um elemento indispensável do bem comum, na medida em que garante externamente as justas prerrogativas da soberania nacional e a independência econômica do País contra interferências indébìtas e garante internamente a tranqüilidade pública, a seqüência normal da vida da Nação e o gozo dos direitos fundamentais das pessoas, das famílias e das instituições.
34. A Igreja não contesta o direito de o Estado moderno elaborar uma política de segurança nacional. Tal política não colide com o ensinamento da Igreja quando a segurança leva, de fato, à verdadeira PAZ, como conseqüência positiva da colaboração entre os homens; quando a segurança define seus objetivos através do exercício de participação nacional; quando, enfim, a segurança vem a corresponder, plenamente, aos imperativos da ordem política e da ordem moral. 35. Ligada à realização do bem comum, a segurança é, essencialmente, um imperativo moral de sobrevivência da Nação, que reclama a cooperação consciente de todos os cidadãos. Entretanto, quando, em nome deste imperativo, o Estado restringe, arbitrariamente, os direitos fundamentais da pessoa, subverte o próprio fundamento da ordem moral e jurídica.&&
36. A segurança não deve ser o privìlégio de sistemas, classes e partidos; é uma responsabilidade do Estado a serviço de todos. Por isso não pode sacrificar direitos fundamentais para garantir interesses particulares.
37. A segurança, como bem de uma Nação, é incompatível com uma permanente insegurança do povo.
Esta se,configura em medidas arbitrárias de repressão, sem possibilidades de defesa, em internamentos compulsórios, em desaparecimentos inexplicáveis, em processos e inquéritos aviltantes, em atos de violência praticados pela valentia fácil do terrorismo clandestino e numa impunidade freqüente e quase total.
38. A segurança, como privilégio de um sistema, acabaria por constituir´se em fonte últìma de direito, criando, alterando e derrogando normas jurídicas em função dos interesses do próprio sístema. Aprofundar´se´ia, assim, um perigoso distanciamento entre o Estado e a Nação, entre o Estado identificado com um sistema e a Nação não participante, ou cuja participação tosse tolerada na medida em que sirva para fortalecer um sistema. Este distanciamento está na orìgem de todos os regimes totalitários de direita ou de esquerda, que são sempre a negação do bem comum e dos princípios cristâos.
39. Par melhores e mais bem intencionadas que sejam as pessoas que participam de um governo, dificilmente poderão se libertar dos seus princípios ideológicos. Vale a advertência de Paulo VI: ´O cristão haurirá nas fontes de sua fé e no ensino da Igreja os princípios e critérios oportunos, para evitar de deixar´se fascinar e depois aprisionar num sistema, cujas limitações e cujo totalitarismo ele se arriscará a ver, só quando é já demasiado tarde, se não se apercebe deles nas suas raízes´ (Oct. Adv., n° 36).

OS REGIMES DE EXCEÇÃO
Da ordem jurídíca desejada por Deus deriva o direito inalienável do homem a uma segurança jurídica protegida contra toda intrusão arbitrária´ (Pio XII, Natal, 1942).
40. Toda sociedade política atravessa momentos de crise, que podem ameaçá´Ia de desintegração. . A superação de tais momentos exige, por vezes, regimes de exceção, que reconstituam as condições normais de funcionamento de toda a sociedade. A lógica mesma destas condições exige que a exceção não se torne regra permanente e ilimitada.
41. Ovando se inspiram numa visão da ordem social concebida como vitória constante sobre a subversão ou uma incessante revolução interna tais regimes de exceção tendem a prolongar´se indefinidamente. Perde´se assim de vista que o desenvolvimento integral é que fornece os meios de proteção indispensáveis contra os riscos que ameaçam a ordem pública.

O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO
´O desenvolvimentoi não se reduz a um simples crescimento econõmico. Para ser autêntico, deve ser integral´ [Pop. Progr., n´ 14).
42. A resposta ao desafio do desenvolvimento resume as exigências concretas do bem comum, para os países subdesenvolvidos. Tal resposta implica obviamente num processo de mudança. Este processo, no entanto, está sujeito a imperativos éticos que subordinam o desenvolvimento ao objetivo fundamental do ser mais do homem e de todos os homens.
43. O desenvolvimento que responde às exigências do bem comum é o desenvolvimento integral, não apenas econômico, mas social, cultural e religioso. A experiência demonstra que o desenvolvimento econõmico não se traduz necessariamente em desenvolvimento social. O crescimento econômico a qualquer preço determina a concentração da renda em áreas geográficas limitadas e em estratos restritos da população, gerando assim, dentro da mesma Nação, contrastes de riqueza e de miséria que são por si próprios uma afronta à justiça e à eqüidade.
44. A promoção do desenvolvimento constitui um imperativo moral que obriga a todos da mesma forma que as exigências do bem comum. Ninguém pode furtar´se a essa obrigação.
45. O desafio do desenvolvimento impõe sacrifícios que, salvo em casos excepcionais, não são assumidos espontaneamente pela Nação. Nestas condições, um regime autoritário, que defere ao Poder Executivo maior iniciativa e rapidez de decisão, pode atender melhor às urgências do bem comum. Para que tal regime porém nâo sucumba ao risco de evoluir para regime totalitário, é indispensável que se preservem e respeitem a liberdade e a dìgnidade dos outros Poderes, do Legislativo e do Judiciário, no desempenho de suas funções constitucionais.
46. Todo desenvolvimento tem um preço social, mas é uma exigéncia ética indeclinável que esse preço seja justo, seja eqüitativamente distrìbuido e socialmente destinado. Tal preço não é justo quando nâo há equivalência entre o valor da prestação de cada um no esforço comum e o valor de sua participação na riqueza criada. Não é eqüitativamente distribuído, quando recai mais pesadamente e sem razão que o justifique sobre uma parte da Nação mais que sobre a outra. Não é socialmente destìnado, quando, sem se traduzir em vantagens proporcionais para promover as condições de vida do povo, dá ensejo à formação de classes privilegiadas.
47. O desenvolvimento integral, que responde às exigéncias do bem comum, não se mede apenas pelo crescimento quantitativo de valores mensuráveis; ele se mede também e principalmente por valores qualitativos não contábeis. Um povo se desenvolve quando cresce em liberdade e em participação, quando tem seus direitos respeitados ou ao menos dispõe de recursos primários de defesa, como os expressos no ´habeas corpos´, quando dispõe de sistemas que disciplinam e asseguram mecanismos de controle à ascendência do Executivo, quando pode contar com o respeito à representação das comunidades intermédias e ao direito de auto´organização das instituições sociais, como os partidos, os sindicatos e as universidades; quando seu direìto à informação e à circulação das idéias não é limitado por formas arbitrárias de censura; quando pode escolher com lìberdade aqueles aos quais delegue o exercícìo da autoridade. Desenvolver´se é participar com eqüidade nos resultados da `colaboração de todos, é poder viver na paz e na fraternidade, é poder alimentar esperanças fundadas de um futuro sempre melhor.

A COMUNIDADE INTERNACIONAL
°O desenvolvimento integral do homem não ,pode realizar´se sem o desenvolvimento solidárlo da humanidade´ [Pop. Progr. n´ 43).
48. As decisões políticas nâo podem ser ditadas por ambições hegemônicas, nem tampouco se ínspirar exclusivamente em interesses egoístas que perdessem de vista os imperativos de uma justiça supranacional. Com efeito, todas as nações do mundo são hoje solidárias num destino comum: ou, estimulando formas sempre mais sofisticadas de consumo e permitindo uma exploração predatória da natureza, caminham para um colapso global; ou, decidindo aceitar formas de realização humana a níveis de consumo mais austeros e mais igualitários, garantem a sobrevivência da humanidade.

CONCLUSÃO Enquanto contemplamos com sincera preocupação pastoral a complexidade dos problemas da nossa realidade terrena, volvemos ao mesmo tempo um olhar de esperança a Deus, ´Pai das luzes, de cujas mãos vêm todas as bênçãos e toda a possibilidade de fazer o bem´ (Tg 1, 17) e para todos os homens de boa vontade, para todos aqueles que, nas mais diversas posições e situações trabalham, lutam, sofrem e esperam por uma ordem política sempre mais cristã. A todos queremos, como bispos do Brasil, levar a nossa solidariedade, a nossa mensagem e a nossa esperança. Imploremos a Deus nosso Senhor, na oração e na pénitência, e tenhamos certeza de que, olhando para Jesus Cristo, Mestre dos. corações e Senhor da história e unidos a Ele, ´mveremos de acordo com a verdade e cresceremos em tudo pela caridade´ (Et 4, 15), sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Mãe, Rainha e Protetora do Brasil.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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