Esclarecimentos sobre alguns pontos da RCC à CNBB

Dom Alberto
Taveira* fala da oração em línguas, repouso no Espírito e inspirações
particularesEm nome da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sou o Assistente Espiritual do
Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica, um dos mais significativos
Movimentos Eclesiais existentes em nosso tempo. Algumas interrogações me foram
feitas por Dom Rafael Llano Cifuentes, Bispo de Nova Friburgo-RJ,
proporcionando-me levar ao Conselho Permanente da CNBB alguns esclarecimentos,
que podem servir a tantos irmãos e irmãos da RCC ou que desejam conhecê-la mais
de perto. Eis o texto escrito que apresentei à 58ª Reunião do Conselho Permanente
da CNBB:

Esclarecimentos
sobre alguns pontos da RCC

Foi-me
pedido para fazer uma breve comunicação a respeito de alguns pontos sobre a
Renovação Carismática Católica. Escolhi dois caminhos, sendo o primeiro uma
consulta feita aos coordenadores nacionais da RCC, aos quais encaminhei as
perguntas feitas, com respostas que me foram apresentadas por Reinaldo Beserra,
do Escritório Nacional da RCC e membro do Conselho Internacional da RCC –
(ICCRS). Tais respostas correspondem e são plenamente assumidas por mim, por
corresponderem ao que penso e às orientações que costumo oferecer à RCC. Em
seguida, desejo apresentar algumas propostas.

I –
Esclarecimentos solicitados pelo CONSEP, a pedido de Dom Rafael:

1.
“Benefícios” da oração em línguas: Os carismas, sejam extraordinários
ou humildes, são graças do Espírito Santo que têm, direta ou indiretamente, uma
utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos
homens e às necessidades do mundo. Carismas são “manifestações do Espírito
para proveito comum”. São dons úteis, instrumentos de ação, para servir à
comunidade.

Conceituação:

a) “É
um dom de oração cujo valor, enquanto ‘linguagem de louvor’, não depende do
fato de que um lingüista possa ou não identificá-lo como linguagem no sentido
corrente do termo”. É uma linguagem a-conceitual, que se
“assemelha” às línguas conceituais. Não supõe absolutamente um estado
de “transe” para praticá-la, não corresponde a um estado
“extático”, e nem a uma exagerada emoção, permanecendo aquele que a
pratica no total domínio de si mesmo e de suas emoções, pois o Espírito Santo
jamais se apossa de alguém de modo a anular-lhe a personalidade.

b) É um dom
que leva os fiéis a glorificar a Deus em uma linguagem não convencional,
inspirada pelo Espírito Santo. É uma forma de louvar a Deus e uma real maneira
de se falar e se entreter com Ele. Quando o homem está de tal maneira repleto
do amor de Deus que a própria língua e as demais formas comuns de se expressar
se revelam como que insuficientes, dá plena liberdade à inspiração do Espírito,
de modo a “falar uma língua” que só Deus entende.

2. O
“falar em línguas”, consignado nas Escrituras comporta três
modalidades:

a) a oração
em línguas, de caráter usualmente particular, pessoal, e que portanto não
requer interpretação. Embora de caráter pessoal, ela pode ser exercitada também
de modo coletivo, o que acontece nas assembléias onde todos exercem o “dom
particular de orar em línguas”, ao mesmo tempo; obviamente, não supõe
interpretação. No entanto, Deus – que ouve a oração que milhares de fiéis lhe
dirigem concomitantemente de todos os cantos da Terra – por certo entende. Vale
a intenção que está em nosso coração.

b) Essa
oração também pode ser expressa em modalidade de canto, uma oração com uma
melodia que não foi pré-estabelecida. Também essa modalidade não requer
interpretação. A diferença em relação à modalidade anterior, é que aqui se
trata de orar em línguas, mas num ritmo não falado, de expressão e cadência
musical, de notas que se sucedem improvisadamente, numa modulação lírica com
que se celebra as maravilhas de Deus. São cânticos que brotam geralmente nos
momentos de louvor e adoração da assembléia, do grupo de oração, e que pouco
tem em comum com os cânticos eclesiásticos tradicionais, ou também com os
cantos de “composição artística”. Santo Agostinho, comentando as
palavras do Salmo “Cantai ao Senhor um Cântico novo”, adverte que o
cântico novo não é coisa “de homens velhos”. “Aprendem-no os
homens novos, renovados da velhice por meio da graça, pertencentes ao Novo
Testamento, que já é o Reino dos Céus. Por ele manifestamos todo o nosso amor e
lhe cantamos um canto novo. Quando podes oferecer-lhe tamanha competência que
não desagrade a ouvidos tão apurados?… Não busques palavras, como se pudesses
dar forma a um canto que agrade a Deus. Canta com júbilo! Que significa cantar
com júbilo? Entender sem poder explicar com palavras o que se canta com o
coração. Se não podes dizer com tuas palavras, tampouco podes calar-te. Então,
resta-te cantar com júbilo, se modo que te entregues a uma alegria sem palavras
e a alegria se dilate no júbilo” .

c) Uma
terceira modalidade do dom das línguas é aquela de uso essencialmente público,
que quando é acompanhado do seu complemento, o dom da interpretação, tem como
seu propósito a edificação dos fiéis e a convicção dos descrentes. Aqui o falar
em línguas não assume o caráter de oração, mas de uma mensagem em línguas,
dirigida à assembléia e não a Deus, como é o caso da oração, e que portanto
requer o exercício do outro dom apontado por Paulo, o dom da interpretação. O
Espírito dá a alguém a inspiração de “falar em línguas” em alta voz.
Suas palavras contém uma mensagem espiritual para um ou mais ouvintes. A
mensagem permanece incompreensível, enquanto não for interpretada. A mensagem
interpretada assume, regularmente, as características de uma profecia
carismática, que, segundo S. Paulo, edifica, exorta e consola a assembléia.
Autores há que, em vista de maior clareza, dão outro nome a esta forma de falar
em línguas. Chamam-na
de “mensagem em línguas”, ou ainda de “profecia em
línguas”. Em oposição ao “falar em línguas” durante a oração,
este dom não está livremente à disposição da pessoa. Exige-se uma inspiração
peculiar. Muitas vezes, ela está acompanhada de outra inspiração, a saber, num
dos ouvintes que então “interpreta” a mensagem e a traduz em
linguagem comum, para a comunidade. O dom de “falar mensagem em
línguas” é um dom transitório manifestado vez ou outra nas reuniões de
oração; e o Senhor pode servir-se ora deste, ora daquele, enquanto que o dom da
interpretação geralmente é considerado permanente; é dom que pode ser pedido na
oração.

3. Quando
se deve orar em línguas? Só em atos próprios da RCC? Na TV para todos? Pode ser
utilizada durante a Santa Missa, como parece ter acontecido na Oração dos fiéis
nas missas de TV?

a) Sendo um
dom do Espírito e um dom de oração, ele deveria ser permitido onde sempre é
permitido orar. Nos atos próprios da RCC, o Documento 53, n. 25 da CNBB, já o
levou em consideração.

b) Se a TV
está transmitindo um ato próprio da RCC, não é possível “encenar” um
comportamento que anule a identidade do Movimento. O exercício do carisma de
orar em línguas é parte constitutiva da RCC. De nossa parte – os
“carismáticos” – não temos de que nos envergonhar dessa prática, e
nem temos nada a esconder. Somos assim. nossos Grupos de Oração estão sempre
com as portas abertas, e qualquer um pode conferir lá o que somos e o que
praticamos.

c) Na Santa
Missa: Se são missas celebradas em atos específicos da RCC, parece-nos que sim,
desde que se exercite essa oração nos momentos ditados pelo bom senso e pela
orientação do celebrante, de modo respeitoso, profundamente oracional, não
exibitório, especialmente como glorificação a Deus, como expressão de contrição,
como petição, e como ação de graças.

d) A RCC
tem clara consciência de que a Igreja, durante muito tempo, não se abriu à essa
forma de se exercitar os carismas. Por isso ela sabe que, esse reavivamento de
perfil pentecostal que se colocou em marcha no último século – especialmente a
partir de Helena Guerra, que motivou Leão XIII a escrever uma Encíclica sobre o
Espírito Santo, passando por João XXIII, que pediu um novo Pentecostes para a
Igreja e a “renovação dos sinais e prodígios da aurora da Igreja”,
bem como pelo Concílio Vaticano II, onde Deus, providencialmente, lançou as
bases e os fundamentos que tornaram possível o surgimento e a fundamentação do
Movimento Pentecostal Católico, até João Paulo II, com sua Dominum et
Vivificantem, e a inspirada exortação pronunciada na celebração de Pentecostes
de 29 de maio de 2004, que dizia: “Desejo que a espiritualidade de
Pentecostes se difunda na Igreja como um impulso renovado de oração, santidade,
comunhão e anúncio. […] Abram-se com docilidade aos dons do Espírito Santo!
Recebam com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não cessa de
oferecer!” – precisa ser acolhido com abertura de espírito e destemor, mas
também com bom senso, com humildade, com respeito pelas diferentes opções de engajamento
na pastoral orgânica da Igreja, em absoluta adesão à doutrina da Igreja
Católica, não escandalizando por falta de decoro litúrgico ou religioso, dentro
da ordem, mas também não deixando de ser fiel à vocação que Deus nos faz, de,
nesses tempos, contribuir para “revelar à Igreja aquilo que já lhe é
próprio: sua dimensão carismática”.

e) No rito
do Sacramento da Crisma, ao final da Oração dos fiéis, o Bispo reza: “Ó
Deus, que destes o Espírito Santo a vossos apóstolos e quisestes que eles e
seus sucessores o transmitissem aos outros fiéis, ouvi com bondade a nossa
oração e derramai nos corações de vossos filhos e filhas os dons que
distribuístes outrora no início da pregação apostólica”.

f) É de se
esperar que, recebendo tais dons, possamos exercitá-los, pois “da
aceitação desses carismas, mesmo dos mais simples, nasce em favor de cada um
dos fiéis o direito e o dever de exercê-los para o bem dos homens e a
edificação da Igreja e do mundo, na liberdade do Espírito Santo, que ‘sopra
onde quer’ e ao mesmo tempo na comunhão com os irmãos em Cristo, sobretudo com
seus pastores, a quem cabe julgar sobre a autenticidade e o uso dos carismas
dentro da ordem, não por certo para extinguirem o Espírito, mas para provarem
tudo e reterem o que é bom”.

g) “Na
lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que
todos aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja,
como no-lo recorda o Concílio”.

4 – Repouso
no Espírito: O Documento 53, no número 65, aborda o tema e diz a respeito:
“Em Assembléia, grupos de oração, retiros e outros reuniões evite-se a
prática do assim chamado ‘repouso no Espírito’. Essa prática exige maior
aprofundamento, estudo e discernimento”.

a) O
Cardeal Suenens, que escreveu muito sobre a RCC e a apoiou, foi muito cauteloso
em relação à prática do repouso no Espírito, recomendando reserva.

b) Pe.
Robert De Grandis foi quem muito a divulgou aqui pelo Brasil e tem um livro
sobre o assunto.

c) Pe.
Antonello, da Arquidiocese de S. Paulo, pratica-o com bastante freqüência e
também escreveu sobre o assunto.

d) Não há
fundamentação bíblica consistente sobre ele, embora sua prática remonte aos
grupos qualificados de entusiastas, especialmente nos grupos de reavivamento
nos Estados Unidos entre os séculos XVII e XIX.

e) “O
Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios,
enriquece-a com outros dons especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais
variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os
distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja”
. Em muitas ocasiões – especialmente quando praticado em atendimentos pessoais,
em clima de oração -, de modo especial em atendimentos de oração por cura
interior, essas manifestações se revelam perceptivelmente legítimas, sem
componentes de perfil patológico, gerando em quem a experimenta profunda paz e
bem estar, com conseqüente reavivamento ou novo compromisso, com os compromissos
relativos à fé. Pe. Isaac Isaias Valle, por exemplo, de Porto Feliz, na
Arquidiocese de Sorocaba, sacerdote muito estudioso e preparado
doutrinariamente, atende as pessoas utilizando-se dessa prática.

f) Em
muitas ocasiões – especialmente em grandes encontros – há um visível
descontrole emocional da parte de muitos nos quais se manifesta tal fenômeno,
chegando-se mesmo a identificáveis casos de histeria, seja por desequilíbrio de
cunho psicológico. Como diz João Paulo II, “na verdade, a ação do Espírito
Santo, que sopra onde quer, nem sempre é fácil de se descobrir e de se aceitar.
Sabemos que Deus atua em todos os fiéis cristãos e estamos conscientes dos
benefícios que provém dos carismas, tanto para os indivíduos como para toda a
comunidade cristã. Todavia, também temos consciência da força do pecado e as
confusões na vida dos fiéis e da comunidade.”

g) Assim,
não é oportuno incentivar tal prática. Mas há vezes em que, sem que ninguém
estimule, ocorre tal manifestação. Então, surge a oportunidade para cumprir o
que determina o Documento 53, buscando aprofundar o entendimento sobre a
matéria, pela observação com um estudo do caso, até perguntando à pessoa como é
que ela está se sentindo, se aquilo lhe gerou paz, se o seu é um histórico sem
comprometimentos outros, etc, para chegar a um discernimento sobre as
características que possam nos ajudar a identificar a legitimidade do repouso.

5 – Sobre
as inspirações particulares: Em geral a liderança da RCC tem tido bastante bom
senso no exercício dessas chamadas inspirações, ou moções. Junto com os dons da
Palavra de Ciência e a Palavra de Sabedoria, a RCC se esmera em fazer uso do
Dom do Discernimento Carismático. Podem ocorrer exageros e afoitas condutas?
Claro que sim. Mas a realidade dos fatos logo “traz para a terra”
aqueles espíritos mais atabalhoados, e que agem por impulsos meramente humanos,
e de maneira até irresponsável. Na observância dos resultados práticos e dos
frutos produzidos por tais inspirações é que a RCC busca aprender a deixar-se
conduzir pelo Espírito, que – segundo a Apostolicam Actuositatem – distribui
também aos leigos dons e carismas para capacitá-los a anunciar o Reino, com
poder. É possível encontrar-se falsas moedas. Mas não vamos, com elas, jogar
fora as legítimas, as verdadeiras. Em 2003, o Pontifício Conselho para os
Leigos convidou a RCC a dar sua contribuição no Colóquio Internacional sobre a
Oração para pedir de Deus a cura, realizado em Roma, sob os auspícios daquele
Conselho, reconhecendo nela essa prudência.

II –
Propostas:

a) Ao
acompanhar a RCC, percebo que existe seriedade, busca de maior conhecimento
teológico em suas lideranças e docilidade. Sugiro que a Comissão Episcopal de
Doutrina promova um estudo sobre os Carismas e as práticas da RCC, com seus
representantes. Pode até surgir uma nova e mais atualizada orientação pastoral.

b) Sugiro
que os senhores bispos verifiquem em suas Dioceses os eventuais problemas,
proporcionando uma orientação segura, através de um assistente diocesano que
possa acompanhar de perto.

c) Nos
Congressos Estaduais da RCC, seria muito oportuno que o Bispo do local em que o
mesmo se realiza se fizesse presente com a apresentação de um tema de formação.
Penso que “adotando a criança”, poderemos orientar melhor e os
membros da RCC não se sentirão marginalizados, mas membros vivos das Igrejas
particulares.
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* Arcebispo
de Palmas (TO), Vice-Presidente do Conselho Administrativo da Fundação
Populorum Progressio (Organismo criado pelo Santo Padre João Paulo II para
ajuda à Igreja na América Latina), Presidente do Regional Centro Oeste da CNBB,
membro da Comissão Episcopal para os Textos Litúrgicos e Assistente Espiritual
da Renovação Carismática católica no Brasil.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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