Doutrina social cristã – EB (Parte 2)

Como célula da sociedade humana, a família está sob a lei da dispersão. A indissolubilidade atinge o casamento, não, porém, a família. A família moderna urbana costuma espalhar-se após alguns decênios; a parentela vai procurar estudo e trabalho em lugares frequentemente distantes do respectivo berço. Os genitores têm a missão de preparar seus filhos para a maturidade e a autodeterminação, cada qual seguindo o seu caminho próprio, de acordo  com as suas aptidões pessoais; pai e mãe devem desempenhar esta tarefa com altruísmo, embora isto lhes cause certa melancolia. Não lhes é lícito prejudicar o futuro dos filhos  por motivos egoístas como seriam: manter “mão-de-obra barata” em favor do trabalho profissional do pai ou da mãe; procura de apoio por parte da mãe solteira, desquitada ou viúva; regime patriarcal exercido pelo pai; sentimentalismo, quando se trata da escolha da vida sacerdotal ou da consagração religiosa… Reza um adágio árabe: “Tu és o arco que atira a flecha como flecha viva”, os pais geram um ser vivo, chamado a ser autônomo, e não um  boneco.

Atrofia e mudança de funções da família (pp. 87-91)

O divórcio tem prejudicado grandemente o sentido e a função da família na sociedade. Tem-se, por isto, falado de “atrofia das funções” da família. Vejamos qual o sentido desta expressão.

Atrofia e mudança de funções

A atrofia de funções ocorre quando são afetadas as tarefas básicas da família, ligadas ao lar, à mesa comum, à administração  de casa, aos valores espirituais, éticos e religiosos. Verifica-se que, de fato, em não poucas famílias já quase não existe mesa comum, pois o pai e a mãe comem no restaurante da  empresa, e os filhos na escola. Não raro os pais e filhos transferem para fora de casa o alvo de seus interesses mais profundos, de modo que o lar se torna quase uma pensão ou um dormitório. Não rezam em comum nem inscrevem as festas religiosas no calendário do lar. Assim também se atrofia a função educacional da família.

Todavia deve-se ponderar que na sociedade moderna não é possível viver uma vida familiar tão rica de atribuições como era antigamente. Com efeito; outrora ou na época pré-industrial a família era escola profissionalizante para os jovens; era hospital ou asilo para os anciãos, era quase auto-suficiente no plano da alimentação e do vestiário. Em nossos dias a aprendizagem profissional, a medicina, a indústria se acham tão especializados que a família tem de recorrer a instituições extra-familiares para prover aos seus interesses (escolas técnicas, hospitais, fornecedores de fábricas…). Esta realidade não prejudica o que deve haver de essencial na família; ao contrário, pai e mãe, dispensados de afazeres técnicos ou especializados, podem melhor dedicar-se aos seus deveres específicos e intransferíveis. – Em nossos dias verifica-se que os pais solicitados a tomar parte na educação dos filhos ministrada pela escola mediante, por exemplo, as Associações de Pais e Mestres.

O trabalho das mulheres fora do lar

Eis um assunto que se prende à alteração das funções na família. É de notar que já era pré-industrial a mulher podia ocupar-se com a lavoura, o artesanato e o comércio (cf. Provérbios 31, 10-31). Em nossos dias os apelos para que a mulher trabalhe fora do lar são particularmente freqüentes e significativos. Há tarefas muito próprias para a mulher, como a medicina, a enfermagem, o magistério…, visto que tocam de perto a vida em suas diversas fases. Além disto, a própria mulher casada se sente não raro desejosa de trabalhar fora, motivada por razões várias: ou para atender ao orçamento da casa ou para conquistar um pouco mais de conforto ou para fugir da monotonia caseira ou porque, no tempo de solteira, se acostumou a ganhar seu dinheiro próprio.

Em alguns casos as atividades da mulher extra-lar não afetam o ritmo da família, principalmente se os filhos já podem dispensar os constantes cuidados maternos… Mas é evidente que, em não poucos outros casos, a mulher casada e o lar são prejudicados pela ausência da esposa e mãe; por isto dizia o Papa João Paulo II na Carta Apostólica Familiaris Consortio n.º 23:

“Se há que reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às diversas tarefas públicas, a sociedade deve contudo estruturar-se de maneira que as esposas e as mães não sejam constrangidas a  trabalhar fora de casa e a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando eles se dedicam totalmente  ao próprio lar.

Além disto, é preciso superar a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da atividade familiar…

A verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor da sua função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as outras profissões”.

A política familiar na sociedade moderna¹ (pp. 91-94)

Por “política familiar” entende-se a arte de orientar as famílias de tal modo que elas possam cumprir seu papel em favor  dos respectivos componentes e da sociedade a que pertencem.

A política familiar deve levar em conta os índices de natalidade e mortalidade, pois estes afetam profundamente não só a família, mas  a grande sociedade como tal.

Até o início da era industrial, a população ocidental manteve-se mais ou menos estável, pois a taxa de natalidade era contrabalançada pelo elevado índice de óbitos infantis. A seguir, porém, a mortalidade infantil começou a ser controlada pela medicina. O controle da natalidade era quase desconhecido, de modo que, na primeira metade do século XIX, a população da Europa, de 187 milhões, subiu para 266 milhões: e na segunda metade cresceu de 266 para 400 milhões. No começo do século XX, a natalidade começou a baixar – o que se deve a causas diversas: a crise habitacional, o aumento do trabalho feminino fora do lar, a degradação do valor social da família de muitos filhos, o sistema salarial orientado para o indivíduo e não para a família… todavia o homem na sociedade do bem-estar não pode abrir mão da originalidade da criança. Nas longas  horas de lazer, a presença de crianças significa felicidade e alegria para os cônjuges.

Verifica-se, porém, na Europa a tendência a haver maior número de mortes do que de nascimentos; há mais esquifes do que berços na sociedade européia… Assim em 1975, na Alemanha Ocidental, registraram-se 97 nascimentos contra 121 óbitos num total de 10.000 pessoas. Em 1981 o mesmo país registrou 97.635 mais óbitos do que partos; neste mesmo período 87.535 abortos cortaram a vida antes de nascer.

Essa situação acarreta duas consequências de peso:

1) a desclassificação social das famílias numerosas. O padrão parece ser a família que não tem filhos ou que tem apenas um ou dois. As famílias mais numerosas são então prejudicadas: residências piores, embora tais famílias  precisem de casa maior e mais bem montada; menos chances de formar os filhos e de viver com dignidade.

2) Se o processo de encolhimento da família prosseguir, há o perigo de em poucos decênios  faltar o material humano ou o pessoal necessário para atender aos interesses da nação. Há quem alegue  que o número decrescente de nascimentos é compensado por automação crescente, que dispensa a mão de obra humana. Isto, porém, não dissipa o triste quadro de uma sociedade que vai numericamente definhando, ao mesmo tempo que sofre o declínio dos valores  morais.

Matrimônio e virgindade (pp. 94s)

Seria falso, para um cristão, falar da  grandeza do matrimônio e da família sem mencionar  o valor da virgindade consagrada  a Cristo.

Há quem afirme que uma mulher solteira é inútil, não passando de “meia-criatura humana”. – Esta tese é falsa: matrimônio e maternidade não esgotam as possibilidades de realização pessoal da mulher. Pio XII, aos 15/09/1952, referiu-se severamente aos “pregadores, oradores, escritores, que não encontram palavra alguma de elogio para a virgindade consagrada a Cristo, eles que, há anos, apesar das admoestações  da Igreja e contra as  concepções desta, colocam o matrimônio acima da virgindade, e que chegam até a defender o matrimônio como único meio para a total realização da personalidade humana”.

A virgindade e o celibato cristãos têm o sentido de permitir maior identificação com Cristo e, de certo modo, mais ampla fruição dos bens definitivos. Observa o Senhor  que, após a ressurreição, “eles não se casarão nem elas serão dadas em casamento, mas serão semelhantes aos anjos; são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição” (Lc 20,35s).

Quanto à jovem cristã que fica solteira contra o seu desejo, dizia Pio XII aos 21//10/1945 que, “se ela acredita na Providência Divina, pode identificar nas vicissitudes da vida a voz do Mestre: “O Mestre esta aí e te chama!” Em vez de resignar-se  a uma vida inútil e sem sentido, ela assuma tarefas múltiplas e arrojadas, que não podem ser desempenhadas pelas mulheres comprometidas nos problemas de suas famílias e com a educação dos próprios filhos, nem pelas que se recolheram ao âmbito da clausura monástica.

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¹ Ed. Loyola, São Paulo  1987, 140 x 200 mm, 239  pp.

¹ O autor considera principalmente a situação dos países europeus, onde as  taxas de natalidade são muito inferiores às de  outros continentes.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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