Diretrizes para o Diaconato Permanente – Parte 5

3.3. Dimensão intelectual

155. A formação intelectual é condição indispensável para o exercício frutuoso do ministério ordenado em face dos grandes desafios da evangelização neste complexo contexto em que vivemos. Ela tem como objetivo alcançar uma compreensão adequada darealidade humana,  interpretando-a à luz da fé e da Palavra de Deus e discernindo as linhas de ação evangelizadora. “Ela é particularmente urgente hoje, perante os desafios da nova evangelização a que a Igreja é chamada neste difícil final de milênio. A indiferença religiosa, o ofuscamento dos valores, a perda de convergência ética, o pluralismo cultural exigem que aqueles que estão empenhados no ministério ordenado tenham uma formação intelectual completa e séria”[31].

156. A prática pastoral constitui o eixo integrador da formação intelectual. Consequentemente, a inserção de grande parte dos diáconos em diferentes profissões, no mundo do trabalho e nas graves questões sociais e políticas possibilitará uma mediação eficaz para a atuação dos ensinamentos da Doutrina Social da Igreja.

157. Urge desenvolver nos diáconos a capacidade criativa de encarnar a mensagem cristã nos diferentes contextos e de vivenciar as exigências intrínsecas de uma evangelização inculturada através do testemunho da comunhão, do serviço, do diálogo e do anúncio.

158. A preocupação com a formação pastoral, espiritual e teológica dos diáconos deve ser assumida como um dos principais deveres das dioceses, procurando motivar todos os diáconos para um processo permanente de renovação e atualização. Cuidem também as dioceses de possibilitar a especialização de alguns de seus diáconos, a fim de contar com elementos mais capacitados dentro do ministério ordenado.

159. Na formação permanente, envolva-se,  na  medida do possível, a própria família do diácono para que esta não fique alheia às atividades pastorais da Igreja.

160. Para integrar bem a dimensão intelectual com as outras dimensões, sobretudo a espiritual, vale citar São Boaventura: “Ninguém pense que lhe baste a leitura sem a unção, a especulação sem a devoção, a busca sem o assombro, a observação sem a exultação, a atividade sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça divina, a investigação sem a sabedoria da inspiração divina” (PDV 53).

3.4. Dimensão espiritual

161.“A formação humana abre-se e completa-se na formação espiritual, que constitui o coração e o centro unificador de toda a formação cristã.[…] A formação espiritual do futuro diácono não pode ignorar a experiência já adquirida, mas deve pô-la à prova e incrementá-la, para enxertar nela as características específicas da espiritualidade diaconal”[32]. A formação espiritual, ordenada à santidade de vida, que consiste na comunhão íntima e profunda com o Pai, pelo Filho e no Espírito Santo, e que se atinge pela perfeição da caridade, prepara o diácono para desempenhar seu ministério[33].

162. “O elemento que mais caracteriza a espiritualidade diaconal é a descoberta e a partilha do amor de Cristo-Servo”[34]. Aos diáconos a Didascalia Apostolorum recomenda: “Como o nosso Salvador e Mestre disse no Evangelho: ‘Quem quiser tornar-se grande entre vós, torne-se o vosso servo, da mesma forma como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos’ (Mt 20,26-28), vós, diáconos, deveis fazer o mesmo, ainda que isso implique dar a vida por vossos irmãos, por meio do serviço (diakonia) que sois chamados a cumprir.  Se, pois, o Senhor do céu e da terra se fez o nosso servidor e sofreu pacientemente todo tipo de dor por nós, quanto mais não deveremos fazer o mesmo por nossos irmãos, pois somos seus imitadores e recebemos a mesma missão do Cristo?” (Didascalia Apostolorum XVI, 13).

163. O Vaticano II, de muitos modos e em diversas oportunidades, enfatizou que a vida espiritual integra o homem em sua globalidade, respeitando as experiências e os valores de cada um, e modela a vida a partir da própria situação pessoal, profissional e religiosa.  Portanto,  na vivência de sua dupla sacramentalidade, o diácono construirá uma espiritualidade profunda envolvendo a esposa e os filhos no serviço de Cristo, no anúncio e na construção do Reino.

164. Na Conferência de Santo Domingo, os bispos valorizam os diáconos como ministros da dupla sacramentalidade: “Queremos ajudar  os diáconos casados para que sejam fiéis à sua dupla sacramentalidade: a do Matrimônio e a da Ordem, e para que suas esposas e filhos vivam e participem com eles na diaconia.  A experiência de trabalho e seu papel de pais e esposos constituem-nos colaboradores muito qualificados para abordar diversas realidades urgentes em nossas Igrejas particulares”  (SD 77).

165. Na multiforme riqueza do dom recebido, que os destina às várias atividades do serviço da caridade, da Palavra e da liturgia, o ministério dos diáconos permaneça aberto às solicitações que pelo Espírito e pelos sinais dos tempos chegam à Igreja e sua missão. Uma ação eclesial profundamente aberta requer que os diáconos estejam disponíveis a responder aos desafios de uma autêntica evangelização inculturada que se realiza no testemunho da comunhão, no serviço, no diálogo e no anúncio.

166. A espiritualidade diaconal há de ser vivida na centralidade da Eucaristia, na vivência dos sacramentos e de toda a liturgia, na leitura orante da Palavra de Deus, na recitação da Liturgia das Horas, na oração pessoal, familiar e contemplativa, no serviço do povo pela caridade pastoral, na orientação espiritual,na partilha comunitária e na comunhão eclesial.

167. Dessa espiritualidade brota também o amor filial para com Maria, mãe de Jesus, a grande servidora que manteve plena fidelidade aos desígnios do Pai, modelo de disponibilidade e amor para todo servidor. Contemplando-a, os diáconos aprenderão o significado de uma total dedicação de amor à missão, ao louvor de Deus e à salvação dos irmãos, aprofundando sua identificação com a vontade de Cristo (Jo 2,5), que procura em tudo a vontade e a glória do Pai (Jo 4,34;17,4).

168. A participação na vida eclesial favorecerá o crescimento do espírito de obediência e de co-responsabilidade.  Critérios de sua autenticidade são a conformação interior com a vontade de Deus e a busca sincera do bem comum, assumindo, com alegria, as renúncias necessárias. A obediência se expressa também na cordial disponibilidade à observância dos ensinamentos da Igreja e das orientações dos superiores.

3.5. Dimensão pastoral

169. A formação especificamente pastoral-missionária é indispensável e deverá ser feita a partir da prática pastoral e nela.

170. Nessa formação teórica e prática, os diáconos encontrarão condições para:

· crescer na assimilação pessoal das atitudes do Cristo-Servo (Fl 2,6-7; Jo 13,3; Mt 20,28), aprendendo a ter os mesmos sentimentos do Senhor (Fl 2,5);

· crescer no compromisso pessoal, no serviço do povo de Deus e na caridade pastoral;

· abrir-se à comunhão com a vida do povo, com a comunidade cristã e com o presbitério;

· promover abertura de espírito para outras expressões de fé, tanto dentro da Igreja Católica como para outras confissões religiosas, numa atitude ecumênica;

· ser fermento de transformação da sociedade, pelo testemunho e pela ação solidária, na promoção da justiça e da fraternidade;

· abrir-se para o relacionamento com pessoas e setores influentes da sociedade: formadores de opinião, artistas, intelectuais, políticos…;

· integrar sua dimensão humano-afetiva nas relações humanas e nos contatos pastorais;

· adquirir espírito missionário e a consciência da prioridade da evangelização (cf. CNBB, Doc. 55, n. 94).

171. A dimensão pastoral-missionária consiste, sobretudo, no empenho pessoal e permanente do diácono para aperfeiçoar seu ministério.  Não se trata apenas de uma preocupação puramente profissional na tentativa de corresponder aos objetivos da instituição, mas de uma sincera busca para viver sacramentalmente o ministério com total fidelidade a Cristo, que  “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45; cf. Jo 13,12-17) e para ganhar a muitos, fazendo-se servo de todos (cf. 1Cor 9,19).

172. É na caridade pastoral de Jesus Cristo e na sua atividade missionária entre os pobres que o diácono encontra inspiração e forças para o agir ministerial.  Como Jesus, o diácono deverá inculturar-se na realidade para a qual é enviado, conhecendo profundamente  a cultura, os valores e as condições reais das pessoas que aí vivem e discernindo os apelos do Espírito em tal circunstância histórica.  Em meio aos mais humildes anunciará a Boa Notícia do Reino, dialogará com abertura de coração e testemunhará a pessoa de Jesus Servidor, colocando-se a serviço das transformações para uma sociedade mais justa e fraterna.

173. Embora fazendo parte da hierarquia, o diácono, em função da vida familiar e profissional, continua integrado naquelas atividades que são próprias dos leigos: “O campo próprio da atividade evangelizadora dos leigos é o vasto e complicado mundo da política, da realidade social e da economia, como também oda cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação, e ainda outras realidades abertas à evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento” (EN 70). Nessas realidades o diácono exercerá fundamentalmente o seu ministério.

174. O diácono estará a serviço do ministério do bispo. Não exerce seu ministério a título pessoal, mas incorporado ao presbitério. Assuma ele, efetivamente, as decisões pastorais de sua diocese, bem como esteja pronto a aceitar novas missões, mesmo em campo de trabalho mais exigente. Sua atividade pastoral-missionária será vivida colegialmente e em subsidiariedade com os ministros leigos e toda a comunidade cristã.

175. De acordo com a Conferência de Santo Domingo, são amplos os espaços que se abrem para a ação missionária dos diáconos: “Propomo-nos criar os espaços necessários para que os diáconos colaborem na animação dos serviços na Igreja, descobrindo e promovendo líderes, estimulando a co-responsabilidade de todos para uma cultura de reconciliação e solidariedade. Existem situações e lugares, principalmente nas zonas rurais e afastadas e nas grandes áreas urbanas densamente povoadas, onde somente através do diácono um ministro ordenado se faz presente” (SD 77).

4. Escolas Diaconais

176. Formem-se escolas diaconais nos Regionais para atender às exigências de uma formação específica para este ministério.  As mesmas deverão seguir um currículo mínimo indicado pela CND.

4.1. Escola Diaconal e Faculdade de Teologia

177. A Escola Diaconal (Inter)Diocesana deve levar em consideração a diferença entre a formação ao presbiterato e a formação ao diaconato. Seja pelos estudantes, seja por seus objetivos, a Escola Diaconal não pode ser uma cópia ou uma edição minorada de uma Faculdade de Teologia. Embora haja candidatos cuja situação financeira ou local permita frequentar um curso regular de Teologia, mesmo que para agentes de pastoral, a especificidade da Escola Diaconal não é substituída ou diminuída.

178. Em primeiro lugar, a Escola Diaconal é diferente por sua clientela. Nem sempre os candidatos ao diaconato possuem formação básica regular e homogênea. Muitas vezes, quem não terminou o ciclo básico de estudos convive na mesma sala com quem é formado por universidade. Essa diferença, em vez de provocar uma divisão entre os candidatos, deve favorecer sua comunhão, exercitando os mais doutos a ouvir, respeitar e ajudar os menos estudados naquilo que não compreendem. Por outro lado, também os mais simples e de proveniência mais humilde podem ensinar algo aos mais instruídos, seja por seu testemunho e exemplo de vida, seja pela disponibilidade e vivência comunitária.

179. Também diferencia-se a Escola Diaconal no tocante a seus objetivos. Enquanto o curso seminarístico de Teologia quer formar presbíteros celibatários (e eventualmente teólogos) e o Curso de Teologia para Leigos quer dar maior lastro teológico para os agentes de pastoral, a Escola Diaconal quer capacitar leigos adultos e pais de família para um ministério específico: o serviço da caridade, da Palavra e da liturgia.

180. Uma terceira diferença refere-se à duração da formação acadêmica. Os futuros presbíteros fazem  um curso de Teologia pela manhã, com duração, em geral, de quatro anos, com aulas todos os dias, variando entre quatro a seis horas/aula por dia. E ainda contam com boa parte de seu tempo à tarde e à noite para leituras e elaboração de trabalhos. Há cursos de Teologia para agentes de pastoral que são ministrados em Faculdades Eclesiásticas, várias noites durante a semana, muitas vezes com os mesmos professores e os mesmos programas do curso seminarístico. À Escola Diaconal essa carga horária é muitas vezes impossível, devido às atividades profissionais e familiares dos candidatos, ou devido às condições da Igreja particular.

181. Por fim, o curso regular de Teologia (seminarístico ou para leigos) confere a seus alunos, no final, um certificado de estudos, ou mesmo um título (Bacharel em Teologia), com o qual poderá, se quiser, progredir nos estudos das Sagradas Ciências, ingressando em curso de pós-graduação. Ao contrário, o curso oferecido pela Escola Diaconal, além de não conferir certificado nem título algum, também não garante ao candidato que ele será ordenado diácono.

182. Diante de tudo isso, postulamos que nos cursos oferecidos pela Escola Diaconal haja justo equilíbrio entre os aspectos teóricos e sua aplicação prática nas atividades pastorais que os candidatos já exercem ou virão a exercer. Sem prejuízo do embasamento teológico, estejam essas escolas voltadas para o exercício da tríplice dimensão do diaconato. Isso significa planejar os cursos, com seu conteúdo, horas/aula e períodos em que serão dados, de forma a não perder a noção do conjunto, bem como organizá-los de modo que se complementem e ajudem os candidatos a endereçar-se para o ministério.

183. A cada semestre ou etapa da formação, sejam ministrados cursos mais teológicos e teóricos junto a cursos mais práticos. Isso fará com que a aridez da exposição doutrinal seja aliviada pelo estudo de um argumento mais próximo ao mundo dos candidatos, ou de uma aplicação mais imediata e dinâmica. Por isso, não se descuidem a didática e as estratégias de ensino, a fim de que todos tirem o máximo proveito do aprendizado.

4.2. Instalação da Escola Diaconal

184. Tanto quanto a formação dos presbíteros, cada diocese deverá considerar a formação dos diáconos como uma tarefa prioritária, dedicando-lhe seus melhores esforços. Para tanto, os bispos, os presbíteros, os diáconos já ordenados e os leigos capacitados assumam uma postura de interesse, disponibilidade e cooperação, a fim de que cada diocese possa ter condições de formar seus candidatos ao diaconato.

185. Preferivelmente, portanto, a formação dos candidatos ao diaconato seja realizada na própria diocese. Em termos práticos, isso possibilitará a frequência dos candidatos aos cursos, bem como a participação e o envolvimento das esposas e dos filhos no processo formativo, eventualmente permitindo a presença das esposas nas aulas. Em segundo lugar, colaborará para não desvincular o futuro diácono da realidade na qual exercerá seu ministério. Além disso, desde o período da formação já se criará um relacionamento fraterno e sincero entre os presbíteros e os diáconos.

186. Para que isso se realize, a diocese instale a Escola Diaconal em dependências saudáveis e dignas, onde os candidatos se sintam acolhidos e valorizados. Se julgado viável e as instalações o permitirem, a Escola Diaconal funcione nas dependências do Seminário Diocesano, a fim de que os que se preparam para o presbiterato já comecem a acolher o ministério diaconal em sua diocese, bem como criem laços de amizade e cooperação com os que o exercerão.

187. Além disso, a diocese coloque à disposição dos candidatos uma biblioteca, preferivelmente a do próprio Seminário Diocesano, na qual poderão realizar pesquisas, trabalhos e encontrar ao menos a bibliografia básica solicitada pelos professores no decorrer do curso.

188. As dioceses interessadas no ministério dos diáconos, mas que sozinhas não puderem organizar e desenvolver um programa para sua formação, seja por falta de estrutura material, seja por falta de formadores capacitados e disponíveis, procurem encaminhar os vocacionados para a diocese mais próxima que já tenha uma Escola Diaconal em funcionamento. Considere-se sempre a possibilidade de dioceses vizinhas, onde a distância e os meios de locomoção o permitam, assumirem um programa de formação conjunto, envolvendo uma equipe mista de formadores, provenientes dessas dioceses.

189. Criem-se espaços de formação conjunta para os candidatos ao presbiterato e ao diaconato. Uma vez que há formadores comuns a ambos, esse vínculo seja reforçado com momentos de encontro e convivência entre os seminaristas e os futuros diáconos e suas famílias, com retiros espirituais e, eventualmente, cursos de formação comuns. Também outros espaços e ocasiões de integração entre os grupos de candidatos podem ser criados, visando à plena comunhão e colaboração do futuro clero da Igreja particular.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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