Esterilização feminina – EB

Em síntese: A Moral Católica se opõe a todo tipo de esterilização direta da mulher e do homem; lembra que há outros recursos para se realizar a paternidade responsável ou o planejamento familiar, evitando-se assim a gravidez indesejada. Só se pode admitir a esterilização indireta, ou seja, aquela que decorre de uma intervenção cirúrgica que não seja efetuada para esterilizar, e sim para sanar um mal do organismo (tendo por consequência não visada em si, mas tolerada, a esterilização). – estes princípios valem tanto para cada fiel católico como para os hospitais católicos como tais.

Aos 13/8/1994 o jornal L’Osservatore Romano (edição portuguesa) publicou uma Declaração da Santa Sé (congregação para a Doutrina da Fé) a respeito de esterilização da mulher, em resposta a dúvidas que lhe foram propostas. Estas dúvidas resultavam do avanço da medicina contemporânea; vários profissionais tendem a resolver problemas de saúde mediante intervenções radicais, entre as quais a extirpação do útero e a ligadura de trompas.

Foram, pois, propostas à Santa Sé três situações, para as quais há quem pleiteie a esterilização da paciente. Poderia a Moral Católica abonar tal solução?

Publicaremos, a seguir, o texto das respostas da Santa Sé, acrescentando-lhe algumas notas explicativas. Visto que este documento se refere a outro, publicado em 1976, transcreveremos também este outro texto, acompanhado de parágrafos que contribuam para elucidá-lo.

Três casos de Enfermidade

O texto da Santa Sé

Respostas às dúvidas propostas sobre o “isolamento uterino” e outras questões

“Os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé, às dúvidas apresentadas na assembleia ordinária e abaixo referidas, julgaram dever responder a cada uma como segue:

1. Quando o útero (por exemplo, durante um parto ou operação cesariana) chega a ser a tal ponto seriamente danificado que se torna, sob o ponto de vista médico, indicada a extirpação (histerotomia), mesmo total, para prevenir um grave perigo imediato contra a vida ou saúde da mãe, é lícito realizar tal procedimento não obstante que para a mulher tenha como conseqüência uma esterilidade permanente.

R. SIM.

2. Quando o útero (por exemplo, por causa de operações cesarianas precedentes) se acha num tal estado que, mesmo não constituindo em si um risco imediato para a vida ou a saúde da mulher, não esteja previsivelmente mais em condições de chegar ao fim de uma futura gravidez sem perigo para a mãe, perigo que em alguns casos poderia resultar mesmo grave, é lícito extirpá-lo (histerotomia), com a finalidade de prevenir um possível perigo futuro proveniente da concepção?

R.NÃO.

3. Na idêntica situação do número 2 citado acima, é lícito substituir a histerotomia pela ligadura das trompas (procedimento chamado também “isolamento uterino”), tendo em conta que se atinge o mesmo fim preventivo dos riscos de uma eventual gravidez, com um procedimento muito mais simples para o médico e menos molesto para a mulher e que, além disso, em alguns casos a esterilidade assim adquirida pode ser reversível?

R. NÃO.

Explicação

No primeiro caso, a histerotomia é lícita enquanto tem caráter diretamente terapêutico, ainda que se preveja que do fato resultará uma esterilidade permanente. De fato, é a condição patológica do útero (por exemplo, uma hemorragia que não se pode tamponar com outros meios) que torna, sob o ponto de vista médico, a extirpação indicada. Esta tem, portanto, como fim próprio o de afastar um grave perigo imediato para a mulher, independentemente de uma eventual futura gravidez.

Diferente, do ponto de vista moral, se apresenta o caso de procedimento de histerotomia e de “isolamento uterino” nas circunstâncias descritas nos números 2 e 3; eles entram no caso moral da esterilização direta, a qual, no documento Quaecumque sterilizatio (AAS  LXVII – 1976 738-740, n. 1), vem definida como uma ação que “tem por único efeito imediato, tornar a capacidade de gerar incapaz de procriar”. “por isso – continua o mesmo documento – não obstante toda subjetiva boa intenção daqueles cujas operações são inspiradas pelo cuidado ou pela prevenção de uma doença física ou mental, prevista ou temida como resultado de uma gravidez, tal esterilização permanece absolutamente proibida segundo a doutrina da Igreja”.

Na realidade, o útero como descrito no n.º 2, não constitui em si e por si nenhum perigo imediato para a mulher. De fato, a proposta de substituir a histerotomia pelo “isolamento uterino” nas mesmas condições mostra precisamente que o útero não é em si um problema patológico para a mulher. Portanto, os procedimentos acima descritos não têm um caráter propriamente terapêutico, mas são realizados para tornar estéreis os futuros atos sexuais férteis, livremente realizados. O fim de evitar os riscos para a mãe, derivantes de uma eventual gravidez, vem portanto prejudicado com o meio de uma esterilização direta, em si mesma sempre moralmente ilícita, enquanto outras vias moralmente lícitas ficam abertas a uma livre escolha.

A opinião contrário, que considera as supracitadas práticas referidas nos números 2 e 3 como esterilização indireta, lícita em certas condições, não pode portanto considerar-se válida nem pode ser seguida na praxe dos hospitais católicos.

O Sumo Pontífice João Paulo II, na audiência concedida ao abaixo assinado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovou as supracitadas respostas e ordenou a sua publicação.

Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 31 de julho do 1993.

+ JOSEPH Card. RATZINGER

Prefeito + ALBERTO BOVONE

Arcebispo Titular de Cesaréia de Numídia

Secretário”

Notas Explicativas

1) O primeiro caso supõe um perigo imediato e iminente de morte para a paciente, não havendo outro recurso para preservar a vida da mulher senão a ablação do útero ou histerotomia ou ainda histerectomia. A extração do útero pode então ser efetuada, porque não visa diretamente à esterilização da mulher, mas tem em vista diretamente salvar a vida da mãe; a consequente esterilização definitiva é tolerada; não é a meta da intervenção, mas apenas um corolário geral da causa com duplo efeito, um bom e outro mau, sendo o primeiro diretamente intencionado e o segundo apenas tolerado. Eis o que a propósito ensina a Teologia Moral:

É lícito praticar um ato com duplo efeito (um bom e outro mau) desde que se preencham as cinco seguintes condições:

a) O ato como tal (ou em si mesmo) seja bom ou indiferente; nunca é lícito cometer o mal para obter efeitos salutares (cf. Rm 3, 8);

b) O efeito bom que se espera, deve decorrer imediatamente do ato, e não após o efeito mau; este deve ser secundário em relação àquele;

c) O efeito bom deve ser diretamente intencionado, ao passo que o efeito mau há de ser apenas tolerado;
cpa_a_moral_catolica
d) haja causa proporcionalmente grave para permitir o efeito mau;

e) não haja outro recurso para obter o efeito bom senão o da causa com duplo efeito.

Ora as condições para que a causa com duplo efeito se possa exercer licitamente, estão preenchidas no caso da histerectomia considerada.

2) Os dois casos seguintes não supõem imediato perigo de vida para a mulher. Apenas se pleiteia a histerectomia ou a ligadura de trompas para que a mulher no futuro (próximo ou remoto) não venha a engravidar (já que a gravidez lhe poderia causar graves danos). Em tais situações, a Moral Católica não aprova a mutilação do organismo feminino mediante cirurgia esterilizante, porque há outros recursos, que respeitam a natureza, para evitar uma eventual gravidez. Entre estes, está a continência periódica, para a qual o método mais recomendável é o de Billings ou da mucose cervical ou ainda “da clara de ovo”. Este método não somente não mutila a natureza, mas também evita o uso de anticoncepcionais e artifícios mecânicos, que vêm a ser nocivos à saúde da mulher, havendo mesmo sérias contra-indicações que os desabonam. Além do mais, é de notar que, no caso em que a mulher toma a pílula anticoncepcional, ela sofre, a sós, as consequências daninhas desse produto farmacêutico (colocado num organismo que funciona bem para que não funcione bem); ao contrário, quando o casal recorre à continência periódica, o marido e a mulher se obrigam a colaborar ou a assumir juntos o planejamento familiar, sem detrimento para a mulher – o que certamente é mais saudável e mais contribui para a união de esposo e esposa (se ambos concordam em realizar tal projeto).

Passemos agora ao documento citado na “Explicação” atrás mencionada.

A ESTERILIZAÇÃO COMO TAL

A Declaração da Santa Sé (1976)

A Conferência episcopal dos Estados Unidos da América do Norte propôs a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé alguns quesitos sobre a esterilização nos hospitais católicos. A Sagrada Congregação deu a seguintes resposta, que transcreveremos de “L’Ossservatore Romano” ed. Port. De 19.12.1976:

“Esta Sagrada Congregação considerou diligentemente quer o problema da esterilização terapêutica preventiva em si mesmo, quer os pareceres indicados por diversas pessoas para a solução do mesmo, quer ainda os conflitos relativos à cooperação solicitada para tal esterilização nos hospitais católicos. E aos quesitos que lhe foram postos pensou dever responder do seguinte modo:

1. Qualquer esterilização que, por si mesma, isto é, por sua natureza e condição, tem por único efeito imediato tornar a faculdade de gerar incapaz de obter a procriação deve ser considerada esterilização direta, tal como esta é entendida nas declarações do
Magistério Pontifício, especialmente de Pio XII¹. Por conseguinte, segundo a doutrina da Igreja, continua a ser absolutamente proibida, não obstante toda a reta intenção subjetiva por parte dos agentes em proverem ao tratamento ou à prevenção de um mal, quer físico, quer psíquico que se preveja ou se tema haja de ser causado pela gravidez. E, por mais grave razão, é proibida a esterilização de cada um dos atos, dado que ela coloca a pessoa no estado de esterilidade, quase sempre irreversível. Nem se pode apelar para ordem alguma da autoridade pública, que, por motivo de um bem comum necessário, quisesse impor a esterilização direta, porque ela lesaria a dignidade e a inviolabilidade da pessoa humana.² Também não se pode invocar, no caso, o princípio de totalidade, com o qual se justificam as operações aos órgãos para um bem maior da pessoa; efetivamente, a esterilidade, buscada por si mesma, não se dirige ao bem integral, retamente entendido, da pessoa, salva a ordem das coisas e dos bens,³ mas, pelo contrário, é prejudicial ao seu bem ético, que é supremo, pois que deliberadamente priva de um elemento essencial a atividade sexual prevista e livremente escolhida. Por isso, o art. 20 do Código de ética médica, promulgado pela Conferência de 1971, repropõe fielmente a doutrina a seguir, e por isso se deve urgir a sua observância.

2. A Congregação, ao confirmar esta doutrina tradicional da Igreja não ignora o fato da discordância existente a seu respeito entre muitos teólogos. Nega, porém, que se possa atribuir significado doutrinal a esse fato como tal, de modo a constituir um lugar teológico, que os fiéis possam invocar para porem de lado o Magistério autêntico e aderirem às sentenças de teólogos particulares que com ele não estão de acordo.4

Pelo que se refere à gestão dos hospitais católicos:

a) É absolutamente proibida toda a cooperação sua, institucionalmente aprovada ou admitida, em ações por si mesmas (ou seja, por sua natureza e condição) ordenadas a um fim contraceptivo, isto é, a impedir os efeitos conaturais dos atos sexuais deliberadamente realizados por um sujeito esterilizado. Pois que a aprovação oficial da esterilização direta, e com maior razão, a sua regulamentação e execução segundo os estatutos do hospital, é, no plano objetivo, uma coisa má por sua natureza ou intrinsecamente, para a qual nenhum hospital católico, seja por que razão for, pode cooperar. Qualquer cooperação assim prestada seria totalmente indigna da missão confiada a tais instituições, e seria contrária à necessária proclamação e defesa da ordem moral.

b) A doutrina tradicional sobre a cooperação material , com as oportunas distinções entre cooperação necessária e livre, próxima e remota, permanece em vigor, e deve aplicar-se prudentissimamente, se o caso o requerer.

c) Na aplicação do princípio sobre a cooperação material, quando o caso o requerer, evite-se absolutamente o escândalo e o perigo de toda a confusão dos espíritos, mediante uma oportuna explicação da realidade.

Esta Sagrada Congregação espera que os critérios indicados neste  documento satisfaçam à expectativa desse episcopado, a fim de que, eliminadas as incertezas dos fiéis, possa exercer mais facilmente o seu múnus pastoral.

Francisco Card. Seper

Prefeito +  Fr. Jerôme Hamer, O.P.

Secretário

2.2. Notas elucidativas

1) O item 1 do texto atrás transcrito, datado de 1976, rejeita todo tipo de esterilização visada como tal ou como alvo de uma intervenção médica. Assim portanto:

a) a esterilização permanente ou definitiva, visada em si ou como tal (caso diferente daquele considerado na Declaração de 1993, que tinha em vista uma cirurgia terapêutica da qual resultaria, como consequência tolerada, mas não desejada, a esterilização);

b) a esterilização momentânea, devida a pílula ou outros anticoncepcionais.

2) O texto declara que não é lícito obedecer a uma autoridade governamental que prescreva a esterilização direta, pois isto viola a dignidade e a integridade da pessoa humana.

3) Não é lícito argumentar em prol da esterilização direta nos seguintes termos: o bem do organismo feminino como tal pode pedir que se sacrifique a fecundidade da mulher; o bem do conjunto, no caso, prevaleceria sobre o bem de uma de suas funções ou da genital; extirpando-se esta, garantir-se-ia a saúde da mulher. – A resposta a este argumento afirma que a mutilação da mulher é, como tal, um mal; é um mal de índole ética, que tem mais peso ainda do que os males de índole física.

Isto não quer dizer que a mulher deva adoecer ou morrer necessariamente por respeito à Ética. Significa, porém, que se devem procurar outros meios para evitar a gravidez, caso ela acarrete perigo para a vida da mulher, … outros meios que não mutilem a natureza ou o organismo. A esterilização diretamente intencionada é sempre uma derrogação à natureza instituída pelo Criador. Este propicia outros recursos, como dito, para se limitar a prole ou evitar a gravidez.

4) O fato de que alguns teólogos defendem a liceidade da esterilização direta, não constitui lugar teológico ou fonte para argumentar contra o magistério da Igreja; este tem caráter oficial e goza da assistência do Espírito Santo (cf. Jo 14, 26; 16, 13-15), de modo que prevalece sobre as sentenças de teólogos particulares.

5) Em consequência, é proibido aos fiéis católicos todo tipo de colaboração direta e formal em prol da esterilização visada como tal. A mesma proibição vale para os hospitais católicos; não lhes é lícito promover a esterilização direta.

6) Além da cooperação direta e formal, a Moral Católica reconhece a colaboração indireta ou material. Esta vem a ser um ato moralmente bom ou indiferente do qual alguém abusa, fazendo-o servir ao pecado; é o que se dá com o pessoal que trabalha na infra-estrutura de um hospital ou de uma sala de cirurgia, onde se realizam operações ilícitas; tais pessoas não estão cooperando diretamente para o mal, mas efetuam tarefas neutras (limpeza, esterilização de instrumentos, enfermagem…) que os responsáveis utilizam para efetuar o que não é permitido. Esses servidores deverão ser prudentes, abster-se de colaboração desnecessária e evitar o escândalo ou a confusão de quem os vê assim trabalhar. Não há dúvida, há situações complexas, em que os agentes da saúde são solicitados à colaboração material ou indireta; cada situação há de ser considerada em si para se formar um adequado juízo moral sobre a mesma.

Eis o que a Igreja tem a dizer sobre as recentes tentativas de intervir no organismo humano com finalidade esterilizante. Afirmando tais princípios de Moral, a Igreja está prestando um serviço à humanidade, pois lembra à consciência certos valores que o pragmatismo e o utilitarismo de nossos dias tende a anular, com grave detrimento para a pessoa.

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¹ Cf. especialmente as duas Alocuções à União católica das Parteiras e à Sociedade Internacional de hematologia, em AAS 43 (1951) 843-844; 50 (1958) 734-737; Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, 14, ibid. 60 (1968) 490-491.

² Cf. Pio XI, Enc. Casti Connubii, em: AAS 22 (1930) 565.

3 Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, em: AAS 60 (1968) 487.

4 Cf. Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Sobre a Igreja Lumen Gentium, 25, 1 em: AAS 57 (1965) 29030; Pio XII, Alocução aos cardeais, ibid. 46 (1950) 568; Paulo VI, Alocução ao Com. De Teologia do Conc. Vat. II, ibid. 58 (1966) 889-896 (sobretudo 890-894); Alocução aos Membros da Congregação do Ss.mo Redentor ibid. 59 (1967) 960-963 (sobretudo  962).

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Estevão Bettencourt, osb
Nº 391 – Ano 1994 – p.  546

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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