Revista “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 471 – Ano: 2001 – p.
378
Em síntese: A Holanda é o
primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia. Contraria assim não somente
princípios cristãos, mas a própria lei natural, inserida no íntimo de todo
homem e que manda não matar o
inocente. O abandono da lei natural, à
qual se deveriam conformar os legisladores, acarreta o perigo de
arbitrariedades ideológicas e totalitarismos.
Tal perigo é reforçado pelo pragmatismo da vida contemporânea, que
qualifica o ser humano tão somente pela sua capacidade de produzir, entreter
uma vida inútil torna-se, no caso, inconcebível. O ser humano é equiparado a uma máquina.
A imprensa noticiou a
legalização da eutanásia direta na Holanda. O caso é rumoroso e abre precedente
que pode originar nova jurisprudência ou fazer escola, a Bélgica, país vizinho
da Holanda, parece querer seguir o mesmo caminho.
A seguir, serão propostas
algumas reflexões sobre a temática.
A Notícia
Aos 11/4/01 escrevia o
JORNAL DO BRASIL, P. 10:
“Haia, Holanda – A Holanda
se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia, com a aprovação
pelo Senado de uma lei que regulamenta a prática. Foram 46 votos a favor e 18 contra a lei,
que, segundo pesquisas, tem o respaldo de 85% da população, e já havia sido
aprovada, em novembro, pela Câmara dos Deputados. Para a lei entrar em vigor, falta apenas a
aprovação da Rainha Beatriz e a publicação em Diário Oficial
holandês, uma formalidade que deve ocorrer no segundo semestre do ano.
Houve protestos antes e
durante a votação. Cerca de oito mil
manifestantes se concentraram em frente do Parlamento. Alguns colégios cristãos suspenderam as aulas
para que seus alunos pudessem protestar contra a lei. Organizações Não-Governamentais entregaram
abaixo-assinados contra a lei e milhares de cartas foram enviadas aos
senadores.
– Na prática, a lei não muda
muita coisa. Já no ano passado, foram
registrados 2.123 casos de eutanásia na Holanda, que era, por lei, condenável a
12 anos de prisão, mas tolerada com base em uma circular ministerial de 1997,
que tinha por base uma jurisprudência da Suprema Corte holandesa de 1994.
A lei aprovada segue a
circular ministerial e regulamenta que os médicos só podem atender uma
solicitação de eutanásia em pacientes que estejam sofrendo de “maneira
insuportável” e sem perspectiva de sobreviver, sempre e quando o enfermo tiver
feito o pedido de maneira voluntária e deliberada. Os menores entre 16 e 18 anos podem fazer a
solicitação independente da opinião dos pais.
Entre 12 e 16 anos, a aprovação dos pais é obrigatória.
Os que são contra a prática
acusam a Holanda de começar uma “reação em cadeia” pela eutanásia. A vizinha Bélgica está debatendo uma lei
similar, mas que ainda terá de ser aprovada por deputados e senadores”.
Que diz a Moral católica?
Em poucas palavras, eis o
pensamento católico:
Distinga-se entre eutanásia
direta ou positiva e eutanásia indireta ou negativa.
A eutanásia direta é o ato
de matar o paciente. Vem a ser um homicídio ilícito. Nem mesmo a compaixão para
com o enfermo justifica a eliminação de sua vida, pois o fim não justifica os
meios. Para minorar as dores do paciente, podem-se-lhe aplicar analgésicos,
ainda que estes tenham como efeito colateral abreviar a duração da vida
terrestre. De resto, sob o rótulo de
compaixão podem esconder-se motivos espúrios, como seriam o desejo de pôr fim a
uma situação incômoda e trabalhosa, o de evitar gastos pesados, o de repartir
quanto antes a herança (…) – sentimentos estes mais egoístas do que altruístas.
A eutanásia indireta
consiste em subtrair ao paciente os
meios de subsistência. Estes podem ser ordinários
(soro, alimentação, injeções …) ou extraordinários (desproporcionais). – Não é
lícita a suspensão de meios ordinários, pois eqüivale ao homicídio
indireto. Quanto aos meios extraordinários,
observe-se o seguinte : quando os recursos extraordinários (maquinária tecnológica
dos CTI), não produzem efeitos proporcionais à parafernália aplicada, é lícito
desligá-los, desde que os médicos não vejam probabilidade de melhora da parte
do paciente; esta probabilidade deve ser criteriosamente avaliada, de modo a
evitar precipitação ou tendências egoístas.
Assim se evita a distanásia (a morte dolorida artificialmente) como também
se evita a eutanásia direta. Pratica-se
então a ortotanásia. A propósito ver PR
420/1997, pp. 213ss.
Sumariamente exposta a
doutrina católica, passamos a ulteriores reflexões.
Refletindo (…)
A Moral católica está
fundamentada na lei natural, que é a lei do Criador impregnada no íntimo de
todo ser humano. É anterior às normas de
qualquer legislador governamental, e deve ser observada como base para qualquer
lei estatal.
Em nossos dias há forte tendência
a ignorar a lei natural (Não matar, Não roubar, Não adulterar, Não caluniar…) para dar valor exclusivo às decisões dos governantes de uma nação. A conseqüência evidente disto são
arbitrariedades (racismo, aborto, casamento gays..) ou mesmo regimes totalitários,
em que a vontade de um homem ditado é o único referencial da vida do país. O nacional-socialismo e o comunismo são expressões
contundentes da desgraça decorrente do abandono da lei natural.
Tais aberrações são
reforçadas pelo pragmatismo da vida contemporânea, que qualifica o ser humano
segundo a sua capacidade de produzir, de modo que uma pessoa invalidada é
equiparada a uma máquina irremediavelmente estragada; seja então eliminada!
Sejam citadas palavras de Jacques Attali na obra Le Futur de la Science, pp. 274ss:
“A eutanásia será um dos
meios essenciais da nossa sociedade futura.
Numa lógica socialista, o problema se apresenta nestes termos: a lógica
socialista é a liberdade, e a liberdade fundamental é o suicídio. Em conseqüência, neste tipo de sociedade o
direito ao suicídio direto ou indireto é um valor absoluto. Numa sociedade capitalista, será de uso
corrente uma máquina para matar, uma prótese que permitirá tirar a vida quando
esta se torne insuportável ou custosa demais.
Penso, pois, que a eutanásia será uma das prescrições do futuro ou como
afirmação de liberdade ou por motivos de mercado” (coletânea organizada por
Michel Salamon, Ed. Seghere, Paris 1981).
Quanto à Holanda em
particular, vem ao caso o provérbio holandês: “Deus criou o mundo, mas os
holandeses criaram a Holanda”. Estes dizeres refletem a ufania do povo
holandês, que arrancou ao mar a maior parte do seu território, também chamado “Países-Baixos”. Certas correntes do povo holandês têm consciência
da superioridade de sua gente e se sentem chamadas a desempenhar papel messiânico
na sociedade europeia.
Durante séculos os
holandeses se orientaram pelo Decálogo ou os dez mandamentos bíblicos. Todavia esta fidelidade à lei do Senhor
tem-se atenuado progressivamente a partir de Hugo Grotius (+ 1645) e
principalmente o filósofo panteísta Baruch Spinoza (+ 1677). A própria tradição calvinista, muito rigorosa
nos Países-Baixos, tem-se apagado aos poucos.
Hoje a tolerância naquele país pode chegar às raias de rejeitar todo
princípio perene de Ética. Esboça-se a
tendência a praticar a eutanásia não somente em adultos terminais, mas também
em crianças deficientes física ou mentalmente, mongolóides, aidéticos
…
A tal ponto leva o abandono da lei natural, que
é a lei do Criador (…).